Categoria: estilo de vida
tanta coisa
o dia de agradecer
how to cook
※ is summer ※
o jantar com peru [que não comi]
Fiquei doente uns dias antes do Thanksgiving. Nem sei o que tive. Uma febre baixa, um frio, um cansaço. Fiz as sobremesas na noite anterior e no dia do Thanksgiving trabalhei cuidadosamente na cozinha para não me exaurir e fiz metade das coisas no dobro do tempo. Pela primeira vez em muitos anos não servi nenhum queijo de appetizer. Cozinhei muitas coisas, tudo sem nenhum produto laticínio. Foi uma maratona da qual me considerei vitoriosa! Enquanto isso o meu filho preparou um peru forrado com bacon. A casa cheirou a temperos e coisas assando o dia todo. O peru deve ter ficado muito bom, mas eu não comi. E ele levou todos os restos embora. Comemos as sobras dos pratos com legumes no dia seguinte e depois eu transformei isso naquilo e encerrei a jornada desse primeiro Thanksgiving dos novos tempos.
quase vegetariana, quase vegana
Estou numa fase de pouca receita, eu sei, mas é porque estou numa fase de adaptação. Já estou no quarto mês sem laticínios e fazendo meus ajustamentos na rotina e na dieta. Tenho cozinhado muito, o tempo todo, e experimentado com ingredientes. Ainda estou nesse tipo de limbo, onde não sou vegetariana [porque ainda como peixe vez em quando] e nem vegana [porque como os ovos da fazenda]. Mas adentrei com muita animação nesse universo paralelo onde não existem produtos derivados do leite. Ainda olho os queijos no supermercado [de soslaio] sentindo uma certa tristeza. Não deveria ser assim, a gente poderia comer queijo de uma maneira humana e sustentável, se fosse possível achar alguém nessa indústria que praticasse esse estilo de negócio. Tenho conversado muito com meu marido sobre isso, de como poderíamos achar uma fazenda que usasse métodos aceitáveis e comprar algo deles em ocasiões muito especiais. Ainda não fui atrás disso nem sei se é possível. Outro dia minha amiga me trouxe um litro de leite da cabra dela, que ela mesma tirou. Daí eu fiz uma panna cotta e foi realmente algo festivo. Nenhum ser vivo sofreu e nós pudemos ter uma sobremesa especial. Estou me acostumando a ir à lugares [o que não acontece muito frequentemente] e pedir para remover o queijo do prato. No potluck de Halloween do meu trabalho achei que iria comer apenas pão e salada, mas no final acabei com um pratão cheio de gostosuras. É só prestar mais atenção no que você está colocando no seu prato. E em casa eu tem cozinhado coisas básicas, muitos feijões e lentilhas, quinoa, grão de bico, às vezes refaço uma receita do blog e substituo os ingredientes não veganos por veganos. O leite de vaca pelo leite de castanha, a manteiga por manteiga vegana, o iogurte por iogurte de amêndoa, alguns queijos veganos já entraram na minha lista de compras. Tem uns queijos cremosos feitos de castanha de caju que são muitos bons e pra pizza, depois de muitas tentativas, resolvemos [por sugestão do meu marido] remover totalmente o queijo. Fiz alguns queijos veganos em casa e o melhor foi uma ricotta de amêndoas que fica muito parecida com a de leite. A comida aqui em casa está muito boa, muito saudável, muito colorida e criativa, e bem deliciosa. Estou muito feliz com minha decisão e não estou impondo nada pra ninguém, mas cozinho apenas o que quero. O desafio será o jantar de Thanksgiving, que meu filho quer assar um peru [com bacon!]. Pode assar, eu disse, só não me peça pra ajudar, nem espere que eu vá comer. Minha lista de receitas veganas já está pronta e farei comidas maravilhosas!
precisamos falar sobre crueldade [e compaixão]
Compaixão é a força que promove mudanças. Eu acreditava que as mudanças vinham do conhecimento e da informação, mas acredito agora que mudanças só ocorrem realmente quando uma combinação desse saber é impulsionada pelo poderoso sentimento da compaixão.
Nunca fui uma pessoa de hábitos carnívoros e costumava dizer que nasci vegetariana e fui “espancada” de volta à “normalidade”. A ideia de cozinhar sem carne sempre foi uma coisa natural e um exercício de criatividade pra mim, mas a de cozinhar sem leite, ovos e queijo era um túnel escuro onde nunca me atrevi a entrar. Por isso, e por que não gosto de rótulos nem de me encaixar em nenhum grupo, nunca me posicionei como vegetariana, muito menos como vegana.
Mas algo aconteceu. Acidentalmente eu escutei uma entrevista com o Nathan Runkle, fundador da organização Mercy For Animals. Não sei o que eu estava esperando ouvir dele quando não parei enquanto podia e prossegui ouvindo, mas levei uma chacoalhada quando finalmente escutei os fatos que por anos me esquivei de ouvir sobre a crueldade praticada com os animais de fazenda, o odioso sistema de Factory Farms.
Passei alguns dias aparvalhada. Nas minhas visitas ao supermercado naqueles dias tudo o que eu via era sofrimento nas embalagens coloridas à venda nas prateleiras e geladeiras. Demorei umas semanas para aceitar que estava fazendo parte de uma engrenagem muito bem lubrificada e sem nenhuma transparência, que nos engana dia após dia, não mostrando como é que esses animais acabam nessas caixas e bandejas.
Não me tornei vegetariana nem vegana, mas não quero mais fazer parte desse sistema, nem contribuir com essa indústria pavorosa. A humanidade vai pagar muito caro por todo esse sofrimento que estamos causando à esses bilhões de seres vivos que são destituídos de absolutamente qualquer direito. Vamos levar muitos séculos para quitar essa magnitude de carma negativo que estamos produzindo desde que transformamos os animais em apenas mais uma mercadoria.
Eu continuo comendo ovos bem moderadamente, porque sei de onde os que eu compro vêm, conheço as galinhas da fazendinha. E tenho comido peixe selvagem ocasionalmente. Mas a maioria dos outros produtos animais já não fazem mais parte do meu dia a dia. Nem mesmo os queijos, o que é bem triste, pois eles são deliciosos. Quero explicar essa mudança, que vai ter algum impacto nas receitas do blog. E erguer aqui essa bandeira da compaixão com relação à todos os animais.
Pra quem quiser ouvir, algumas entrevistas e TED Talks que ouvi e achei importante divulgar [todas em inglês]:
»Nathan Runkle and The Power of Compassion ⭐️
»The Power of Our Food Choices: Lauren Ornelas
»Olympic Level Compassion | Dotsie Bausch
»Paul Shapiro On The Future Of Food
»Toward Rational, Authentic Food Choices | Melanie Joy
»Cowspiracy: How Animal Agriculture Is Destroying The Planet & What You Can Do About It
nunca é tarde para fazer pequenas [ou grandes] mudanças
Uma das minhas colegas apareceu com uns potinhos cheios de comida dizendo que estava fazendo um detox naquela semana. Essa palavra “detox” sempre me causou um enorme desconforto, pois me dava a impressão de fome, sofrimento, miséria. Mas não era esse o caso. O detox que a minha colega estava fazendo se chama Kitchari, uma dieta monotemática da medicina Ayurvedica para limpar o sistema digestivo. Você prepara uma receita com arroz basmati, feijão mung, legumes e especiarias e come isso por três dias, bebendo bastante chá nos intervalos. Pode comer quanto quiser dessa mistura. Minha colega acrescentou que sempre faz esse detox quando exagera nas comilanças de porcarias ou está precisando de uma “limpeza”. Fiquei curiosa e interessada. Fui atrás de informação e li muita coisa, vi alguns vídeos e chegue à conclusão de que daria pra eu fazer um negócio desses muito facilmente. Eu não iria passar fome, me sentir desprovida, ficar com tonturas, desmaiar, vomitar, todas essas coisas [além de outras] que eu sempre associei com essas limpezas do sistema digestivo. Achei todas as informações que precisava e receitas que me animaram como esta aqui e esta aqui. Preparei tudo para o meu primeiro detox, fiz compras dos ingredientes que não tinha, tudo orgânico é claro, e me preparei psicologicamente pra fazer dois dias, ao invés dos três, pra não me sentir muito oprimida logo da primeira vez. Tava tudo certo, decidi também que iria fazer um café da manhã com aveia, pois nunca tive apetite e estômago pra comer coisas salgadas pela manhã. Mas daí cheguei no ponto que achei que iria ter problema—o café. Desde que me conheço por gente que bebo o tal do café com leite pela manhã, me condicionei a achar que eu não era gente antes de beber aquela xícara de café, que aquilo era imprescindível, se não bebesse esse café pra reconectar os neurônios iria com dor de cabeça. Meu humor matinal sempre foi péssimo, até eu beber o tal café. Troquei o leite de vaca pelo de amêndoas, porque nunca gostei do gosto do leite animal. Mas o café nunca faltou, na xícara ou na tigela. Como farei sem ele nesses dias? O detox Kitchari recomenda beber chá verde, que tem cafeína e algumas propriedades extras que ajudam mais do que atrapalham. Comecei o meu primeiro dia de detox com uma xícara de chá verde e fiz uma tigela de aveia cozida. Fiz na panela ao invés de no microondas, a aveia, água, passas, pedacinhos de maçã e uma colherzinha de ghee, a manteiga clarificada. Bebi o chá, comi a aveia cozida, passei o resto do dia comendo o cozido de arroz, feijão e legumes e bebendo muito chá. Não vou dizer que à noite não me deu aquela sensação de que eu poderia comer algo diferente, mas não era fome, não era algo desesperador. E passei o dia muito bem sem o café matinal, não tive nenhuma dor de cabeça, nenhuma sequela, nenhum incômodo. No dia seguinte bebi o chá verde e comi a aveia, e na noite do segundo dia quebrei o jejum, porque meu marido chegou mais cedo pro final de semana e milagrosamente pudemos jantar juntos. No sábado de manhã pensei, sabe o que? vou continuar com o chá verde. E assim foi no domingo, na segunda, na terça e passaram-se três meses. Nunca mais bebi café. Não sei se foi uma troca benéfica, a única coisa que notei foi que meu mau humor matinal melhorou muito. Agora levanto, faço coisas, ponho a água pra ferver, faço a aveia cozinha [agora no microondas—3 minutos], pico uma fruta, guardo louças, dou comida pros gatos, espero o chá esfriar, leio notícias, não tenho mais aquele desespero de BEBER O CAFÉ como era antes. Paralelamente continuei com a aveia, que era algo que eu já estava fazendo há mais de um ano pra levar pro trabalho e comer no meio da manhã. Antes colocava um pouco de açúcar ou mel, agora eliminei adoçantes totalmente. Uso uma fruta fresca, ou ameixas secas, cozinho a aveia na água, acrescento depois iogurte ou kefir, dependendo com o que combina, adiciono nibs de cacau ou fatias de amêndoas ou pólen de abelhas ou passas. Pra comer no meio da manhã no trabalho agora levo um ovo cozido e um tomate, ou o ayran—o iogurte batido com água e sal que fica muito refrescante, ou kombucha, qualquer bolachinha de arroz ou frutas secas. Nos finais de semana eu como pão com manteiga, com mel ou geléia. Comer a aveia não é uma coisa rígida, também não é uma dieta, porque não estou perdendo peso [se bem que seria bom se perdesse uns quilinhos]. Foi apenas um realinhamento na minha refeição matinal. Uma coisa que nunca pensei ou imaginei fazer e nem sei exatamente por que fiz, mas até agora está tudo ótimo, não sinto falta de tomar café, me sinto muito bem e estou achando tudo muito bom!
This I Believe
Conversando com a minha mãe, ela me contou que encontrou com a dona da loja macrô onde eu trabalhei em mil novecentos e oitenta, e me disse que sempre que vai à lojinha de produtos naturais que ela frequenta há mais de vinte anos em Campinas, ela diz pra dona do entreposto que todo esse estilo de vida natureba e saudável que ela adotou, deve-se à mim, a filha que fazia tudo diferente. Por causa da minha ojeriza à carnes, aos dezoito anos eu encontrei a minha turma—o pessoal natureba, que não comia animais e mastigava o arroz integral de acordo com as instruções de Michio Kushi. Passei por montes de fases e hoje acho que estou mais próxima de encontrar o meu equilibrio.
Pensando nisso e no fato de que entrei no ITunes e comprei sem piscar o álbum Instant Karma, da campanha da Anistia Internacional para ajudar a crise em Darfur, concluí que devo ter mesmo uma alma hiponga que dança emaconhada e descalça sob a luz do luar. Porque eu queria dizer pras pessoas não “baixarem” esse álbum ilegalmente, mas por favor, comprarem. Eu acredito em ajudar e praticar a caridade, e que gentileza gera gentileza. Eu acredito em adotar e não comprar animais. Eu acredito em tanta coisa, não faço download ilegal de música e filme, não quero comer ovo da galinha torturada, uso casacos com pele falsa, choro quando vejo um bicho enjaulado ou maltratado, sinto um bocado de culpa por todos os meus privilégios, fico com o coração destroçado quando jogo comida fora, acredito nos orgânicos e em ajudar os comerciantes locais. Tanta coisa, é assim que eu sempre fui. E ainda sou.