Thanksgiving Nº 26

Este nosso Thanksgiving número 26 estava fadado a ser um fracasso desde que o Uriel regressou uma semana antes de uma viagem à Alemanha gripado. Dois dias antes da festividade estava eu totalmente nocauteada pelo vírus europeu, estatelada na cama, sem ideia do que cozinhar, nem lista dec compras, muito menos compras feitas. Achei que seria o Thanksgiving mais triste da minha vida. Mas meu corpo reagiu forte e na quarta-feira o Uriel chegou da Bay Area, me ajudou a lavar todos os legumes & verduras da cesta orgânica que minha amiga tinha pegado pra mim no dia anterior quando eu ainda não conseguia ficar em pé. Ele lavou e ensacou uma quantidade enorme de ingredientes e depois fomos fazer umas comprinhas de última hora. Na quarta-feira também chegou um livro do Ottolenghi que eu tinha comprado por sugestão da Alexa. Quando abri o livro e olhei pros ingredientes que eu já tinha, pensei––está tudo resolvido, só preciso ter energia! E energia eu tive. Cozinhei o dia de Thanksgiving inteirinho, como deve ser. Só mudei que fiz almoço e jantar, pois normalmente no Thanksgiving faz-se somente o jantar. Dividi as receitas em dois turnos. Preparei a sobremesa rapidamente na quarta à noite e abri uma romã. A sobremesa foi um tiro no escuro. Comprei um leite de pistache e fiz uma panna cotta improvisada com metade da quantidade de agar-agar e adicionei folhas de figo secas e moídas no leite. Adocei com nectar de agave. Só isso. Na hora de servir misturei um iogurte de coco que consumismo diariamente aqui em casa [Cocojune] com água de rosas e sementes de romã. Não adocei. Ficou perfeito!

As outras receitas foram: feijão branco [butter beans] refogado com cebola e nabo assado, com chips de alho, sálvia e alecrim fritos e um óleo de salsinha; picles de berinjela com iogurte*; azeitonas [as minhas] marinadas no gin; beterrabas assadas com hortelã fresca e cebolinhas chamuscadas; vagens salteadas com furikake; abóbora e couve de Bruxelas assadas, com molho de tahini e dukkah*; batata doce assada com goma dare e crispy tofu*.

[*receitas do Ottolenghi]

e ainda estamos por aqui

Ou pelo menos eu estou, pois uso este blog constantemente como caderno de receitas. Espero que ele esteja sendo útil para mais pessoas, que passam por aqui aleatoriamente ou propositalmente. Se todas as receitas acabaram se aposentando como um grande arquivo, já está muito bom. Outro dia recebi uma batata doce gigante na cesta orgânica e lembrei dessa receita que fiz há muitos anos. Foi uma lembrança auspiciosa e a sopa é realmente deliciosa. Um brinde à todas as receitas que dão sempre certo, que viram coringas e que fazem a gente brilhar no palco iluminado das festas com amigos, vizinhos e família. Hooray!

celebrando!

Toda vez que me perguntam como vai o meu blog, a resposta é sempre: vai indo. Essa resposta pode a principio parecer uma afirmação desanimada, mas pensando bem, o fato de que este blog ainda está indo depois de quatorze anos bem vividos é realmente uma façanha!

Quatorze anos em anos de blog deve equivaler à uns 89 em vida humana, então estamos indo muito bem, na verdade estamos indo excelentemente bem. Poucos posts, menos conversa jogada fora, menos encheção de linguiça e papo furado e mais auto-cuidado e introspecção. Com o tempo minha maneira de ver o mundo mudou, minha rotina também.

Acho que devo cozinhar hoje muito mais do que já cozinhei antes, mesmo durante os áureos tempos de publicar coisas aqui diariamente. Os arquivos são super úteis e volto sempre em receitas boas, que faço, refaço, modifico. Com minha mudança de estilo de vida, removendo os produtos animais, a dinâmica de todo o resto também teve que se ajustar. Não me interesso mais por qualquer livro, não sigo mais tanta gente, nem leio tanta revista, não visito tantos websites. Estou sempre buscando por coisas novas, mas a direção do meu olhar mudou, as paisagens mudaram.

Hoje quero deixar algo escrito aqui, só para lembrar que nesta casa se cozinha muito, que só não escrevo mais tanto [a a tecla U do meu laptop está emperrada!], mas quem quiser chegar e entrar para tomar um chá e bater um papinho, por favor fique à vontade!

o jantar com peru [que não comi]

Fiquei doente uns dias antes do Thanksgiving. Nem sei o que tive. Uma febre baixa, um frio, um cansaço. Fiz as sobremesas na noite anterior e no dia do Thanksgiving trabalhei cuidadosamente na cozinha para não me exaurir e fiz metade das coisas no dobro do tempo. Pela primeira vez em muitos anos não servi nenhum queijo de appetizer. Cozinhei muitas coisas, tudo sem nenhum produto laticínio. Foi uma maratona da qual me considerei vitoriosa! Enquanto isso o meu filho preparou um peru forrado com bacon. A casa cheirou a temperos e coisas assando o dia todo. O peru deve ter ficado muito bom, mas eu não comi. E ele levou todos os restos embora. Comemos as sobras dos pratos com legumes no dia seguinte e depois eu transformei isso naquilo e encerrei a jornada desse primeiro Thanksgiving dos novos tempos.

torta de iogurte

iogurt_tart

Pra ter ideia de como estou atrasada com receitas e histórias, essa foi a sobremesa que fiz para o jantar de Thanksgiving na casa dos nossos amigos. Fiquei um pouco tensa enquanto fazia a receita, porque me pareceu um pouco estranho assar em forno tão baixo e pelo que parecia ser pouco tempo, mas confie! Essa torta fica a epítome da delicadeza, leve e saborosa, não vai açúcar nenhum no recheio, por isso ela precisa ser servida com mel e as frutas. Neste caso foram as típicas do outono—tâmaras e romãs. Fez sucesso absoluto no jantar.

para a massa:
8 colheres de sopa de manteiga sem sal derretida e morna
2 colheres de sopa de açúcar
3/4 colher de chá de extrato de baunilha
1/4 colher de chá de sal
1/8 colher de chá de sementes de cardamomo esmagadas num pilão
1 laranja de tamanho médio, de preferência orgânica
1 xícara de farinha de trigo

para o recheio
3 ovos caipiras grandes
1 colher de chá de extrato de baunilha
1 e 1/2 xícaras de iogurte grego integral
1 gema de ovo batida com uma pitada de sal
2 colheres de sopa de pistache picado grosseiramente
1 colher de sopa de pinoles torrados [ou mais pistaches ou amêndoas ou nozes picadas]
3 ou 4 tâmaras descaroçadas e cortadas em tiras
1 punhado de sementes de romã
2- ou 3 colheres de sopa de mel, ou a gosto
1 vara de canela para ralar [opcional]

Para fazer a massa posicione a grade do forno no meio e pré-aqueça a 350°F/176°C. Em uma tigela média misture a manteiga com o açúcar, a baunilha, o sal e o cardamomo. Use um microplane para ralar as raspas da casca da laranja diretamente na tigela. Adicione a farinha e misture apenas até estar bem incorporado. Se a massa parecer muito mole, deixe descansar por alguns minutos para firmar. Pressione a massa uniformemente sobre a parte inferior e dos lados de uma forma de torta com fundo removível. Faça uma camada bem finas. Parece que não vai ter massa suficiente, mas vá trabalhando bem com as mãos. Coloque a forma sobre uma assadeira e leve aio forno. Asse até que a massa fique dourada e totalmente cozida, de 20 a 25 minutos.

Enquanto a massa assa faça o recheio. Numa tigela bata os ovos e a baunilha. Coloque no iogurte. A ordem em que os ingredientes são misturados faz a diferença na leveza do recheio, por isso é iogurte nos ovos, em vez de ovos no iogurte. Quando a massa estiver pronta, remova do forno e baixe a temperatura 300°F/150°C. Pincele o fundo da massa com a mistura de gema de ovo batida com o sal para fazer uma impermeabilização. Leve a massa de volta para o forno por 1 minuto para secar a camada de gema. Retire a massa do forno novamente e despeje o recheio de iogurte na massa quente, espalhando uniformemente com uma espátula. Volte a torta para o forno e asse por 15 a 20 minutos, até que o centro da massa vibre como se fosse gelatina. Vá verificando sempre nos últimos minutos, porque se assar demais vai destruir a textura sedosa do recheio.

Deixe a torta esfriar completamente em cima de uma grade. Refrigere se não for servir dentro de 3 horas. Na hora de servir desenforme numa travessa, espalhe as tiras de tâmaras, os pistaches e sementes de romãs. Regue com mel. Se quiser pode ralar canela por cima, eu não lembro se fiz porque já tinha bebido muito vinho na hora da sobremesa!

cepallas ou crispelas
[da tia Miquelina]

Uma das tradições de Natal na minha família sempre foi fazer e comer as cepallas. Minha mãe faz essa receita, da Miquelina, sua tia-avó. As cepallas [ou crispelas] são flores fritas, feitas de massinha aromatizada com anisette, depois polvilhadas com açúcar de confeiteiro e servidas regadas de mel. Esse doce tem gosto de infância pra mim e essa foi a primeira vez que fiz a receita herdada e guardada com todo cuidado pela minha mãe. Percebi que outras famílias italianas de diferentes regiões têm doces similares, com outros nomes. Não achei nada com nome similar nas receitas de doces natalinos da Basilicata, então pode ser que esses nomes tenham sido abrasileirados. Essa receita rende bastante cepallas. Elas crescem durante a fritura.

1/2 quilo de farinha de trigo
1 colher de sopa de manteiga sem sal amolecida
5 ovos caipiras
2 cálices de anisette [ou outra bebida de anis]
1 colher de chá de fermento em pó
1 pitada de sal

Misturar todos os ingredientes e amassar bem, como se estivesse fazendo massa de macarrão. Cortar a massa em pedaços e passar na máquina de macarrão até o número 5 apenas. Cortar asa tiras com um cortador de massa [usei um pra fazer risoles] e dobrar em circulo, apertando a massa para formar as pétalas das flores. Frite em óleo bem quente, escorra para um prato forrado com papel. Salpique com açúcar de confeiteiro e guarde em caixas ou latas com tampa. Sirva com mel.