Devo ser a maior usuária deste blog, pois estou sempre entrando aqui para pegar receitas. Refaço muita coisa que já era originalmente vegetariano/vegano ou dou uma recauchutada, mudando alguns ingredientes. Não ando numa fase criativa na cozinha pras refeições, minha comida é sempre a mesma. Mas tenho explorado outros campos, feito muitos fermentados, desidratados, germinados e pão. No final do ano passado fiz mais duas levas grandes de azeitonas, que tenho usado em muitas receitas, saladas, pizza. Num dia em que fiz uma salada com erva-doce, laranjas ganhadas da minha vizinha e as azeitonas que eu mesma processei, caí na real que usar as próprias azeitonas é que é chique. Move over truffles! Também fiz duas versões de missô, uma delas [de abóbora] já ficou pronta, dei até alguns potinhos de presente. Ainda tenho o missô de grão-de-bico fermentando e envelhecendo––precisa esperar 6 meses no total e pra esse ainda faltam dois. É um exercício de paciência. No inverno descolei maneiras de arranjar cítricos, ou catando pela vizinhança ou pedindo, ou simplesmente ganhando. Teve aqui no inicio de janeiro uma tempestade fenomenal chamada de “bomba de ciclone” e muitas árvores caíram, como também muitas frutas. Uma das minhas vizinhas me chamou pra pegar os limões dela, que ela colheu e colocou em caixas. Fiz muitas coisas com eles, inclusive essa receita de limoncello & pepe. Já outras pessoas da vizinhança simplesmente podaram os galhos dos limoeiros e jogaram tudo na sarjeta, com os limões ainda pendurados. Não tenho pudores, peguei minhas cestinhas e sacolinhas e corri lá. Uma delas era de limão Meyer e fiz geléia, a marmalade que até levei de presente pra minha irmã e pra sogra dela em Portugal. Limão Meyer não é uma coisa muito comum fora da Califórnia. Outra árvore podada era de limão Siciliano, e espremi o suco e congelei, usei a casca desidratada pra fazer sal com limão e ervas. Não deixo nada ser desperdiçado. No inicio da primavera minha amiga que também mora aqui na minha cidade me chamou pra colher uns figos na figueira dela, que é daquelas que dão frutas que amadurecem secas, não são comestíveis. Quis tentar fazer aquele doce clássico brasileiro com os figos ainda verdes e deu certo. Refiz duas vezes, fiz o doce em calda e o cristalizado, que eu desidrato depois de fazer eles cozido na calda. Ficam maravilhosos. Com as folhas dos figos fiz licor. Ainda peguei mais figos numa árvore da cidade e noutra na fazenda orgânica. Não tem mais espaço para potinhos de figos em calda nas minhas geladeiras. Agora é a hora de colher morangos e vou lá na fazendinha, como faço todos os anos desde que me mudei pra Woodland. Daqui a pouco começam a chegar os tomates. Já percebi que gosto mais da rotina do que dos desafios, mas estou sempre incorporando alguns desafios na minha roleta de estações, que estão sempre chegando e indo embora, mesmo com os efeitos já perceptíveis das mudanças climáticas. Estou bem animada com a chegada do verão porque quero fazer novamente minhas uvas-passas. Já estou de olho em várias parreiras urbanas negligenciadas ou esquecidas na minha rota de caminhadas. Eu e as aranhas que aproveitamos bastante essas frutinhas que as pessoas plantam mas não colhem. E convenhamos que outra coisa chique demais é colocar as próprias uvas-passas no seu mingau de aveia, não é?
Categoria: histórias
quase vegetariana, quase vegana
Estou numa fase de pouca receita, eu sei, mas é porque estou numa fase de adaptação. Já estou no quarto mês sem laticínios e fazendo meus ajustamentos na rotina e na dieta. Tenho cozinhado muito, o tempo todo, e experimentado com ingredientes. Ainda estou nesse tipo de limbo, onde não sou vegetariana [porque ainda como peixe vez em quando] e nem vegana [porque como os ovos da fazenda]. Mas adentrei com muita animação nesse universo paralelo onde não existem produtos derivados do leite. Ainda olho os queijos no supermercado [de soslaio] sentindo uma certa tristeza. Não deveria ser assim, a gente poderia comer queijo de uma maneira humana e sustentável, se fosse possível achar alguém nessa indústria que praticasse esse estilo de negócio. Tenho conversado muito com meu marido sobre isso, de como poderíamos achar uma fazenda que usasse métodos aceitáveis e comprar algo deles em ocasiões muito especiais. Ainda não fui atrás disso nem sei se é possível. Outro dia minha amiga me trouxe um litro de leite da cabra dela, que ela mesma tirou. Daí eu fiz uma panna cotta e foi realmente algo festivo. Nenhum ser vivo sofreu e nós pudemos ter uma sobremesa especial. Estou me acostumando a ir à lugares [o que não acontece muito frequentemente] e pedir para remover o queijo do prato. No potluck de Halloween do meu trabalho achei que iria comer apenas pão e salada, mas no final acabei com um pratão cheio de gostosuras. É só prestar mais atenção no que você está colocando no seu prato. E em casa eu tem cozinhado coisas básicas, muitos feijões e lentilhas, quinoa, grão de bico, às vezes refaço uma receita do blog e substituo os ingredientes não veganos por veganos. O leite de vaca pelo leite de castanha, a manteiga por manteiga vegana, o iogurte por iogurte de amêndoa, alguns queijos veganos já entraram na minha lista de compras. Tem uns queijos cremosos feitos de castanha de caju que são muitos bons e pra pizza, depois de muitas tentativas, resolvemos [por sugestão do meu marido] remover totalmente o queijo. Fiz alguns queijos veganos em casa e o melhor foi uma ricotta de amêndoas que fica muito parecida com a de leite. A comida aqui em casa está muito boa, muito saudável, muito colorida e criativa, e bem deliciosa. Estou muito feliz com minha decisão e não estou impondo nada pra ninguém, mas cozinho apenas o que quero. O desafio será o jantar de Thanksgiving, que meu filho quer assar um peru [com bacon!]. Pode assar, eu disse, só não me peça pra ajudar, nem espere que eu vá comer. Minha lista de receitas veganas já está pronta e farei comidas maravilhosas!
nunca é tarde para fazer pequenas [ou grandes] mudanças
Uma das minhas colegas apareceu com uns potinhos cheios de comida dizendo que estava fazendo um detox naquela semana. Essa palavra “detox” sempre me causou um enorme desconforto, pois me dava a impressão de fome, sofrimento, miséria. Mas não era esse o caso. O detox que a minha colega estava fazendo se chama Kitchari, uma dieta monotemática da medicina Ayurvedica para limpar o sistema digestivo. Você prepara uma receita com arroz basmati, feijão mung, legumes e especiarias e come isso por três dias, bebendo bastante chá nos intervalos. Pode comer quanto quiser dessa mistura. Minha colega acrescentou que sempre faz esse detox quando exagera nas comilanças de porcarias ou está precisando de uma “limpeza”. Fiquei curiosa e interessada. Fui atrás de informação e li muita coisa, vi alguns vídeos e chegue à conclusão de que daria pra eu fazer um negócio desses muito facilmente. Eu não iria passar fome, me sentir desprovida, ficar com tonturas, desmaiar, vomitar, todas essas coisas [além de outras] que eu sempre associei com essas limpezas do sistema digestivo. Achei todas as informações que precisava e receitas que me animaram como esta aqui e esta aqui. Preparei tudo para o meu primeiro detox, fiz compras dos ingredientes que não tinha, tudo orgânico é claro, e me preparei psicologicamente pra fazer dois dias, ao invés dos três, pra não me sentir muito oprimida logo da primeira vez. Tava tudo certo, decidi também que iria fazer um café da manhã com aveia, pois nunca tive apetite e estômago pra comer coisas salgadas pela manhã. Mas daí cheguei no ponto que achei que iria ter problema—o café. Desde que me conheço por gente que bebo o tal do café com leite pela manhã, me condicionei a achar que eu não era gente antes de beber aquela xícara de café, que aquilo era imprescindível, se não bebesse esse café pra reconectar os neurônios iria com dor de cabeça. Meu humor matinal sempre foi péssimo, até eu beber o tal café. Troquei o leite de vaca pelo de amêndoas, porque nunca gostei do gosto do leite animal. Mas o café nunca faltou, na xícara ou na tigela. Como farei sem ele nesses dias? O detox Kitchari recomenda beber chá verde, que tem cafeína e algumas propriedades extras que ajudam mais do que atrapalham. Comecei o meu primeiro dia de detox com uma xícara de chá verde e fiz uma tigela de aveia cozida. Fiz na panela ao invés de no microondas, a aveia, água, passas, pedacinhos de maçã e uma colherzinha de ghee, a manteiga clarificada. Bebi o chá, comi a aveia cozida, passei o resto do dia comendo o cozido de arroz, feijão e legumes e bebendo muito chá. Não vou dizer que à noite não me deu aquela sensação de que eu poderia comer algo diferente, mas não era fome, não era algo desesperador. E passei o dia muito bem sem o café matinal, não tive nenhuma dor de cabeça, nenhuma sequela, nenhum incômodo. No dia seguinte bebi o chá verde e comi a aveia, e na noite do segundo dia quebrei o jejum, porque meu marido chegou mais cedo pro final de semana e milagrosamente pudemos jantar juntos. No sábado de manhã pensei, sabe o que? vou continuar com o chá verde. E assim foi no domingo, na segunda, na terça e passaram-se três meses. Nunca mais bebi café. Não sei se foi uma troca benéfica, a única coisa que notei foi que meu mau humor matinal melhorou muito. Agora levanto, faço coisas, ponho a água pra ferver, faço a aveia cozinha [agora no microondas—3 minutos], pico uma fruta, guardo louças, dou comida pros gatos, espero o chá esfriar, leio notícias, não tenho mais aquele desespero de BEBER O CAFÉ como era antes. Paralelamente continuei com a aveia, que era algo que eu já estava fazendo há mais de um ano pra levar pro trabalho e comer no meio da manhã. Antes colocava um pouco de açúcar ou mel, agora eliminei adoçantes totalmente. Uso uma fruta fresca, ou ameixas secas, cozinho a aveia na água, acrescento depois iogurte ou kefir, dependendo com o que combina, adiciono nibs de cacau ou fatias de amêndoas ou pólen de abelhas ou passas. Pra comer no meio da manhã no trabalho agora levo um ovo cozido e um tomate, ou o ayran—o iogurte batido com água e sal que fica muito refrescante, ou kombucha, qualquer bolachinha de arroz ou frutas secas. Nos finais de semana eu como pão com manteiga, com mel ou geléia. Comer a aveia não é uma coisa rígida, também não é uma dieta, porque não estou perdendo peso [se bem que seria bom se perdesse uns quilinhos]. Foi apenas um realinhamento na minha refeição matinal. Uma coisa que nunca pensei ou imaginei fazer e nem sei exatamente por que fiz, mas até agora está tudo ótimo, não sinto falta de tomar café, me sinto muito bem e estou achando tudo muito bom!
geléia de limão rosa
Uma coisa é você crescer vendo todo mundo ao seu redor fazer algo na cozinha. Outra coisa é você tentar fazer algo sem nunca ter visto ninguém fazer. Minha amiga, uma budista nascida e criada numa fazenda no Idaho, me deu um vidro de geléia de limão feita por ela. Quando eu pedi a receita, ela disse, ah é muito fácil! É só cortar os limões, remover as sementes, deixar tudo misturado na geladeira de um dia pro outro, depois cozinhar até o termómetro chegar em 220ºF e tchan dan! Ela me mandou o link para uma receita similar, depois me trouxe o livro de onde ela tirou a receita que fez. Eu comprei uma versão pra mim, e como tinha uma sacola cheia de limões rosa doados por um colega, decidi que faria a marmalade. Não foi tão simples assim. Primeiro fiquei mais de 1 hora em pé na cozinha cortando os limões, separando as membranas e as sementes. Depois rodei cidade debaixo de chuva pra achar um termômetro. Comprei um que não era o ideal. Daí inventei de fazer a geléia enquanto fazia o almoço de domingo. Cozinhar pode ser estressante se você não tiver certeza do que está fazendo. Como a minha amiga do Idaho, que cresceu vendo a mãe, a avó, as tias, as vizinhas fazendo geléia, eu cresci vendo a minha mãe fazer macarrão. Na massa de macarrão sou craque, porque sei todos os passos e como tudo deve se comportar. Mas geléia, só mesmo aquelas improvisadas de cozinhar a banana ou o morango com qualquer quantidade de açúcar ou inventar moda. Nunca fiz nada do jeito certo, nunca fiz o processo de esterilizar e vedar os vidros. Sei que tem uma técnica, só não sei qual é. No domingo fiz malabarismos com várias tarefas, preparei o almoço, fiz macarrão. E fiz a geléia, que cozinhou, cozinhou e, naquele minuto em que me distraí, passou do ponto. Achei que tinha dado tudo errado, chorei pitangas me achando um fracasso, reclamei muito, me dei chicotadas morais, mas quando fui olhar, tinha ficado mais ou menos como deveria ficar. A geléia ficou um pouco escura, queimou um pouco no fundo, cozinhou uns minutos além da conta, mas solidificou e até que ficou gostosa. Farei de novo? Sim. Mas desta vez, com a experiência de quem aprendeu algumas lições com os erros. A licão mais importante é que não se deve fazer geléia ao mesmo tempo em que prepara o frango, faz o molho de tomate, faz a massa pro macarrão, faz a salada, assobia e chupa cana.
Adaptado da receita de Meyer Lemon Marmalade do livro Food in Jars da Marisa McClellan. Essa receita é bacana porque usa a pectina natural do limão, contida nas membranas e sementes, para engrossar a geléia. E ela fica bem firme, parece até que se usou gelatina. E só tem realmente limão! Como toda marmalade, o resultado fica um pouquinho amarguinho. O limão rosa é muito mais acido que o meyer, mas eu mantive a mesma quantidade de açúcar. Achei que ficou perfeito.
1 e 1/2 quilos de limões orgânicos [*usei o limão rosa]
860 gr de açúcar
Lave bem os limões e seque. Com uma faca afiada corte as extremidades de cada limão. Corte ao meio e em gomos, remova a medula interna e as sementes e reserve numa tigela. Corte cada gomo de limão em fatias finas. Eu segui o conselho da minha amiga Amanda e coloquei os gomos com a lâmina de fatiar do processador de alimentos. Se quiser fatias maiores, faça a mão com a faca. Em uma tigela grande combine as fatias de limão e 400 gr de açúcar. Mexa bem. Faça um “pacote de pectina” usando um pedaço de gaze ou cheese cloth. Coloque no centro as membranas brancas, partes cortadas das pontas e as sementes que foram removidas dos limões. Amarre as pontas para fazer um saquinho. Adicione este pacote de pectina na tigela com as fatias de limão e o açúcar. Leve à geladeira por um período mínimo de 6 horas ou até 48 horas.
Remova a tigela da geladeira e coloque em uma panela grande, juntamente com o pacote de pectina. Adicione os 460 gr de açúcar restante e junte 1 litro de água. Leve para ferver em fogo alto, mexendo sempre com uma espátula antiaderente. Deixe ferver por 30 a 50 minutos e use um termômetro para verificar quando a geléia atingir 220ºF/105ºC. Quando a geléia chegar a essa temperatura e se mantiver assim por um minuto, mesmo se for mexida, desligue o fogo. Coloque a geléia nos vidros, fazendo a esterilização de acordo. Eu não fiz. Usei algumas jarras Weck, que são boas pra manter conservas na geladeira, e congelei outros dois vidros. Da próxima vez vou tentar aprender a vedar os vidros da maneira certa. Será minha meta pra 2017!
⑀⑂ sonho meu ⑂⑀
Foi um sonho horrível, eu estava num restaurante que parecia asiático [vou simplificar] onde fizeram na hora esse prato pra mim, que levava um monte de coisas e mais uns mariscos, legumes ralados, um caldo quente e ovos crus, e tudo transbordava e parecia até bom, mas os ovos pelamordedeus, e eu tive que experimentar e o gosto da gema era muito forte, eu senti uma repulsa enorme, pois as gemas dos ovos eram quase branca e eu pensei—não são galinhas caipiras!
indiscreet
Não sei como acabei com a incumbência de fazer a salada para o churrasco na casa da minha amiga. Estava na cozinha cortando os tomates, as abobrinhas e as cebolas quando a mãe dela chegou. Assim que fomos apresentadas ela disse—você está me fazendo lembrar a Ingrid Bergman, num filme onde ela está na cozinha preparando breakfast para o Cary Grant! Dei uma risada alta, porque não acho que tenho absolutamente nada semelhante à superstar sueca. A única coisa que eu e a Ingrid Bergman temos em comum é a altura e o fato dela estar na beira do fogão, segurando uma espátula e fritando um ovo no tal filme. Mas a mãe da minha amiga achou que tinha algo com o meu cabelo preso e o fato de eu estar usando um vestido e passou a festa toda me chamando de Ingrid. Sou uma pessoa modesta, não me acho bonita, nem elegante, nem chique, mas fiquei tão feliz e lisonjeada com esse baita elogio. Quero prender meu cabelo mais vezes e usar muitos vestidos daqui pra frente.
O filme é Indiscreet, de 1958.
no que ando pensando [muito]
Entrei numa farmácia pra comprar pastilha de tosse e a cena que vi na minha frente me pareceu naquele momento a pura imagem do inferno—uma variedade absurda de doces e chocolates, centenas de pacotes de salgadinhos, um infinito de bebidas artificiais, bebidas alcóolicas, enlatados, comida de caixa, em pó e congelada. E lá no fundão, os remédios. Claro que as farmácias não são novidades pra mim e sempre entro nelas por um motivo ou outro, mas naquele eu dia fiquei chocada. Fui tomada por um sentimento de profunda tristeza quando vi a tonelada de doces de natal serem substituídos por uma tonelada de doces de valentines numa estalada de dedos. Vi naquele cenário colorido uma armadilha atrativa e cruel de açúcar e corantes. As farmácias se transformaram em imensas lojas de conveniência [ou inconveniência], que te vende o problema e depois te vende a solução. São um retrato do que tem de mais paradoxal neste país. desculpa o clichê, mas são.
Passei os feriados de final de ano cozinhando e falando sobre comida com a minha mãe. Falei sobre a minha surpresa por ter virado uma celebridade no meu trabalho pelo simples fato de que eu como comida. E como comida no prato, usando garfo e faca, guardanapo, copo. Sou um assombro! Porque desde a década de 50 do século 20 que os americanos foram desaprendendo a cozinhar, deixando os velhos e laboriosos hábitos por outros mais simples e práticos. E hoje estamos a beira de um colapso na área de saúde, epidemia de obesidade, muitas doenças estranhas, muitas mortes. Isso que estou dizendo não é nenhuma novidade, os fatos estão escancarados. Eu vejo, você vê, mas não é todo mundo que percebe. Ainda há muita falta de informação, muita gente simplesmente não sabe que todo esse lixo se se ingere está nos transformando, nos adoecendo e nos matando. Agora não é mais somente a opção pela praticidade, mas é pela falta de instrução e de conhecimento. Quem vem de uma família onde não se cozinha há pelo menos quatro gerações faz o quê? Faz o que cresceu fazendo e o que acha normal fazer.
Ando muito pesarosa e desanimada, achando tudo uma aberração, uma caminhada cega em direção ao precipício. No trabalho, toda vez que vejo um colega colocando uma caixa de comida processada congelada no microondas, meu coração afunda. Nunca falo nada, mas mesmo de boca fechada, sem julgar ou criticar, posso mostrar delicadamente que há outro lado. Sento na mesa, onde outros colegas se juntam para almoçar e conversar, às vezes dividimos comida. Eu monto meu prato com salada fresca, minha comida simples e no final de sobremesa descasco uma laranja, o que muitas vezes gera olhares de genuíno espanto—olha, alguém que descasca laranja! Todo dia escuto um—oh, você se alimenta tão saudavelmente! ou um—uau, seu jeito de comer é tão legal, tão caprichado! Sempre comi assim, é a minha resposta. Não posso mudar o mundo, mas depois de dois anos dividindo a cozinha na hora do almoço com outros colegas, posso dizer que consigo pelo menos passar uma mensagem positiva e talvez ter uma pequena influência com relação à futuras possíveis mudanças de hábitos.
♥ ovos de FelizBertas ♥
No farmers market de Woodland, depois de uma semana de calorão:
—posso ter uma duzia de ovos?
—não tenho ovos hoje. as meninas resolveram não botar nada essa semana.
—é o calorão!
[ quando faz muito calor as meninas descansam. tive que entrar na lista de espera pra conseguir comprar essa dúzia, que estou usando com muita parcimônia. ]
we don’t speak no mexicano
A novidade saiu até no jornal da cidade—a abertura de uma lojinha de produtos indianos na Main Street de Woodland. Fui correndo conferir, porque geralmente nesses mercadinhos étnicos se acha muita coisa legal. Como eu normalmente vou no mercadinho indiano de Davis, a possibilidade de ter uma opção na cidade onde moro me pareceu perfeito. A loja fica num quadradinho minúsculo num daqueles strip malls que têm varias salas num formado de “U” com um bloco extra no centro. O dono da loja, Um indiano muito bem apessoado, estava lá ouvindo hits indus num equipamento super high tech. Assim que adentrei o micro espaço percebi que estava numa enrascada. Iria ser difícil sair dali sem comprar nada. Mas foi um pouquinho pior.
Em questão de um minuto o moço já estava no meu calcanhar, me mostrando todos os produtos [todos NUMBER ONE!] indianos e alguns chineses [uma coleção de peixe em lata] que ele herdou do proprietário anterior, que era chinês. Pra tudo ele tinha um comentário elogioso, além do fato de tudo que ele oferecia ser NUMBER ONE, melhor qualidade e barato. Me mostrou garrafas de ghee [tomo uma colher por dia!], as variedades de lentilhas [bom pra gente da nossa idade!], os feijões [esse verde é o melhor, você tem que dar pro seu marido todos os dias!] as farinhas de grão de bico [e me deu receita de um pudim] e os temperos [melhor curry! você usa curry?] e os pickles, chutneys, salgadinhos de ervilha, amendoim e pimenta, caixas com misturas para fazer todo tipo de comida indiana, eteceterá. Fui pegando uma coisa aqui, outra lá, nem sabendo se iria mesmo usar, apenas convencida pelo entusiasmo dele.
indiano—você prepara receitas indianas?
eu—na verdade eu não cozinho nada indiano.
indiano—o que você cozinha então? mexicano?
eu—também não. eu sou brasileira.
indiano—ah, brasileira! você fala mexicano então?
eu—não. eu falo português. nem os mexicanos falam mexicano. hahaha!
indiano—ah, e esse português é um dialeto mexicano?
eu—acho que não é! [mas posso estar enganada, né?]
indiano—se você não cozinha mexicano, cozinha o que?
eu—faço muita comida italiana.
indiano—ah, italiano! vem cá então…
[me leva até o freezer e me mostra pacotes com pão Naan congelado]
indiano—olha, muito parecido com comida italiana, igual pizza!
eu—ah, sim, IGUALZINHO [numa outra dimensão]
indiano—obrigado. volte sempre!
eu—com certeza! [não voltarei!]
indiano—e avise seus amigos!
eu—pode deixar! [que não avisarei ninguém!]
N Market
Sábado à tarde no meu supermercado local pagando umas compras:
caixa—hmm, parece que você está planejando fazer uns bolos hoje?
eu—ainda não sei, ainda estou pensando em receitas.
caixa—tá certo!
Domingo pela manhã no meu supermercado local pagando outras compras:
mesma caixa—olá, e como foi sua tarde ontem?
eu—foi boa! mas como você pode perceber estou aqui novamente!
caixa—ah, isso é bom!
eu—eu venho muito aqui, acho que quase todos os dias. hahaha!
caixa— tudo bem, sem problemas!
Em Davis eu era assídua do Co-op, o supermercado natureba do tomatão e em Woodland eu bato ponto no Nugget Market, um supermercado que pertence à uma família da cidade. Parece que eu sou desorganizada, mas eu não sou. Eu faço listas e minhas listas são até high tech, com app do iphone que eu carrego sempre comigo e vou atualizando. Mas como vou prever que um ingrediente que eu achava que tinha na despensa, na verdade está com a validade vencida ou não tem o suficiente pra receita? E as inspirações momentâneas ou as decisões de último minuto de fazer uma receita e precisar justamente de um ingrediente que não pode faltar nem ser substituído? Por isso eu vou tanto ao supermercado, além do meu normal e semanal pão-leite-iogurte-queijo-pra-pizza. Mas o bom é que como o lugar é pequeno, acabo conhecendo todos e todos me conhecem. Sou notável por ser aquela moça da cesta incrivelmente bacana [como me disse outro dia a menina que embala as compras] e da sacola colorida super linda [idem, a mesma]. E também porque nas minhas compras sempre predominam os produtos orgânicos e os ingredientes diferentes—como tubos de 5 umami paste, mostarda com tangerina, azeitonas secas, farinha de grão de bico, misô de cevada, macarrão de quinoa, lentilhas germinadas, eggnog de leite de amendoa, pimenta do reino defumada, eteceterá eteceterá eteceterá eteceterá.