um dia na vida de…

Eu acordo e ele já está de plantão na porta do quarto, deitado ou sentado, dormindo ou acordado, ele está lá sempre, infalível, inevitável, exato. Eu desço as escadas e ele desce junto, correndo pra passar na minha frente, porque ele sempre faz isso e eu nunca entendi muito bem o motivo. Em alguns minutos eu vou estar enchendo o prato dele com comida e então terei um tempo sozinha, bebericando o meu café, lendo, pensando na vida e na morte da bezerra. Mas quando eu me levantar pra ir tomar o meu banho matinal, ele já vai estar novamente ao meu lado, correndo na minha frente, pra chegar primeiro, enquanto eu subo as escadas em direção ao quarto e depois ao banheiro. Quando eu chego no banheiro ele já está lá, no plantão número dois do dia, sempre em cima da pia, porque agora a obsessão dele é beber água ali. A bacia da pia do Uriel fica cheia de água pra ele, mas só deixar a água lá não basta, ele quer que você participe, interaja, atue. Eu abro a torneira e ele olha pra água. Entro no chuveiro e começa ali o processo de encaração. Ele fica como uma estátua gorda a altiva, às vezes olhando para o infinito—Marlon Brando tem muitos discípulos, ou simplesmente me encarando. E ele encara com firmeza, mesmo quando o vidro do chuveiro embaça e respinga e eu viro apenas uma confusa silhueta. Eu limpo o vidro com as mãos e me deparo com o carão. Saio do chuveiro e o carão continua ali, me olhando de uma forma desconfortavelmente fixa e blasé, como se estivesse tentando dizer—está precisando se depilar, hein querida?

E assim continuamos o nosso dia, eu desco, ele desce, eu subo, ele sobe. Na hora do almoço, quando eu chego esbaforida com a bicicleta, ele é a primeira visão que eu tenho, quando abro a porta. Ele vai primeiro bater um ranguinho rápido, depois vem se posicionar para o plantão número três do dia, que consiste em apenas ficar dando sopa por ali, olhando o movimento do meu almocinho improvisado ou requentado, sempre na esperança que algo aconteça. Acontecimento seria ele ganhar comida—fato que resume absolutamente TODO o sentido da vida. Eu subo para escovar os dentes e ele sobe também, correndo para passar na minha frente, quando eu chego lá no banheiro, ele já está à postos para o plantão número quatro do dia. Enquanto eu escovo os dentes, ele olha pra água que contínua na bacia da pia, olha pra mim, deita entre as bacias, onde estão algumas coisas que eu uso, então eu preciso mover um rabo peludo do lugar pra pegar algo e praticamente me dobrar em cima do ser balofo pra alcançar outra coisa. Eu faço xixi e ele me encara, eu desço e ele desce, correndo na minha frente, chegando primeiro. Quando eu fecho a porta da casa, a última cena que vejo é ele na beira da escada, ou na cozinha, pois a esperança é sempre a última que morre.

Chegando em casa à noite, abro a porta esbaforida e carregada de coisas—lancheira, cartas, pacotes, e a primeira coisa que vejo é ele no pé da escada. Ele vai bater um ranguinho preventivo e daí começa o plantão número cinco do dia, o mais importante. Enquanto eu faço as coisas na cozinha, guardo louça, preparo o jantar, ele não sai do perímetro que contém a largura dos meus passos. Ele fica como uma estátua, no tapete de cá, no tapete de lá, ou no meio dos tapetes, sentado ou deitado, sempre com um olhar pidão de morto de fome, a não ser que ele fique muito frustrado, daí ele vai pro canto da parede, onde normalmente colocamos os snacks pra ele comer e encara a parede, assim como quem está de castigo, resignado. Marlon Brando tem mesmo muitos discípulos. Assim ficamos, ele ali impassível e eu quase tropeçando no tapete e nele, me irritando com a insistência e com a inconveniência. Ele só dá sossego quando eu finalmente coloco os snacks no cantinho da cozinha. Mesmo assim ele ainda volta, desta vez só pra curtir a companhia, a música, o calorzinho do forno. Depois que jantamos, eu subo pro quarto e ele sobe na frente, fica em cima da pia enquanto eu tomo banho, o plantão que número mesmo?

Essa é a minha rotina com o meu gato Misty Gray, um soturno senhor de treze anos, cheio das manias, quase todas relacionadas à comida e bebida. Eu não passo um minuto sozinha. Não sei se isso é bom ou ruim, ainda não decidi. Sem falar que tem o outro gato. Ah, o outro gato vocês nem queiram saber. O outro gato fica pra outra hora.

doce de abóbora com coco

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Parte da abóbora [orgânica] que enfeitou a porta da minha casa no Halloween virou um doce. Foi 500 gr da abóbora em pedaços, 150 gr de açúcar e alguns cravos da india. Cozinhei por algumas horas. Acrescentei o coco em flocos no final, mas achei que coloquei muito. Se fizer novamente vou omitir. Só a abóbora com o aroma do cravo já estava perfeito.
A outra parte da abóbora foi assada e está aguardando a definição do seu destino. Uma sopa para a noite. Talvez.

Os dez mandamentos do feijão

*também parte do pacote do The Bean Experiment.

1. Coma bastante feijão, de diferentes tipos.
2. Remova objetos estranhos dos feijões—pedras, galhinhos, folhas, grãos quebrados, murchos, furados ou descoloridos. Só os bonitos e inteiros devem ir para a panela.
3. Seja precavido. Planeje suas refeições para poder calcular o tempo que os feijões devem ficar de molho. Os feijões mais duros precisam ficar de molho por 12 horas, outros não tão duros, apenas por 4 horas e os feijões molinhos não precisam de imersão. Deixar os feijões de molho faz com que eles revivam. Eles começam a crescer e aumentam também o seu valor nutricional. Deixar de molho também ajuda a reduzir o tempo de cozimento e faz os feijões ficarem mais fáceis para digerir, causando menos gases.
4. Use água pura para deixar os feijões de molho. Não use água pesada, pois o cálcio destrói os valores nuticionais do feijão.
5. Não coloque nenhum tipo de ingrediente ácido—chili sauce, catchup, sumo de limão ou vinagre, na água em que os feijões vão ficar de molho. Esse ácido sela os feijões, não deixando a água penetrar e fazendo com que eles não cozinhem apropriadamente.
6. Não use bicarbonato de sódio para deixar de molho, nem para cozinhar os feijões, pois ele faz os grãos perderem seus minerais naturais.
7. Não jogue a água do molho fora. Use para cozinhar o feijão, pois na água ficaram muitos minerais dos feijões.
8. Cozinhe os feijões com tempo apropriado para cada variedade—os mais velhos precisam cozinhar mais tempo e os mais novos menos. Em média eles geralmente precisam de 30 minutos a 2 horas de cozimento. Enquanto os feijões cozinham, pode-se adicionar na panela folhas de louro, salsão, alho, cebola, caldo de legumes, salsinha, mostarda, pimenta. Mas NÃO adicione sal ou melado. Para checar se os grãos estão cozidos, pressione um contra o dente e o céu da boca com a língua.
9. Se estiver com pressa use a panela de pressão.
10. Somente depois que os feijões estiverem cozidos é que pode-se adicionar sal, temperos com sal ou melado.

celebridades

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Na semana passada o Bill Clinton esteve aqui na UC Davis, fazendo campanha para a sua querida cara-metade que é candidata a candidata à presidência do país. O Uriel pensou em ir lá ouvir o que ele tinha pra dizer, eu descartei na hora, porque sinceramente abomino muvucas. Não fomos. Nesta semana recebemos o jornalzinho da universidade e quando vimos a foto ilustrando a matéria da visita do ex-presidente, quase caimos da cadeira. Quem é que está abraçada com o Bill, sorrindo com aquele sorrisão de ferrinhos prateado? Quem? Quem? Quem??
Ninguém menos que a nossa inquilina!
A inquilina da nossa guest house é uma figuraça extraordinária. Os assíduos deste blog já puderam ler histórias com ela, como esta aqui ou esta aqui. Agora estão tendo a oportunidade de ler mais uma, desta vez com ela arrasando Arkansas em chamas, abraçada ao Billy The Kid. Bom, pelo menos agora já sei quais são as inclinações políticas dela. Muito bem, garota!

risotto com chaterelle

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O risotto foi feito com aquela receita básica—uma xícara de arroz arborio, uma de vinho–usei champagne, três de caldo–usei de galinha feito em casa e queijo–usei um de cabra com uma crosta de alecrim. No final acrescentei os cogumelos chanterelle, que piquei grosseiramente e refoguei num pouquinho de manteiga. Ficou um risotto bem substancioso e aromático.

Lemon Queens

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Quis testar uma receita do livro The Fannie Farmer Cookbook e escolhi esses bolinhos de limão. Eles não ficaram perfeitos, mas ficaram bem comíveis. O professor, que passou a tarde do feriado em casa preparando a sua aula, abocanhou vários. Depois ficamos discutindo os detalhes da receita e suas variáveis, porque com certeza no final do século 19 alguns ingredientes deveriam ter outra textura, como o açúcar e a manteiga, e o forno deveria esquentar diferente também. Ele me ajudou com as medidas, porque eu com números sou uma negação. E depois comentou—essa receita tem mais de cem anos. Pôxa, e não é que é mesmo?
lemon queens
Unte com manteiga e polvilhe com farinha 12 forminhas de muffins. Pré-aqueça o forno a 350ºF/176ºC.
1/4 xícara ou 28 gr de manteiga
1/2 xícara de açúcar
Raspas de um limão
1 colher de chá de suco de limão
2 ovos
5/8 xícara ou 156 ml de farinha de trigo
1/4 colher chá de sal
1/8 de colher de chá de bicarbonato de sódio
Bata as claras em neve. Bata as gemas até ficarem cremosas e engrossarem. Bata a manteiga com o açúcar até ficar um creme. Adicione as raspas e o suco de limão, depois as gemas batidas em creme. Separadamente peneire a farinha junto com o sal e bicarbonato. Junte a farinha ao creme de manteiga. Misture bem e incopore as claras em neve. Coloque a massa nas forminhas e leve ao forno.

The Fannie Farmer Cookbook

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Antes do reinado do Joy of Cooking, o livro onipresente em todas as cozinhas norte-americanas no final do século 19 e inicio do século 20 era apenas um: The Fannie Farmer Cookbook.
Fannie Merritt Farmer era nativa de Boston, dava aulas de culinária na Boston Cooking School, onde ela criava e aperfeiçoava receitas. Em 1897 Fannie teve suas receitas publicadas no The Fannie Farmer Cookbook, que virou imediatamente um clássico nas cozinhas norte-americanas. Fannie foi avançada para a época, escrevendo receitas com medidas exatas. O livro foi um sucesso absoluto de vendas no seu lançamento e nos anos subseqüentes. Fannie fez várias revisões e o livro foi reeditado muitas vezes, até a sua morte em 1915.
Depois da morte de Fannie, o livro não foi mais revisado com tanto capricho, apesar de ter tido constantes republicações, até ser massivamente revisado e praticamente reconstruído no inicio da década de 90 por Marion Cunningham. The Fannie Farmer Cookbook contínua um livro de receitas clássico, com todos os pilares da culinária norte-americana.
Essa edição, de 1965, chegou até as minhas mãos através da minha querida amiga Brisa Carter, que achou o livro em San Diego e me enviou. Eu adoro olhar as receitas antigas, com suas particularidades, ingredientes, modos de fazer. Nessa edição do livro não há novidades, mas todas as receitas tradicionais estão lá—desde as austeras inglesas e até algumas festivas francesas. Algumas receitas indicam temperatura de forno e tempo de cozimento, outras só dão instruções para assar até que os bolinhos estufem. As medidas, que eram consideradas exatas e revolucionárias para 1897, me irritaram um bocado neste início de 2008. Pelos diabos, quanto exatamente de farinha é 5/8 de xícara?