precisamos falar sobre crueldade [e compaixão]

Compaixão é a força que promove mudanças. Eu acreditava que as mudanças vinham do conhecimento e da informação, mas acredito agora que mudanças só ocorrem realmente quando uma combinação desse saber é impulsionada pelo poderoso sentimento da compaixão.

Nunca fui uma pessoa de hábitos carnívoros e costumava dizer que nasci vegetariana e fui “espancada” de volta à “normalidade”. A ideia de cozinhar sem carne sempre foi uma coisa natural e um exercício de criatividade pra mim, mas a de cozinhar sem leite, ovos e queijo era um túnel escuro onde nunca me atrevi a entrar. Por isso, e por que não gosto de rótulos nem de me encaixar em nenhum grupo, nunca me posicionei como vegetariana, muito menos como vegana.

Mas algo aconteceu. Acidentalmente eu escutei uma entrevista com o Nathan Runkle, fundador da organização Mercy For Animals. Não sei o que eu estava esperando ouvir dele quando não parei enquanto podia e prossegui ouvindo, mas levei uma chacoalhada quando finalmente escutei os fatos que por anos me esquivei de ouvir sobre a crueldade praticada com os animais de fazenda, o odioso sistema de Factory Farms.

Passei alguns dias aparvalhada. Nas minhas visitas ao supermercado naqueles dias tudo o que eu via era sofrimento nas embalagens coloridas à venda nas prateleiras e geladeiras. Demorei umas semanas para aceitar que estava fazendo parte de uma engrenagem muito bem lubrificada e sem nenhuma transparência, que nos engana dia após dia, não mostrando como é que esses animais acabam nessas caixas e bandejas.

Não me tornei vegetariana nem vegana, mas não quero mais fazer parte desse sistema, nem contribuir com essa indústria pavorosa. A humanidade vai pagar muito caro por todo esse sofrimento que estamos causando à esses bilhões de seres vivos que são destituídos de absolutamente qualquer direito. Vamos levar muitos séculos para quitar essa magnitude de carma negativo que estamos produzindo desde que transformamos os animais em apenas mais uma mercadoria.

Eu continuo comendo ovos bem moderadamente, porque sei de onde os que eu compro vêm, conheço as galinhas da fazendinha. E tenho comido peixe selvagem ocasionalmente. Mas a maioria dos outros produtos animais já não fazem mais parte do meu dia a dia. Nem mesmo os queijos, o que é bem triste, pois eles são deliciosos. Quero explicar essa mudança, que vai ter algum impacto nas receitas do blog. E erguer aqui essa bandeira da compaixão com relação à todos os animais.

Pra quem quiser ouvir, algumas entrevistas e TED Talks que ouvi e achei importante divulgar [todas em inglês]:

»Nathan Runkle and The Power of Compassion ⭐️

»The Power of Our Food Choices: Lauren Ornelas

»Olympic Level Compassion | Dotsie Bausch

»Paul Shapiro On The Future Of Food

»Why I’m A Vegan | Moby

»Toward Rational, Authentic Food Choices | Melanie Joy

»Cowspiracy: How Animal Agriculture Is Destroying The Planet & What You Can Do About It

»Matthew Kenney – Crafting the Future of Food

alto verão

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Essa é a época do ano em que eu fico super animada com a avalanche de tomates, melões, pêssegos, figos, com os dias longos, quando dá pra fazer tantas coisas até ser finalmente derrotada pelo cansaço e pela luz rosada do cair da noite. Mas por outro lado já vou ficando um pouco exausta com os dias calorentos, desejando uma brisa mais refrescante, uma mudança de direção. Vou aproveitando o que o verão tem de bom e olhando para o horizonte, na expectativa do que vamos ter pela frente.

Ando trabalhando muito, muito mesmo e quase não tenho mais tempo pra nada. Pra adicionar mais trabalho em cima do trabalho, temos hospedes na casa. Além do gato Roux, que passou uns meses andarilho pelas ruas de Woodland e retornou ileso para a nossa imensa alegria, agora temos os gatos Tim e Sequel, que ficarão aqui em casa até fevereiro. Eles são os gatos do Gabriel, o meu filho que está passando alguns meses vivenciando a rotina brasileira. A adaptação foi mediana—ninguém ficou amigo, mas também ninguém ficou inimigo, o que já é um grande alivio. Roux mudou, de gato espevitado virou um gato zen, quase reservado, alheio ao bafáfa. Tim é o gato velcro, que cola nas pessoas de uma maneira até engraçada. É o pomponzão que agora senta no meu colo quando estou tomando meu café da manhã. Sequel é o gatinho bully, o menorzinho de todos e o mais audacioso. Tem uma micro vozinha e fala comigo pedindo sei lá o que mas não gosta de muita aproximação. Tim e Sequel cresceram juntos e são super amigos, então a situação é de dois contra um—um pouco injusto, eu sei. Como não bastava a casa estar cheia de gatos se estranhando, aportou também por aqui uma cachorra, que vai ficar hospedada em casa por três semanas. Ela é velhinha, gigante e dominadora, tem ciúmes dos gatos e fica colada em mim o tempo todo. E são duas caminhadas por dia, que até que consegui encaixar bem no meu esquema apertado.

Este verão está um pouco diferente, então não vou ficar escrevendo sobre os tomates, os campos de tomate, a colheita do tomate, o festival do tomate, eteceterá. Neste verão eu estou botando mesmo os bofes pra fora com cachorra e com gatos, mas compenso bebendo cocktails, devorando saladas e toneladas de frutas, e me fartando daquele vinagre que tenho oferecido pra todas as minhas visitas. É muito engraçado ver a reação quando eu digo—quer beber um vinagre? E depois ver a cara de surpresa e prazer que todos fazem ao sorver o liquido borbulhante e refrescante. Saúde!

a arte de mendigar [comida]

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tem algo pra mim? tem? tem? Eles são incrivelmente fofinhos e abstraindo os potentes dentões parecem até um bichinho de estimação. Mas eles são uma verdadeira peste e infestam o campus Davis da Universidade da Califórnia onde eu trabalho. Agora que o tempo esquentou e já pude voltar a comer outdoors, os esquilos voltaram a participar do meu almoço. É uma participação de figurante, já que eles não protagonizam nenhuma comilança, apenas me rodeiam pedindo coisas. Uns são mais tímidos e ficam relutantemente me olhando de longe, na esperança que eu deixe algum farelo para trás. Outros são realmente audaciosos e chegam bem perto, quase me cutucam, me olhando com umas caras muito melodramáticas de pidões esfomeados. Fico com pena, mas não dou absolutamente nada, pois eles têm muitas outras comidas mais apropriadas pra eles no campus, como azeitonas, acorns, nozes, cerejas, e pêssegos. E porque sou contra alimentar animais silvestres com comida de humanos.

e os esquilos…

Esquilos Esquilos
Esquilos Esquilos
Esquilos Esquilos
Esquilos Esquilos

No outono eles dão mais sossego, porque o campus fica todo salpicado de acorns, que é a comida natural deles. Mas no verão eles me atazanaram pra valer enquanto eu almoçava no páteo atrás do meu prédio. Era uma pedição de comida, uma ousadia, um atrevimento sem parâmetros. Nunca vi tanta audácia, pois eles chegavam pertíssimo, uns cheiravam o meu pé, um outro até tentou abocanhar meu dedão. Mas nunca dei nada pra eles, porque sou contra alimentar animais silvestres com comida de humanos. Embora tenha deixado algumas vezes nos bancos de madeira um treat mais apropriado para a dieta eles—os caroços dos damascos que eu comia de sobremesa.

ovos caipiras

Já faz muitos anos que não compro uma caixa de ovos dessas de supermercado que custam $1,99 a dúzia [ou duas por $1,99 na promoção]. Não compro porque não acho necessário participar de um sistema baseado em crueldade para eu poder fazer uma omelete ou um bolinho vez ou outra. Compro e uso sempre os ovos da galinha feliz—fato que não preciso mencionar a cada receita que publico aqui, mas que é absoluto na minha cozinha.
Compro uma dúzia de ovos caipiras a cada duas ou três semanas, dependendo do que eu fizer na cozinha. Às vezes demoro mais pra gastar, porque não faço muita coisa levando 5 ovos e tais. No farmers market de Davis eu tinha a minha banca favorita para os ovos caipiras. E no primeiro dia no mercado de Woodland já achei minha fornecedora de ovos, de quem tenho sido cliente assídua.

Outro dia cheguei lá para comprar uma caixa e ela me disse—sinto muito, hoje só tem ovos para quem tem o nome na lista. E me explicou que nos dias muito quentes as galinhas diminuem a produção, pois é claro né minha gente, aquele bafão e você botando ovo? Elas simplesmente tiram uma folga. E a mudança da estação, com os dias amanhecendo mais tarde e anoitecendo mais cedo, também afeta a produção do galinheiro, pois donas galinhotas têm que ter o sono restaurador da beleza e nessa época dormem mais cedo e acordam mais tarde, não vão botar ovos nessas horas.

Coloquei meu nome na lista para cada duas semanas, pra ter certeza de que não ficarei totalmente sem ovos. Porque é assim que tem que ser. Nenhuma galinha é escrava e se eu quiser ovos em dias tórridos ou quando a estação faz eles ficarem mais curtos, eu é que terei que me esforçar, pagar mais e ter paciência.

Comparemos então a vida dessas galinhas que tem o direito de botar ou não botar ovos, com aquelas eternamente confinadas num cubículo iluminado noite e dia por uma luz artificial, comendo ração cheia de hormônios pra poder botar ovos dia e noite, sem nenhuma influência das leis naturais e assim suprir a demanda dos ovos com bacon e omeletes diárias pros pafúncios humanos.

Não é justo. E não é assim que precisa ser. A escolha é nossa.

quase tudo sempre igual, com algumas diferenças

É bem raro eu conseguir tirar uma foto dos meus dois gatos juntos, já que o mais velho, Misty, mantém o máximo de distância possível do mais novo, Roux. São sete anos gatos-cadeirastestemunhando o esforço do pequeno para conquistar o mais velho e sua frustração ao ser esnobado, rejeitado e grunido, nas tentativas inúteis de solidificação de uma amizade.

Agora entrou um outro animal na jogada. E eu tinha certeza que o Roux seria o primeiro a se aproximar da cachorra Boo Meringue, que tem nos visitado frequentemente. Ela é a cachorra da namorada do meu filho e aparentemente é aberta às amizades com felinos. Está vivendo numa casa com dois gatos que a esnobam e quando chegou aqui tentou se aproximar dos meus gatonildos. Para a minha surpresa, o Roux foi o que cascou fora em pinotes histéricos e assustados, e mesmo depois de inúmeras visitas, ainda não aceitou a presença ocasional da cachorra. Já o Misty não teve nenhuma reação. Talvez pelo fato dele estar surdo e não escutar o pequeno alvoroço da chegada da visitante. Mas mesmo quando ela chega bem perto dele, pra cheirar o nariz [ou o outro lado, hahaha] ele não se abala. Está sempre dormindo em algum canto e prefere as cadeiras encaixadas nas mesas, localização perfeita por impor mais dificuldades às aproximações do Roux.

Neste dia, quando o Roux sentiu a chegada da Boo, já se pirulitou e foi se esconder no andar de cima da casa. O Misty passou o tempo todo dormindo na cadeira e a Boo o resto do tempo do outro lado da mesa. Na hora da despedida dos visitantes, o Roux desceu, já pressentindo que a área estaria segura para ele circular novamente. Quando ele viu que a cachorra ainda estava na cozinha, se colocou embaixo da cadeira—o seu refugio clássico, pra onde ele corre sempre que faz algo errado ou qualquer reboliço acontece. E foi assim que eu consegui tirar uma foto dos dois gatos numa divertida proximidade: Misty na dele, dormindo e Roux na vigilia, aguardando alerta e desconfiado a partida da cachorra invasora.

um ano sem safra

Leitores antigos do Chucrute podem estar coçando o queixo e se perguntando por que eu ainda não comentei absolutamente nada sobre as colheitas de verão no meu quintal: as nectarinas e os tomates. Bom, desta vez não tivemos safra e vou explicar detalhadamente os motivos.

Este ano o Uriel resolveu podar a árvore de nectarinas, que estava com galhos muito compridos tendo que ser amparados por vigas de madeira, porque o tronco não é ainda robusto o suficiente para sustentá-los. Com a poda—que eu achei exagerada, mas ele disse ter sido necessária—perdeu-se muitas flores e com elas foram-se os frutos. As que sobraram sofreram ataques contínuos, primeiro por uma dessas doenças que danificam as folhas, depois pelos habitantes alienigenas do meu quintal. Normalmente somente os audaciosos e agressivos blue jays davam suas bicadas nas frutas, mas neste ano a invasão de criaturas famintas foi devastadora. Tivemos visitas constantes de esquilos, lebres e ratos selvagens, mandando bala em tudo que encontraram pela frente. As poucas nectarinas que sobreviveram à poda e à doença, frutificaram e cresceram para serem completamente devoradas pelos seres invasores. Eu ainda consegui ver algumas penduradas na árvore, parcialmente mordidas e depois só encontrei caroços espalhados pelo chão do quintal. O mesmo aconteceu com os dois pés de pêssegos, cujas poucas frutinhas desapareceram como num passe de mágica.

esquilo-freak

—mãos ao alto aí, mocréia! e vai passando todos os tomates pra cá, rapidinho, rapidinho, perdeu prayboy, perdeu, perdeu!

Mas o maior estrago e a maior frustração aconteceu na horta, com os tomateiros. Plantei quatro pés, compro mudas orgânicas de heirlooms e fico na maior expectativa. Este ano plantei também dois pézinhos de berinjela, uma japonesa a outra branca. Consegui colher uma berinjelinha e alguns tomatinhos pera. O resto não deu tempo nem de amadurecer. Um tomate verde que eu via ali num pé, no outro dia já não estava mais. Fui ficando realmente irritada, frustrada e desolada, pois não quero assassinar criaturas no meu quintal e não tenho tempo de ficar vigiando pra pegar meliantes no flagra. O ideal seria colocar uma tela em volta das plantas, mas não vi nenhuma possibilidade de fazer isso num espaço tão pequeno como o da a minha horta. Depois de chorar lágrimas de ódio pelos tomates sumidos e pelos tomateiros semi-destruídos, eu simplesmente desisti, joguei a toalha, deitei tudo a perder e enfurecida declarei aos berros no meio do quintal—VÃO EM FRENTE, COMAM TUDO, A HORTA FOI DOMINADA E CONQUISTADA, VOCÊS VENCERAM, FOFURAS MALDITAS!

good bye dear tomato
good bye dear tomato

Casquei fora e deixei tudo lá, matagal crescendo, tomateiros cheios de galhos quebrados, pés de berinjela destruídos, nem a menta chocolate conseguiu fazer bonito neste ano. Enquanto eu não tomar coragem pra pegar em armas, explosivos e venenos, ou a bicharada não encontrar outro quintal para se fartar, me rendo. Talvez no próximo ano eu tenha mais sorte.