Quando nos mudamos para o Canadá em 1992, meu filho tinha dez anos e estava entusiasmadíssimo com cada novidade que o novo país lhe oferecia. Nos nossos anos no Brasil não havia ainda o aculturamento do Halloween, então o Gabriel nunca tinha feito o trick-or-treating. Final de outubro chegou e ele estava realmente animado—ganhar balas dos vizinhos, quantas ele quisesse, era para o guri natureba um ticket só de ida para o paraíso. Então no 31 de outubro ele estava todo preparado. Até se fantasiou, o pobre, e tentamos planejar como ele iria fazer o tar do trick-or-treating. Vendo a nossa inexperiência canuca, uns vizinhos se apiedaram e convidaram o Gabriel pra acompanhá-los no Halloween dos filhos deles. Não tínhamos sacado o detalhe mais importante da noite das bruxas naquele país— já estava um frio dos demônios com possibilidade de nevasca. Os vizinhos sabiam das coisas e como iria nevar—e realmente nevou—eles levaram os meninos pra pedir balas de carro. Fantasia? Forget about it! Todas as crianças vestiam casacão, luvas, mittens, touca e cachecol por cima dos super-heróis, astronautas, princesas, bailarinas. Ninguém via nada. E saiam do carro, faziam o blinblon trick or treat na porta das casas decoradas com abóboras e corriam de volta para o carro. Foi assim o primeiro Halloween do meu filho.
Nos anos seguintes ele já estava mais experiente e tinha uma turma de amigos que fazia absolutamente tudo juntos. Mesmo se o tempo não ajudasse, eles saiam trick-or-treating à pé, usando a técnica da fronha de travesseiro. Eles levavam uma fronha, que enchiam de doces e faziam pit stops em casa para esvaziar e voltar para as ruas para pedir mais. O Gabriel acumulava uma verdadeira montanha de doces todo ano, que durava quase que até a primavera! Eu me resignava, apenas lembrando dos bons tempos, quando açúcar não fazia parte da dieta do meu filho. Ele e os amigos nem se preocupavam em se fantasiar, voltavam pra casa com as caras vermelhas, as pestanas cheias de gelo e um excitamento que só uma tonelada de açúcar pode provocar. Quando viemos pra Califórnia, onde o clima permite que as crianças se fantasiem e saiam pelas ruas pedindo doces sem perigo de congelar os ossos, o Gabriel já tinha perdido o interesse por essa maratona. Eu continuo firme, todo ano decoro a minha porta e dou docinhos pros visitantes. Não tenho pena mais das crianças, que aqui não ficam congeladas, mas ainda penso nos pobres canadensezinhos – será que vai nevar esta noite em Saskatoon?