amêndoas [doces]

amendoas-doces

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Dei um pulinho no Predrick Produce, um lugar que vou raramente e que vende frutas, legumes, verduras e um milhão de outras gostosuras, a maioria produtos locais. Essa venda é muito popular na região e há mais duas no mesmo estilo do outro lado de Davis, em direção à Sacramento. Essa fica entre Davis e Dixon, em direção à San Francisco e é muito mais conveniente pra mim. Eu não compro lá porque tenho a minha cesta orgânica semanal e faço compras de frutas orgânicas no Farmers Market e no Co-op. O único defeito do Pedrick Produce é que eles não vendem produtos orgânicos, mas em compensação, as frutas, verduras, legumes e as outras mil coisinhas deliciosas são locais, das fazendas e produtores da região e isso é uma grande vantagem.

Parei lá porque estava indo para Vacaville e tive que colocar gasolina no carro. Como só percebi o ponteiro do tanque lá embaixo quando já estava entrando na entrada, parei no primeiro posto que vi, que coincidentemente fica exatamente em frente ao Pedrick Produce. Aproveitei para dar uma geral na venda. O lugar é uma delicia, muito down-to-earth, sem frescuras e lotado de produtos frescos que chegam de todos os cantos dessa região. Me animei com as snow peas e despiroquei na frente dos pacotes baratésimos de frutos secos e nozes, amêndoas. Me controlei e escolhi apenas dois tipos de amêndoas açúcaradas—uma com açúcar, raspas de laranja e óleo de limão e a outra com mel e sementes de gergelim. Elas não têm nenhum ingrediente artificial, nem corantes ou conservantes. E são colhidas aqui ao lado, nos extensos pomares de Winters. A outra vantagem desses produtos são os seus precinhos, pra lá de camaradas. Eles podem ser vendidos a preços baixos, porque provavelmente viajaram apenas alguns quilômetros do produtor até a venda. Não tem discussão neste quesito: produtos sazonais e locais são incrívelmente acessíveis. A única pena, neste caso, é que eles não são orgânicos.

panna cotta de laranja vermelha

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A panna cotta é uma sobremesa sempre presente aqui em casa, porque ela é facílima de fazer e aceita a adição de frutas das mais diversas maneiras. Além do que o Uriel adora. Vi essa receita no website de uma dessas revistas que se pega de grátis na porta do supermercado. Gamei na hora, pois sou fanzoca dos cítricos, que ainda estão na onda por aqui. E a blood orange—laranja vermelha é uma das frutas que eu queria usar ainda mais uma vez, antes que elas desapareçam do mercado. Por causa da cor especial da laranja vermelha, essa panna cotta fica com um visual lindo. Use potinhos de vidro. Eu usei copinhos.

Faz 6 porçoes
1 colher de sopa de água
1 colher de chá de gelatina em pó sem sabor
1 xícara de creme de leite fresco
1 xícara de iogurte natural [nonfat]
1/4 xícara de açúcar *usei a mesma medida de agave nectar
Raspas da casca de duas laranjas vermelhas
3 laranjas vermelhas cortadas em fatias finas

Dissolva a gelatina na água. Numa panela pequena coloque o creme de leite, o açúcar [ou agave nectar, ou mesmo mel] e as raspinhas da casca das laranjas e leve ao fogo médio, mexendo com uma colher de pau, espátula ou batedor de arame até o açúcar dissolver. Não deixe ferver. Remova do fogo e junte a gelatina dissolvida. Mexa bem até a gelatina se misturar completamente. Adicione o iogurte e misture. Distribua as fatias de laranja entre seis potinhos e coloque o creme por cima. Leve à geladeira por pelo menos 4 horas.

a straight line exists between me and the good things

O advento da primavera traz mudanças caracteristicas na paisagem do Arboretum, não apenas pelo colorido clássico do aparecimento das novas flores e verdes, mas também pelo nascimento de centenas de patinhos. Caminhando pelo percurso de três milhas que acompanha um riacho, observo a agitação ruidosa provocada pelos novos fofoletes habitantes do local. Vejo muitas famílias com crianças parando para olhar as famílias de patolinos com seus adoráveis patolinozinhos. Vejo também muita gente carregando suas câmeras DSLR com lentes bacanudas, clicando, além das simpáticas trupes patolinescas, as plantas florindo, os horizontes e mil reflexos fotogênicos providenciados pelo riacho. Tenho muita sorte de morar ao lado desse Arboretum, que é um espaço ecológico belíssimo e apinhado de cenários super ultra fotografáveis em qualquer estação do ano.

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Estou tentando ajustar algumas horas de caminhadas no meu dia-a-dia, geralmente nos finais de tarde. Só não rola nada nas segundas, pois todos já sabem que neste dia tenho que pegar a cesta orgânica, dividir tudo com a Marianne, lavar e ensacar os legumes e verduras que serão usados durante a semana. Outros dias podem ser diferentes, com pequenas mudanças necessárias. Como naquele dia em que eu corri até supermercado para comprar pão e frutas, porque ando comendo muitas frutas, além da banana diária, e aproveitando a época dos citrus, que eu adoro. Depois tirei a louça limpa da máquina de lavar e guardei tudo nos armários, enquanto os gatos me cercavam na cozinha, o Roux falando comigo daquele jeito dele, dando pulinhos e fazendo uma cara engraçada. Esses gatos me fazem um cerco acirrado no final da tarde, tudo em função dos biscoitinhos crocantinhos que damos pra eles. É tanto dramalhão, miação, olhares pidões, corre pra lá e pra cá me seguindo, que parece que a bicharada está esfomeada, morrendo à mingua. Eu geralmente faço eles esperarem até às 6pm. Dai satisfaço as lombrigas felinas e eles finalmente sossegam e me deixam circular livremente pelo espaço da cozinha. Mas nesse dia diferente eu não fui caminhar nem cozinhei, porque fomos jantar no Ciocolat com nossos amigos. Depois voltamos pra casa, eu subi pra tomar banho e deitar no ritual de encerramento do dia e o Uriel voltou pro trabalho, como ele sempre faz.

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Esse foi uma noite atípica, porque normalmente eu preparo o jantar e se fizer algo diferente, legal ou criativo, fotografo para o blog. Se não, eu apenas ligo pro Uriel, ele chega, jantamos, depois limpamos a cozinha juntos, embora não sobre muita coisa pra limpar já que eu sou uma cozinheira obcecada em ir limpando tudo enquanto cozinha. E encerro o expediente quando eu subo pro quarto com o Roux atrás de mim, dando bote nas minhas pernas e querendo conversar. Meu dia termina na cama, lendo, com a tevê ligada, chorando com a cena de algum filme, me sentindo cansada, cansada, até desabar e Zzzz…

Iniciei um novo dia com o pé direito, depois de uma noite inteirinha de sono ininterrupto, o que é uma preciosidade pra mim. Fechei os olhos às 10pm e só reabri às 6:20am, como se a noite não tivesse existido e acordando de um sonho super ternura, onde eu estava bebendo chá com minha melhor amiga, Michelle [Obama].

bacalhau salgado do Atlântico com tomates

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Essa receita da Alice Waters fez parte do menu Califórnia que eu montei para a apreciação da confraria do Edu Luz, no inicio do ano passado. Eu procurei receitas que tivessem tudo a ver com o meu estado, mas também que fossem simples de preparar, para que eu também pudesse testá-las. Essa receita pedia um bacalhau do Atlântico, que não costumo ver pra vender muito frequentemente. Quando finalmente encontrei uma bandeja com filés de bacalhau selvagem [que é pescado e não criado] pude testar a idéia da Alice, de salgar o bacalhau fresco. Para isso você precisa salgar o bacalhau dois dias antes de fazer a receita. Aliás, a maioria das receitas de bacalhau dessalga o bicho e essa faz o oposto, salgando. Adorei, pois eu gosto de ser do contra sempre! Também fiz uma adaptação nos tomates, porque quando os tomates não estão na estação, já sabemos [the horror!] de onde eles vem, né? Por isso usei tomate californiano enlatado, que são excelentes, colhidos e enlatados no pico da estação.

bacalhau salgado do Atlântico com tomates
[serve 4 pessoas]
2 1/2 colheres de sopa de sal grosso
800 gr de filés de bacalhau do Atlântico frescos
Ramos de tomilho
Folhas de louro
500 gr de tomates maduros
Sal
2 cebolas médias cortadas em cubinhos
2 colheres de sopa de azeite de oliva extra-virgem
4 dentes de alho cortados em fatias finas
1/4 xícara de vinho branco
Pimenta do reino moída
8 fatias de baguete do dia anterior
1 xícara de aïoli*

Polvilhe o sal grosso sobre os filés de bacalhau. Coloque os raminhos de tomilho e as folhas de louro sobre o peixe, embrulhe tudo em um pano fino, ou pano especial para fazer queijo e coloque sobre uma grade que deve ser colocada sobre uma assadeira rasa. Cubra e leve à geladeira por 2 dias.

Pré-aqueça o forno em 400ºF/205ºC. Corte os tomates ao meio e remova as sementes, depois corte em cubinhos. Salgue a cebola cortada em cubinhos e refogue em 2 colheres de azeite de oliva, sem deixar pegar cor, apenas cozidas, mais ou menos por uns 10 minutos. Adicione o alho e continue cozinhando por uns minutos. Coloque os tomates e a cebola refogada com o alho no fundo de uma forma refratária de vidro ou de cerâmica. Adicione alguns ramos de tomilho e algumas folhas de louro partida em pedaços. Jogue o vinho e adicione sal e pimenta.

Corte o bacalhau em 4 porções e coloque sobre o refratário, pressione sobre os tomates. Regue com azeite e asse descoberto por 20 ou 30 minutos, até o peixe ficar cozido, com uma casquinha crocante nas bordas. Quando o peixe estiver quase pronto, pincele as fatias de baguete com azeite e toste no forno, até elas ficarem douradas. Sirva cada pessoa com uma porção do bacalhau, uma colher do molho de tomate, 2 fatias de pão e um pouco do aïoli.

Aïoli – Maionese de alho
[faz uma xícara]
2 dentes de alho
Sal
1 gema de ovo levemente batida * eu uso a gema cozida
3/4 xícara de azeite puro
1/4 xícara de azeite de oliva extra-virgem

Amasse o alho com o sal num pilão. Adicione a gema de ovo, mexendo bem. Vai colocando o azeite bem devagar e batendo vigorosamente. Refrigere. O aïoli deve ser consumido no mesmo dia, de preferencia logo após ser preparado.

spätzle [de abóbora com gorgonzola]

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Inspirada e animada pelas sempre bacanérrimas idéias da Neide, elegi a receita que ela publicou do spätzle de abóbora com gorgonzola para tentar replicar na minha cozinha. Eu não tinha a escuteda correta para fazer os spätzles, nem tive tempo de pedir pro meu marido improvisar uma. Mas lembrei [plin!] que tenho o food mill—o passador de legumes, que eu uso para fazer molhos e purês—e que poderia muito bem servir para fazer o spätzle, se eu usasse a base de furos mais largos. Já tinha a abóbora assada, um pedaço modesto de queijo blue Stilton e um macinho de manjerona fresca. Pelas fotos da massa para o spätzle que a Neide mostrou, me pareceu que ela fica bem cremosa e a minha ficou mais compacta, por isso tive um pouco de dificuldade para fazê-la passar pelo food mill. Ela grudou um pouco. Sem falar que quando tenho que fazer algo na cozinha que exija destreza, precisão e rapidez, a pomba gira do desastre encarna, me deixando totalmente atrapalhada e propensa a fazer porcariada. Mas consegui fazer o spätzle, que ficou bem gostoso, temperado com o stilton, a manteiga e folhas de manjerona.

A receita, como está lá no Come-se:

spätzle de abóbora com gorgonzola
1/2 xícara de abóbora madura cozida e amassada
1 ovo
Água
1/2 colher (chá) de sal
1/2 colher (chá) de pimenta-do-reino triturada bem grosso
160 g de farinha de trigo (cerca de 1 e 1/4 de xícara + 1 colher (sopa))
1 pedaço de gorgonzola (só tinha 50 g)
2 colheres (sopa) de folhinhas de manjerona
1 colher (sopa) de manteiga

Numa xícara com 240 ml coloque a abóbora bem amassada, já fria. Coloque por cima o ovo e complete o volume com água. Bata no liquidificador até a mistura ficar cremosa. Passe para uma tigela, misture o sal e a pimenta-do-reino e mexa bem. Acrescente a farinha e bata bem até resultar numa massa firme e elástica. Passe pelo instrumento de fazer spätzle. Ou apoie uma tábua com a massa na borda da panela e vá cortando tirinhas com uma faca ou espátula, deixando cair direto sobre a água. Quando as cobrinhas boiarem como nhoque, tire com uma escumadeira e vá ajeitando numa travessa que deve ser mantida aquecida. Junte um pouco de azeite ou manteiga para que as massinhas não grudem. Numa frigideira, aqueça a manteiga e deixe começar a dourar. Desligue o fogo, junte as folhinhas de manjerona, a massa e o gorgonzola ralado. Chacoalhe a frigideira para incorporar os sabores e nhac.

minha religião é a música

Meu primeiro encontro com o Gospel — em Sacramento, maio de 2001.

Etta James, Nina Simone, Aretha Franklin, Sarah Vaughan, Morgana King, Billie Holiday, Mahalia Jackson, Ella Fitzgerald, Shirley Horn, Anita O’Day, Sharon Jones, Dinah Washington, Carmem Macrae, Ma Rainey, Bessie Smith, Whitney Houston, Tina Turner, Gladys Knight, Diana Ross, Martha Reeves, Janet Jackson, Rose Hemphill, Bessie Jones, Deborah Coleman, Koko, Taylor, Ida Cox, Alberta Hunter, Margaret Johnson, Trixie Smith, Memphis Minnie, Macy Gray, Missy Elliott, Me’Shell NdegeOcello, Tracy Chapman, Lil’ Kim, Lauryn Hill, Eve, Mary J. Blige, Cassandra Wilson, Sade, Queen Latifah.

Quem já não viu filmes onde os negros norte-americanos cantam numa igreja? As mulheres com vozeirões potentes entoam palavras de louvor ao Senhor no coro; o pastor grita e gesticula para espantar o demônio e trazer a palavra de Deus aos seus párocos; homens, mulheres e crianças cantam, dançando com as mãos levantadas e espalmadas, dizendo palavras de concordância e contentamento.

Perdi as contas de quantas vezes vi essas cenas em telas de cinema e tv. A última vez foi umas semanas atrás, quando revi o clássico The Blues Brothers, e mais uma vez me encantei com a cena musical na igreja: o coro de mulheres e James Brown de pastor comandando a sessão de canto e dança dos fiéis, que culmina com Jake Blues [John Belushi] tendo uma epifania, envolto em luz, dançando e cantando com o resto dos negros na igreja.
Eu sou amante do Blues, a música do demônio, dos marginais, dos bêbados, drogados, do sexo, da dor de cotovelo, enfim, o oposto do que é cantado nas igrejas. O Blues e o Gospel não se misturam. Quem canta Gospel normalmente não canta Blues. Dois estilos tão antagônicos—onde um glorifica o Senhor e o outro faz pactos com o diabo—mas ao mesmo tempo tão similares na maneira gutural como a música é cantada, vinda da alma, em transe, em êxtase.

Minha longa experiência com o Blues tem sido gratificante, mas eu ainda não tinha tido a oportunidade de ouvir o Gospel na fonte, onde ele é mais genuíno e autêntico: na igreja. O meu dia finalmente chegou quando eu li no jornal que a Igreja Batista do Novo Testamento de North Highlands [uma das inúmeras cidades pertencentes à grande Sacramento] iria ter um concerto de Gospel aberto ao público, para celebrar o ‘Women in White Workshop Choir’. Eu não tinha a menor idéia do que iria encontrar lá, mas estava decidida a ter finalmente a minha vivência da música negra sagrada de culto e devoção.

Era uma igreja pequena, na esquina de uma avenida numa área isolada. Quando chegamos, muitas mulheres vestidas de branco já estavam esperando na porta de entrada. Todas negras, sorridentes, perfumadas, alegres, em alvoroço, se preparando para entrar. Fomos procurar um lugar para sentar, meio tímidos, sorrindo também e uma senhora nos recebeu na porta, nos deu as boas-vindas e o programa da cerimônia. Fomos sentar na frente, na terceira fileira de bancos de madeira, porque eu queria ver, ouvir e fotografar tudinho, cada movimento, cada som, cada dó, ré, mi, sol…

O coral era composto por mais de 120 mulheres, com idades variando entre 5 e 75 anos, todas vestidas de branco. Quando os músicos [piano, órgão, bateria, baixo e saxofone] começaram a tocar os primeiros acordes da música inicial, elas começaram a entrar na igreja vindas da porta principal, que emoldurava o grupo numa luz brilhante de final de tarde. Elas entraram dançando em movimentos ritmados, pra lá e pra cá, e a partir daquele momento eu não consegui mais me achar ali naquele banco de madeira, tentando segurar a câmera e ao mesmo tempo disfarçar os borbulhões de lágrimas que rolavam descontroladamente pelo meu rosto. Fiquei tão emocionada que tremi todas as fotos. As mulheres mexiam os braços, erguiam as mãos pro céu e dançavam suavemente ao ritmo da música, cada uma achando o seu lugar no mundaréu de cadeiras arranjadas no fundo do altar da pequena igreja. Quando todas estavam em seus lugares, cento e tantas vozes potentes se soltaram num único som, cantando juntas ‘He Made The Difference’.

Na igreja lotada fizemos a social com nossa vizinha de banco, que depois das apresentações perguntou à qual igreja pertencíamos. Balbuciamos algo confuso, pois na verdade não pertencemos à nenhuma igreja. Os vizinhos do banco de trás, dois casais nos seus 70 anos, comentavam sobre o último jogo do Sacramento Kings, o time de basquete da cidade. A celebração durou três horas, com muita música, palavras de louvor e até a benção do pastor, que chamou todos para pedir ou somente agradecer graças recebidas e os que foram ganharam uma oração, enquanto o resto gritava ‘Amem!”, ‘Alleluia!’, ‘Praise the Lord!’, ‘God is Mercy!‘, entre inúmeras outras exclamações de alegria e louvor.

As mulheres cantaram como divas, no coro e em solo. Algumas deveriam estar gravando discos e tirando lucro do seu enorme talento, mas ao invés disso elas escolheram dedicar suas vozes à igreja. Mulheres lindas, com sorrisos enormes, jovens, maduras, casadas, solteiras, todas negras, todas me emocionando às lágrimas e me deixando com uma sensação imensa de paz e alegria. Comentamos sobre todas as mulheres, famosas ou não, que cresceram cantando e ouvindo o Gospel nas igrejas onde as mães, tias, avós, irmãs, amigas, vizinhas também cantavam. Na saída, o senhor do banco de trás pegou na minha mão e deu tapinhas no meu braço enquanto dizia ‘beautiful! you’re beautiful!’. Confraternizamos com alguns dos fiéis, enquanto procurávamos um banheiro e alguém nos disse ‘come back next year!’. Respondemos que com certeza voltaríamos. No espelho do banheiro, não vi onde estava a boniteza naquela cara desgastada, com os olhos inchados, que ardiam de tanto chororô desopilador. Mas o coração batia feliz, e eu suspirava de alegria e prazer, pois tinha finalmente experienciado o Gospel!

**Regressamos nos dois anos seguintes, participando de algumas celebrações e até de algumas missas. Paramos de ir à igrejinha de North Highlands quando numa das missas o pastor declarou enfático que ele gostaria que as pessoas estivessem ali por causa de Jesus e não somente por causa da música. Vesti a carapuça. O pastor estava certo. A igreja abriga aos que ali vão para expressar sua fé e louvar o Senhor. E eu só estava lá mesmo pela música, que é a única religião que eu sigo.