a arte de encher linguiça

Eu nunca enchi uma linguiça de verdade nessa minha vida de enchedora de linguiça de palavras. Tirar assunto das pedras, sim isso é possível se você quiser e tiver o dom da conversa. Não quero insinuar que o meu papo é o mais interessante do planeta, mas quem sabe encher linguiça, sabe encher linguiça. E é claro que não estou falando da linguiça comestível.

Por isso nos dias em que fico sozinha em casa—e que não são poucos durante o verão, nem rareiam durante o resto do ano para quem é casada com um acadêmico, quando não tenho um outro humano presente para conversar, tagarelo com os gatos, com a televisão, com o computador e comigo mesma, que sou realmente a melhor e única companhia quando estou sozinha. Me dou bronca colocando o meu próprio dedo em riste no meu próprio nariz, tomo decisões exclamando bem alto frases autoritárias—AGORA CHEGA TÁ ME OUVINDO? ou—AGORA VAI OU RACHA, HEIN DONA FERNANDA! Dou muitas gargalhadas lembrando de certas histórias, choro borbulhões de lágrimas quando a macaca morre de pneumonia no filme, leio livros, leio revistas, marco receitas pra fazer, faço algumas mesmo estando sozinha e além de fazer, eu como. Sim, como e bebo, pois posso ser tudo, mas boba é que eu não sou.

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O único problema de fazer receitas quando se está sozinha é acabar com um monte de comida sobre a mesa, nas bancadas, no fogão e na geladeira. Quando alguém aparece, já vou oferecendo—não quer levar esse bolinho, fiz com farinha orgânica superfina, ovos cairpiras, tá vendo como tá amarelão? Empurro sobras pro meu filho, que já tem empilhado na cozinha da casa dele um monte de pratos, vasilhas de vidro com tampa e guardanapos, esperando ele lembrar de me devolver. Mas mesmo sendo comida super simples, eu faço em casa. Pois gosto de comer, e comer comida fresca, comida boa, quero aproveitar as frutas, os legumes, não quero comer qualquer porcaria em qualquer lugar puramente por causa da minha preguiça.

Descobri a roda e o fogo quando decidi testar fazer batata frita e torradas na churrasqueira. Dá super certo e fica super bom, garanto! Outro dia fiz até um frango xadrez usando uma wok dentro da churrasqueira. Queimou os cabos de madeira, mas o frango com legumes e amendoim ficou uma delícia. No verão eu uso e abuso da minha churrasqueira, muitas vezes porque está muito quente pra ligar o fogo do fogão, outras vezes somente porque cozinhar no quintal é divertido. E tudo feito na churrasqueira tem um gosto especial. Aos poucos vou experimentando coisas diferentes.

vinho
vinho
No dia em que chegou a cesta orgânica eu já grelhei uma berinjela comum e outra japonesa, vários pimentões verdes, amarelos e vermelhos, algumas pimentas jalapeño, várias abobrinhas. Aproveitei e cortei uma baguette do dia anterior em rodelas, esfreguei alho e pinguei uma gota de azeite em cada uma e também grelhei—acredite, ficam as melhores torradas para bruschettas! Meu jantar neste mesmo dia foi torradas com tomates e folhas de manjericão picados e temperados com azeite, um pingo de balsâmico e sal, mais as abobrinhas grelhadas, que eu pré-temperei com ervas de provence, sal grosso e azeite, mais alguns figos e nectarinas frescas, além de duas taças de vinho rosé, feito com uvas orgânicas da costa norte da Califórnia.

Não me importo de sentar à mesa sozinha, escutando jazz, falando comigo mesma, rindo dos gatos, comendo coisas nem sempre combinantes, nem sempre uma refeição clássica, desde que seja comida boa, gostosa, fresca, que eu como com um imenso prazer. E como muito, nem vou mentir. Gosto de encher linguiça, gosto de falar, gosto de comer e beber. Mas tem uma hora que é preciso dizer chega. Hoje vou buscar meu marido viajante no aeroporto. Agora quero comer e beber um pouco com companhia, contar e ouvir histórias, abraçar, beijar, dar risada—que saudades que estou dele!

salada de melão com bacon

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Vi essa salada primeiro no The Kitchn. Ela foi inspirada numa outra do Nigel Slater. Não tive como fingir que não vi. Fiz e comi tudo sozinha. Tá certo que usei um melão pequeno e comi só a salada, como prato único e principal. Mas não consegui parar! A receita dá uma quantidade pra um monte de molho e alerta que você não vai usar tudo—o que é verdade e não faz absolutamente nenhum sentido. Eu guardei metade pra usar numa outra receita, mas o melhor seria diminuir a quantidade. Como as duas versões da receita mostram a mesma quantidade de molho, vou colocar tal e qual. Diminua se quiser ou guarde a outra parte para outra salada, como eu fiz. Os melões são frutas típicas do nosso verão e estão no pico da onda neste momento. São tantas variedades, todos deliciosos, dulcíssimos, temos que aproveitar.

cool melon salad with hot bacon
serve 2 como prato principal ou 4 como acompanhamento
para a salada
5 fatias de bacon defumado cortado em pedaços de 7 cm
[*uso sempre o bacon do Niman Ranch]
1 melão pequeno, tipo cantaloupe, bem maduro
Folhas de hortelã fresca picadas
1 punhado de folhas de baby rúcula bem lavadas
para o molho
4 colheres de sopa de azeite
1 colher de sopa de mel
3 colheres de sopa de suco de limão
Pimenta do reino moída na hora

Frite o bacon numa frigideira ou faça no microondas—prometo não contar pra ninguém, se você também não contar que eu uso sempre esse truque para fazer bacon crocante rapidamente e sem empestear a cozinha.

Descasque o melão, remova as sementes e corte em cubos grandes. Misture os ingredientes do molho numa vasilha e bata bem com o batedor de arame até ficar bem emulsificado.

Misture os cubos de melão, a rúcula, as folhas de hortelã picadas e tempere com o molho. Junte o bacon frito e misture mais uma vez. Sirva imediatamente.

camarão com manjericão
[e couscous com limão]

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Essa comidinha é muito fácil de fazer e fica pronta num instante. O único porém aqui é o camarão, que eu compro pouquíssimo e presto muita atenção na procedência—não consumo o criado em fazenda nem o importado do outro lado do mundo. Desta vez achei no Co-op uma opcão de camarão sustentável e vou dizer que só poderia ser melhor se eu tivesse comprado de um pescador na areia da praia. A receita de chili, lemon, and basil shrimp with israeli couscous eu encontrei num dos mes blogs favoritos, o The Kitchn.

serve 2 porções
para o couscous
1 xícara de Israeli [pearl] couscous
1 limão, suco espremido e casca ralada
1 1/2 de caldo de galinha [*usei água]
Azeite
Sal a gosto
para o camarão
4 dentes de alho picados
1 pitada de pimenta vermelha em flocos
500 gr de camarões limpos
1 xícara de folhas frescas de manjericão
Sal a gosto

Numa panela aqueça um fio de azeite em fogo médio. Adicione o couscous e refogue por 3 minutos, até os grãozinhos ficarem um pouquinho tostados. Adicione o suco do limão e mexa bem até o liquido evaporar. Junte o caldo ou água, sal a gosto, deixe ferver, abaixe o fogo e tampe a panela. Cozinhe por uns 15 minutos ou até todo o liquido evaporar e o couscous ficar cozido. Tire do fogo e reserve até a hora de servir.

Numa frigideira, aqueça outro fio de azeite em fogo médio. Adicione o alho picado e a pimenta vermelha e refogue por 5 minutos, até o alho ficar meio dourado. Seque o camarão com uma toalha de papel e junte ao refogado de alho. Cozinhe rapidamente, só até o camarão ficar rosado—não cozinhe demais! Desligue o fogo e junte as raspas da casca de limão e o as folhas de manjericão. Salgue a gosto.
Sirva o camarão sobre o couscous.

torta simples de tomate

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Tenho comido muitas refeições sozinha—almoço e jantar, pois meu marido está viajando novamente. O ingrediente que mais tenho usado é justamente o mais abundante neste momento. Os tomates. Tem sido um ôba-ôba de gazpacho, saladas de tomates coloridos, pão com tomate e azeite, macarrão com tomate fresco e manjericão polvilhado com queijo parmesão ralado, e é claro que não poderia faltar uma torta de tomates. Para essa eu usei uma massa folhada comprada pronta feita apenas com manteiga e farinha de trigo da marca Dufour. Foi só estender a massa, fazer um risco nas margens para fazer a moldura, cobrir com uma mistura de queijo de cabra e ciboulettes, uma camada de fatia de tomates orgânicos super maduros, sal e pimenta do reino moída a gosto e um fio de azeite. Vai ao forno em 365ºF/ 185ºC até a massa ficar dourada. Sirva quente, morna ou fria. Essa torta ficou enorme e deu para várias refeições e ainda sobrou para o Gabriel levar pra casa dele.

rubis & catchup

Na edição de fevereiro de 1981 da revista Food & Wine, uma enquete perguntava à alguns famosos da época qual tinha sido a sua refeição romântica mais memorável. A melhor resposta, na minha opinião foi a do Andy Warholcomendo um hamburguer com fritas num MacDonald’s com a Paulette Goddard, porque ela estava usando seus rubis e eles combinavam com o catchup. Ha ha ha ha! Genial!

pão rápido de laranja

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Esse é um daqueles famosos pão de minuto—que não é exatamente um pão, mas passa muito bem por um deles. E para algo feito tão rapidamente, o resultado fica muito bom. Não é um pão doce, portanto é perfeito para ser devorado com geléia. Eu comprei uma geléia de pink grapefruit no Farmers Market, que estou comendo tudo sozinha, de tão boa. Combinou perfeitamente com esse pão rápido de laranja.

3 xícaras de farinha de trigo
1 colher de sopa de fermento em pó
1colher de chá de sal
4 colheres de sopa de manteiga
1/3 xícara de geléia de laranja [orange marmalade]
1 xícara de leite
1 colher de chá de suco de limão

Pré-aqueça o forno em 350°F/ 176ºC e unte uma forma de pão com manteiga.

Numa vasilha média misture a farinha, o fermento e p sal. Numa panela pequena coloque o leite e a manteiga e leve ao fogo médio somente até a manteiga começar a derreter. Remova do fogo, adicione a geléia e bata com um batedor de arame, até a geléia dissolver. Deixe esfriar e adicione o suco de limão.

Adicione a mistura de leite à mistura de farinha e misture bem, até ficar uma massa. Coloque na forma e leve ao forno por uns 40 minutos, até o pão ficar bem dourado. Remova do forno e da forma. Deixe esfriar numa grade antes de cortar.

salada de salsão & tofu

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Juntar dois ingredientes bem sem graça e fazer uma salada bem deliciosa é realmente uma grande façanha, que só pode ser executada pela mágica da culinária. O tofu e o salsão, temperados com especiarias, ficam deliciosos nessa receitinha perpetrada pelo minimalista Mark Bittman.

faz 4 porções
1 xícara de óleo de amendoim [*usei de semente de uva]
1 pedaço de gengibre de 5cm cortado em fatias grossas
1 pauzinho de canela
3 cravos
1 colher de chá de sementes de coentro [coriander]
1 colher de chá de sementes de cominho [cumin]
4 anis estrelado
1 colher de sopa de pimenta Sichuan [*usei pimenta preta]
1/4 xícara de pimenta vermelha em flocos
Sal a gosto
1 maço de salsão chines cortado em fatias [*usei salsão comum]
150 gr de tofu prensado cortado em tiras [*usei tofu super firme]

Numa panela coloque o óleo e aqueça em fogo médio. Quando começar a borbulhar, junte o gengibre, canela, cravos, sementes de coentro e cominho, anis estrelado, pimenta em grão e flocos de pimenta. Remova do fogo e reserve. Deixe descansar por elo manos 1 hora—preferívelmente de 2 a 3 horas. Coe o óleo para remover os temperos.
Numa panela com água salgada fervendo, jogue o salsão e cozinhe por 1 minuto. Coe e lave rapidamente com água fria.

Misture o salsão com o tofu, tempere com o óleo, sal a gosto e sirva.

as cozinhas de M.F.K. Fisher

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Quem conhece a grande escritora gastronômica M.F.K. Fisher vai entender o meu entusiasmo por este livro. Quem não conhece, precisa sair correndo [agora!] e ler pelo menos um texto dessa mulher. How to Cook a Wolf, An Alphabet for Gourmets, The Gastronomical Me, entre muitos outros livros da autora, são leitura imprescindível para quem gosta de culinária e gastronomia.

Já li muita coisa dela, mas corri pegar o livro da Joan ReardonM.F.K. Fisher among the Pots and Pans [Celebrating her Kitchens] na biblioteca e depois de algumas páginas lidas, comprei o volume, pra ter na minha biblioteca. Neste livro, a historiadora de culinária faz um apanhado de todas as cozinhas onde Mary Frances cozinhou em toda a sua vida etinerária, entre a Califórnia e Provence. O livro começa com as casas da infância, onde Mary Frances começou suas aventuras na cozinha. No decorrer dos anos, ela muda de cidades e de países inúmeras vezes e em muitas ocasiões se viu cozinhando num fogareiro com apenas uma panela.
Reardon descreve, não somente as cozinhas, mas também as comidas que Mary Frances cozinhava e comia. O livro é uma delícia de ler, especialmente se você já estiver por dentro dos detalhes da vida da escritora, e não precisar entender muito bem os outros acontecimentos, fora da cozinha.

As ilustrações das casas e cozinhas de Mary Frances, feitas em aquarela, decoram o livro com detalhes de delicadeza.

Queria transcrever muitas partes do livro aqui—das toalhas de mesa de linóleo quadriculado, as porcelanas decoradas com flores cor de rosas e a comida que despertou os sentidos de Mary Frances ainda criança, até o diário que ela manteve na sua última casa, onde recebia hóspedes e visitas e anotava tudo o que ela servia e o que cada um comia.

Ela nunca fez aulas de culinária, cozinhava de maneira absolutamente simples, colocando os ingredientes frescos e sazonais em primeiro plano. Sempre recusou ser rotulada com jornalista ou autora de livros de culinária. E nunca se considerou uma criadora ou seguidora de receitas, uma professora ou interprete das escolas francesas. Mary Frances era uma sensualista. Ela acreditava apenas no prazer imenso proporcionado pelo ato de comer e beber.

»tudo sobre M.F.K. Fisher que já rolou por aqui.

gelado de chocolate [amargo]

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Já tinha feito um sorvete de cacau com cereja e outro de menta com chocolate, que nem pode contar como chocolate, pois usei apenas as cacau nibs. Mas nunca tinha feito um sorvete apenas com chocolate. Falha no currrículo, que só pode ser desculpada pela minha preferência pelos gelados de frutas. Desta vez não me escapou. A receita é do jornal NYTimes—bittersweet chocolate ice cream. Minha única modificação na receita foi usar um chocolate com 100% de cacau e aumentar um pouco a quantidade de açúcar.
faz 1 litro
2 xícaras de creme de leite fresco
1 xícara de leite integral
1/2 xícara de açúcar
1/8 colher de chá de sal kosher
250 gr de chocolate amargo [de preferência 72% cacau)
1 colher de sopa de rye, bourbon ou rum [*usei rum]
Numa panela sobre fogo médio aqueça o creme, leite e açúcar, mexendo bem para o açúcar dissolver. No processador pulse o chocolate até ficar bem picado. Adicione uma xícara da mistura de leite quente no chocolate e pulse até ficar um creme liso. Coloque a mistura de chocolate no restante do creme, adicione o rum, mexendo delicadamente. Coloque a mistura na geladeira. Quando estiver bem gelada, coloque na sorveteira. Transfira para um recipiente de vidro co tampa e leve a congelador por 2 horas. Retire do congelador uns minutos antes de servir.