uma simples omelete

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Como não sou uma cozinheira muito elaborada – todos já sabem disso – me inclino sempre em direção da simplicidade, onde corro menos riscos de enfrentar fracassos. Tudo simples, esse é o meu lema, o meu motto.

Finalmente estou lendo bem devagar um livro que tenho, escrito pela mulher que revolucionou a cozinha inglesa no século vinte, e descubro que ela é um pouquinho como eu em alguns aspectos. Ela tem um certo cinismo com relação à comida industrializada, e no artigo que dá nome ao livro – An Omelette and A Glass of Wine, publicado em 1959, ela conta a história da famosa omelete da Madame Poulard que gerenciava um hotel na costa da Normandia. Quando Madame aposentou-se, foi um forfé delirante entre os gourmets, todos tentando descobrir ou afirmando ter descoberto o “segredo” de tal sofisticado prato. Uns diziam que ia leite na mistura, outros que eram trufas. Até que num belo dia, alguém cansado de ler e ouvir conjecturas resolveu perguntar diretamente para Madame Poulard – como ela fazia a tal omelete. A resposta foi bem simples e direta:

“Monsieur,
Aqui está a receita da omelete. Eu quebro uns bons ovos numa vasilha. Eu bato esses ovos bem batido. Eu coloco um bom pedaço de manteiga numa frigideira. Eu jogo os ovos nela e chacoalho constantemente. Eu fico feliz, monsieur, se essa receita lhe agradar.
Annette Poulard.”

Ler isso me redimiu de todas as minhas frustrações!

Misty na janela

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Essa foto foi feita durante os nossos primeiros dias morando nesta casa. Quando mudamos pra cá, nós só tinhamos o Misty. A vida ainda era pacata para esse pobre gato, que hoje vive sendo perseguido pelo enlouquecido Roux. Bom, não tínhamos cortinas na cozinha, e as roseiras que hoje cobrem praticamente toda a parte de baixo das janelas – nos dando um bocado de privacidade, tinham sido podadas pelos jardineiros que cuidam da vila. Então essa bay window foi a televisão do Misty por alguns meses. Eu sempre enroladora, não sabia como iria cobrir essas janelas. Quando compramos a casa ficamos extremamente durangos por um bom tempo. Um dia, quando minha mãe estava aqui me visitando, ela me disse que uma amiga dela foi lhe contar – ah, passei pelo Aggie Village ontem à noitezinha e vi você, sua filha e seu genro jantando! Quando eu ouvi isso, falei – agora chega, vou pôr qualquer cortina nessas janelas. E assim fiz! Comprei três cortinas azuis, que estão até hoje penduradas ali. Agora chegou a hora de trocá-las. Muita coisa mudou, as roseiras cresceram, as cortinas desbotaram de sol, e o Misty perdeu o seu sossego e a sua televisão.

lei seca

Eu gosto de bebericar. Já fui exagerilda tomando porres inesquecíveis, caindo na sarjeta, perdendo a festa, abraçando a privada, chorando com a cara ramelenta, todo o currículo que muitos já viveram. Hoje eu sou bem cuidadosa, pois a última coisa que quero fazer na minha idade é dar bafão de bêbada no high society. Meu período mais seco foi durante os meus anos canadenses, e foi também quando tomei o maior porre da minha vida, daqueles inesquecíveis em todos os sentidos, tentando acompanhar uma alcólatra. Foram anos que eu usei pouquissima bebida na comida – coisa que eu ADORO e que sempre fiz. Nas terras canucks não se vende bebida no supermercado, na farmácia, na mercearia da esquina, como em todo lugar civilizado. Lá a bebida alcóolica é toda controlada pelo governo, que sobretaxa tudo e determina as licenças das liquor stores. Então você tem que comprar seu mézinho nas lojas do governo, onde tudo é super caro e super controlado. Comprando uma garrafa de brandy numa liquor store canadense você se sente um bandido. Mas isso não impede que todo mundo beba, caia de bêbado, morra de bêbado. Só que isso já é outra história….

A história de hoje, ou melhor, de ontem, é que nos perímetros da Universidade da Califórnia é proibido beber álcool. Nós que sempre levamos garrafas de vinho nos picnics no parque da cidade, tivemos que repensar o esquema. Nos parques teoricamente também não se pode beber, mas o povaréu leva vinho, taça de vidro, tudo chique e escancarado. Mas na UC Davis é diferente e eu cocei meu queixo. Mas como boa bebum meliante dei meu jeitinho. Invés de vinho levei uma garrafinha térmica com Pastis e gelo. Fomos nos servindo de Pastis e enchendo os copos com água, acho que ninguém percebeu a infração. Mas rolou aquela culpa, pois antes de começar eles agradeceram a nossa colaboração com a política de não-álcool da universidade. Contraventoras quase sem escrúpulos, nos continuamos sorvendo nosso Pastis. Assim o Jazz desceu muito mais suave.

ninguém sabe, ninguém viu

Quem é que já não passou por uma confa dessas na vida?
Se eu estivesse nesse jantar, podes crer que o baratão iria acabar no MEU prato. Na minha lua de mel num hotel em Ilha Bela, eu faminta e grávida de seis meses devorava pãezinhos com manteiga e geléia e bebericava meu café com leite. Resolvi querer mais uma xícara, quando da jarra do leite caí uma mosca morta, que estivera lá boiando desde a minha primeira servida. Fiquei tão passada, nunca me conformei com aquilo. Serviram leite com mosca à uma grávida!
Esse assunto é nojento, mas faz parte do processo culinário. Como minhas saladas são orgânicas, eu lavo, lavo, olho com a lupa, afogo tudo no vinagre, mas de vez em quando algum inseto minúsculo resiste e aparece no prato, quase sempre no do meu marido.
Ele, pobre criatura, estava numa viagem de trabalho pelas usinas de cana de açúcar do interior de São Paulo – anos atrás – e parou pra almoçar no Restaurante Pinguim de Ribeirão Preto, reduto famosérimo por seu chopp gelado na serpentina de não sei quantos metros. Pediu um bife com fritas e quando foi cortar a carne, achou achatada por baixo uma enorme barata! Ele ficou sem comer por uns dias.
Queremos comida limpinha, barata-free, mas nem sempre os inconveniente insetos aparecem nos ambientes sujinhos. Pode-se ter o azar de ir comer com a alta roda e acabar de boca seca, sem saber o que fazer, enquando encara o alienígena cheio de pernas bem no meio do seu prato.

fritando ovo na calçada

No ano passado eu tentei secar tomates no quintal. Não deu certo pois eu fiz algo errado, mas essa é uma excelente maneira de aproveitar o calorão que faz aqui. Ontem estava muito quente. Eu vim pedalando minha bicicleta de volta do trabalho às cinco da tarde com uma dificuldade imensa. O calor daqui não tem umidade, o ar fica insalubre, é bem pesado. Acho que é notícia mundial a onda de calor que engolfou o hemisfério norte. Sei lá, eu não deveria estar reclamando, mas quando o clima começa a afetar e interromper a sua rotina, é pra ficar irritado. Cozinhar? Nem pensar! Quarta-feira eu consegui fazer umas bistecas de carneiro, porque usei a churrasqueira no quintal. É assim: corre lá fora, liga a tal, põe as comidas lá, volta rapidinho pra olhar se não tá queimando e virar; daí volta rapidinho pra retirar tudo. Sempre tosta alguma coisa, porque não tem condições de ficar lá fora vigiando a comida no fogo. Felizmente há essa opção, senão estaríamos condenados às saladas e rangos de microondas. Dormi muito mal durante essa noite, suei bicas com um ventilador ligado em cima de mim, não tinha a menor brisa desértica, que sempre temos, pra refrescar a casa à noite. Agora são 8 da manhã e eu já estou suando. Fui olhar a previsão do tempo – agora, vejam vocês se não é pra desanimar – vamos ter um dia descabelantemente tórrido de 44ºC/112ºF. Um ótimo dia pra secar tomates no quintal e ficar trancada em casa, com o A/C ligado, devorando saladas e bebendo litros de água. Lord have mercy!!

de perto ninguém é normal

Eu tenho um livro de receitas bem bonito chamado I AM ALMOST ALWAYS HUNGRY, que comprei só por causa do título. Me identifiquei, pois sou exatamente assim – estou quase sempre com fome, e não sei explicar por que. Talvez seja o meu metabolismo. Eu não preciso me entupir de comida, ou fazer uma refeição completa, mas preciso de uma fruta, um suco, um biscoito, uma barra de granola, uma fatia de queijo, de duas em duas horas. Trago uma lancheira pro trabalho. Meus colegas devem pensar – what the flock? Mas eu preciso das coisinhas da minha lancheirinha, principalmente no período da manhã, pois meu café às 6:30 am é paupérrimo. Além do que fico com fome ao ver alguém comer, ou ver foto de comida, ou se vejo uma cena de filme com gente comendo. Imagine o meu suplício assistindo ao Food Network. Mas acho que metade da humanidade é assim, e felizmente eu tenho condições de satisfazer essa fomezinha neurótica e mimada.

Meu café da manhã não é nada sofisticado, mas precisa ter um item que é completamente imprescindível pra mim: uma xícara de café bem forte, com uma pitada de açúcar e um pingo de leite assim que eu acordo. Sem esse líquido eu não funciono, não saio do lugar, as células cerebrais não re-conectam e eu não me livro do mau humor que acorda comigo todo santo dia. Como resolver isso quando eu viajo e saio da minha rotina? O coitado do meu amigo MOA que bem sabe! Ele acordou todo pirilampo e sorridente quando eu estava hospedada na casa dele, e foi fazer panquecas de cranberry, laralás e tals, e eu sentada num banquinho da cozinha, vestindo minha camisetona do Super-man, com a cara tri-amassada e esperando uma caneca de café aparecer a qualquer momento para me ajudar a iniciar decentemente o dia . Como o papo rolava, mas o café não aparecia, deixei de lado meus melindres de visitante e pedi encarecidamente – será que eu podia ter uma xícara de café, PELOAMORDEDEUS?? No dia seguinte o xícrão de Nescafé foi providenciado rapidamente!

Todo mundo tem suas maniazinhas, não gosta de cebola crua, gosta de comer feijão com macarrão, descasca a maçã, põe açúcar no mamão, come arroz com colher, não mistura a salada com a comida quente, enche o suco de gelo – you name it! Eu tenho inúmeras, uma delas é que eu DETESTO ficar com as mãos sujas de comida enquanto estou comendo. Então já protagonizei algumas cenas Seinfeldianas, quando comi com garfo alimentos que não são comuns de se comer com garfo. Uma mania quase inconfessável é a minha adoração por Cheetos, aquele salgadinho de milho cor de abobrão, que quando me dá vontade de comer, eu compro na seção dos orgânicos pra aliviar um pouco a culpa. Eu como os Cheetos com um garfo, é claro. Anos atrás, quando eu trabalhava como professora, virava e mexia eu aparecia na escola comendo os tais com um garfo de plástico. As outras professoras viam aquilo e não se conformavam. Já as crianças nunca viram exatamente o que eu estava comendo, pois eu escondia o saco de Cheetos dentro de um saco de papel marrom. Eu sou meio boba da côrte, mas nunca dei moleza pra criançada rir da minha cara!

um pratão de macarrão

Hoje foi um dia de desastres. Cheguei em casa à tardezinha com uma dor de cabeça cegante. Tomei uns comprimidos e fui esperar a dor passar enquanto pensava no meu jantar. Meu marido está em Portland, mas tenho comido em casa, porque não curto muito frequentar restaurantes sozinha. Sem falar que tenho montes de tomates, folhas verdes e legumes pra salada, além de uma tonelada de frutas. Pensa daqui, pensa dali. Fui abrir o armário da despensa, que é uma desorganização total, e derrubei um vidro cheio de feijão. Ele caiu em cima de uma mantegueira e quebraram-se em zil pedacinhos, fora os feijões, fora a manteiga. Fiquei um tempão catando caco, milagrosamente sem me cortar, e me certificando que nenhum gato iria espetar a fuça curiosa. Pra completar, a queimadura na minha mão está horrível, não cicatriza e eu bato o tempo todo nela, parece que mirando estratégicamente bem na parte mais machucada. Hoje bati nela umas quatro vezes desde que acordei. O dia não está pra peixe! Pensei, com tanta chatice acontecendo eu preciso comer uma coisa que me dê conforto. Então fiz macarrão ao alho e óleo, que é uma das comidas que eu considero desde a minha infância uma das mais confortantes. Espaguetti ou cabelo de anjo, um dente de alho, sal, pimenta do reino, muito azeite e muita salsinha picada. Um bom queijo ralado na hora por cima e já estou me sentindo outra pessoa. Agora só falta um banho e cama. Arrivederci, dia besta!

Beware of the cook!

Quem me conhece de outros carnavais ou pelo menos leu a minha pequena apresentação, já tem uma idéia do tipo de cozinheira que eu sou. Desengonçada, atrapalhada, esquecida… Não tem jeito. Eu inocentemente achava que ter um laptop na cozinha iria diminuir os recorrentes episódios pastelônicos, quando eu descia as escadas quase rolando para tentar salvar o rango já destruido. Quem nasce Didi Mocó nunca chegará a Nigella.

Hoje saiu a pele da minha mais recente queimadura na mão direita. Vai ficar uma cicatriz. Mais uma. Minha mão direita é franksteiniana. Olhando pra ela, me lembrei de muitos dos acidentes que eu já tive na cozinha. Meu marido vive em sobressaltos, principalmente quando eu estou usando facas para cortar coisas. Me pelar, queimar, cortar, ralar, isso é cotidiano e não significa nada. Duro é quando eu acabo no hospital.

Duas cicatrizes que eu tenho na perna foram feitas na cozinha, uma delas abrindo uma gaveta, na outra abrindo uma gaveta com uma faca na mão.

A queimadura séria que fiz na mão vinte anos atrás e que ainda tenho as marcas aconteceu num dia quando eu precisava lavar a louça, fazer comida para o Gabriel e ainda tinha que ir à uma aula na universidade. Eu precisava me organizar, focalizar nas tarefas e me apressar, mas sei lá por que demônios resolvi em cima de tudo aquilo ainda fazer um pudim. Tropecei num tapete com a forma cheia de caramelo quente e não lavei a louça, meu filho ficou sem comer, não apareci na universidade e acabei vocês sabem onde.

O corte que abriu meu polegar, cortou um nervo e ainda formiga, eu fiz tentando tirar um queijo grudado de um prato de cerâmica – esses são um perigo! Foi uma correria, uma sangueira, até hoje eu tremo quando vejo um dos pratos, que guardei no fundo do armário.

Será que eu tenho jeito? Ainda serei uma cozinheira organizada, atenta, cuidadosa? Talvez só na outra encadernação, né?…. hm, snif, êpa, peraí acho que tem algo queimando!

Consciência pesada

Fomos comer caranguejo e camarão num desses restaurantes barulhentos e atravancados e badulaques pendurados no teto, que marcam presença em cidades em beiras de rio ou mar. Me contaram então como se cozinha o caranguejo ou siri—nunca sei se são sinônimos com sotaques regionais, ou coisas completamente diferente—para que a carne fique macia, suculenta e com muito sabor. É o horror dos horrores! Os bichos são mergulhados vivos em água fria e vão cozinhando lentamente….

O caranguejo que comemos não passou por essa tortura. Foi morto e congelado antes de ser cozido. Menos mal. Mas o assunto foi pra uma área muito complicada e realmente difícil pra mim. Falamos dos frangos de granja que vivem uma vida curta e sofrida, sendo alimentados forçadamente de duas em duas horas, e das pobres vacas que viram bife, e das lagostas jogadas vivas na água quente, e dos peixes degolados. Sinceramente, se eu pensar muito viro vegetariana. Alias, não viro, mas sim desviro, pois tenho certeza absoluta que nasci uma vegetariana e fui lobotizada para me tornar uma carnívora. Minha mãe que sabe o sofrimento que era me fazer engolir um bife. Resisti a minha infância toda, até me libertar na minha adolescência, quando eliminei todas as carnes da minha dieta. Se proteína animal é imprescindível para o crescimento do ser humano, eu certamente sou uma aberração, pois cresci – e muito, sem ela.

Hoje eu como carne vermelha, peixe, camarão, carangueijo, lagosta, frango, mas tudo em moderação. Porco muito de vez em nunca. Não como molusco de nenhum tipo, nem sapo, escargot, paca, cobra, macaco, capivara, jacaré. Também não como coelho, nem pombo, nem vitela. Fico satisfeita e feliz com um bom prato de espaguete ao alho e óleo, queijo e pão.

como manter o seu fogão sempre limpo

Missão quase impossível se você cozinha todos os dias. No meu caso, a situação está cada vez mais favorável à impecabilidade do fogão, pois não estou conseguindo cozinhar tão frequentemente como antes. Soma-se ao fato de que estou super ocupada e sempre cansada, o meu marido também estar dançando no ritmo do crioulo doido. Um exemplo foi a semana que passou, quando eu preparei uma sopa de legumes com cevada na segunda-feira e foi só. Nos outros dias comi hamburguer vegetariano que fica pronto em dois minutos no microondas, salada de beterraba com nozes no picnic da Brazil in Davis, omelete com salada de alface e fui a restaurantes. O final de semana foi incrívelmente auspicioso para o fogão, que só descansou. O marido desaparecido nas brumas do laboratório de pesquisa, preparando junto com o aluno de PhD o equipamento para uma viagem à um campo de oliveiras no sul do estado. Pra não dizer que o fogãozinho não trabalhou, assei uma pizza no sábado à noite. Usei uma massa pronta da marca Boboli, que eu não gosto muito, mas quebra um galho. Minha pizza é super básica – mussarella/ aliche. De vez em quando eu faço a pizza-salada, de rúcula com tomate seco, que eu adoro. Mas geralmente é molho de tomate, mussarella, azeitona preta, rodelas de tomate e aliche. O segredo está no molho, que pra mim tem que ser o mais simples possível.

Molho de tomate para pizza
Dependendo da época, eu uso tomate fresco ou em lata.
Como ainda não temos bons tomates no mercado, estou usando um em lata, o Muir Glen premium fire roasted tomatoes. Bato metade de uma lata pequena no liquidificador – o equivalente a dois tomates. Numa panela refogo um ou dois dentes de alho cortados em fatias finínissimas em bastante azeite. Jogo o tomate batido, tempero com orégano fresco ou seco, acrescento pimenta do reino e sal a gosto. Refogo por alguns minutos, até reduzir pela metade. Está pronto para usar.