sorvete de manga
[ com cardamomo ]

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Manga e banana são frutas que não têm produção local, então tenho que me contentar com as que vêm de longe. Sempre que vejo as mangas mexicanas expostas nos supermercados, lembro de uma amiga suiça imigrada para o Canadá que rolava os olhos quando eu reclamava daquelas mangas sem gosto, que tinham viajado milhares de quilômetros até chegar nas nossas mesas. Mas tudo mudou depois que ela e o marido fizeram a viagem da vida deles ao México. Passaram meses planejando. fizeram jantares para nos mostrar os mapas, o etinerário, os planos. Depois fizeram outros jantares para mostrar as fotos, contar as histórias e aventuras. Eles voaram até Los Angeles e depois dirigiram pelo México, fazendo visitas à lugares não turísticos, tudo planejado e estudado, com engrenagem e desempenho de um relógio suiço. Num dos jantares depois da viagem ela virou-se pra mim e disse—agora eu entendo o que você queria dizer quando reclamava das mangas sem gosto. pela primeira vez na vida eu provei uma manga de verdade lá no México e realmente, aquelas de lá não tem comparacão com as que compramos aqui! Minha amiga teve uma epifania gastrônomica comendo uma manga no México.
Por isso nunca espero muito das frutas que vêm de outros países, seja porque estão fora de estação ou porque não há producão. Mas quem resiste à uma receita de sorvete de manga, como essa, perpetrada pela Neide? Não quis nem saber se a manga era a mais perfeita ou não. Fui em frente! Modifiquei um pouquinho a receita, só para não perder o hábito.
Bati no liquidficador a polpa de duas mangas, algumas sementes de cardamomo [que esmaguei no pilão primeiro], mais ou menos uma xícara de kefir e adocei com nectar de agave. Coloquei na sorveteira e voilá! Tá dificil parar de comer esse sorvete, tive até uma série de dolorosos brain freezes, tal a minha esganação.

This is GOOD stuff!

Toda vez que come a minha comida, ela exclama com seu pesadíssimo sotaque de norueguesa—this is GOOD stuff! Ela nasceu no pós-guerra e cresceu num país pobre, onde o treat de Natal era uma maçã. A Noruega não foi rica até a década de 70, quando descobriram que o país tinha óleo e então tudo mudou. Mas no tempo dela as coisas eram diferentes. O pai tinha uma padaria, onde ela aprendeu a fazer contas e administrar orçamentos. Assim ela cresceu, com aquela noção de conservar, juntar, economizar, guardar a água que cozinhou as batatas pra fazer sopa, fazer caldo com os ossos que sobraram do frango assado. Bem diferente de como eu fui criada, com fartura, sem poupança, minha mãe ajudando os pobres invés de guardar dinheiro pra comprar casa na praia, meu pai dizendo mais vale um gosto que um tostão no bolso, num lugar rico em agricultura, com frutas e legumes abundantes, muito solo, muita água, o slogam do país do futuro. Eu nunca pensei em imigrar. Aconteceu. Ela decidiu e imigrou sozinha, ainda bem jovem, em busca do sonho na América. Hoje somos meio família e quando eu cozinho ela comenta bem alto—this is GOOD stuff! Porque realmente é. Ela é quantidade, estoque de lataria na garagem, compras em bulk no Costco. Eu sou qualidade, bons ingredientes escolhidos à dedo para alegrar o paladar. A comida dela é okay, mas a minha—sem falsa modéstia, é realmente GOOD STUFF!

a onda da salada da alice

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Pelo jeito não fui a única inspirada pelo video da Alice Water no NYT. Na mesma semana tive que fazer uma saladona de legumes com o molho de maionese que aparece no final da video-reportagem, com uma inspiradora trilha sonora de “hmmms” e “ooowws” no background.
A minha salada, que devorei sozinha assistindo filme e sorvendo um vinho espanhol que ganhei de presente, fiz assim:
Num prato grande ajeitei separadamente folhas verdes de salada, um talo de salsão ralado bem fininho, dois tomates cortados em quatro, batatas e cenouras cortadas em cubos e cozidas no vapor, algumas azeitonas pretas, uma latinha de atum espanol preservado no azeite [o melhor que você puder achar–nada desse atum horrorpilântico de 0,99 cents], três ovos cozidos que eu só como a clara, e usei as gemas cozidas para fazer a maionese.
A maionese foi inspirada no aioli da Alice Waters, então abri uma exceção para o alho, mas usei um dente minúsculo, porque não quis arriscar os efeitos colaterais. Num pilão amassei bem o alho com sal marinho grosso e um pouquinho de pimenta do reino moída na hora. Numa vasilha pequena coloquei as gemas, que amassei muito bem com um garfo, suco de limão, uma colherzinha de mostarda dijon, adicionei o alho moído com o sal e pimenta, misturei muito bem com o batedor de arame e fui adicionando um azeite espanol orgânico, batendo vigorosamente, até os elementos se incorporarem e o molho virar um creme. Joguei sobre a salada e devorei, acompanhado por uma fatia de pão fresquinho, que ajuda a coletar e não desperdiçar nenhum pingo do molho. Outstanding!

sopa – simples – de lentilha

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O dia se dispersou, turvo pelo sofrimento imposto por uma famigerada dor de cabeça. Assim que a hora do jantar se avizinhou, veio o telefonema e a fatídica pergunta—você quer que eu pegue uma sopa lá no Nugget?

NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!

Você já sofreu todas as indignidades e frustações de passar o dia desmilinguida e incapacitada, e merece—digo MERECE, uma refeição decente. Mesmo que você mesma, convalescente, tenha que preparar. Dá licença. Foi assim então que jantamos a sopa de lentilha mais simples que se pode preparar.

1 xícara de lentilha lavada e escorrida – usei a beluga, que parece um caviar
1 litro de caldo de legumes
1 cenoura picada em cubinhos
1 talo de salsão picado em cubinhos
Casca de queijo parmesão cortada em cubinhos – aquela parte dura que não rala mais
Óleo vegetal para refogar
Sal a gosto
Cibouletes picadinhas.

Refogue a cenoura e salsão no óleo. Quando os legumes estiverem molinhos, adicione a lentilha. Refogue uns minutos, adicione o caldo de legumes, deixe cozinhar em fogo médio. No final acrescente os cubinhos de queijo e acerte o sal. Antes de servir jogue as cibouletes. Sirva com pãozinho torrado.

essa que sou eu

Vou ao banheiro muitas vezes durante o dia. Indo ou voltando, penso na maioria das coisas que escrevo aqui. Vou porque bebo muita água. E faço caretas, espirro, limpo o nariz, cruzo as pernas, suspiro, bocejo e bufo. Isso herdei do meu pai. Quando estou concentrada em algo que não está dando certo, eu bufo. Depois que me toco que tem gente em volta, vendo e ouvindo minhas bufadas. Estou zumbi porque não dormi muito bem. Sonhei, acordei, chorei, fiquei com uma cara de pinguça. Tive uma senhora dor de cabeça. Vesti um macacão jeans e uma blusa branca, porque ouvi alguém dizer que um blues man se vestia assim, todo dia. Eu não sou um blues man, mas gosto de pensar que sou. Estou preocupada, eu sou assim, me preocupo e sofro por antecedência, fico nervosa, estressada, me acabo. Depois tudo dá certo, ou nada acontece e eu fico com aquela cara abestalhada, sorrindo com todos os meus dentões. E choro de alivio, de alegria. Mas sempre choro, disso eu não escapo. E esquento a moringa, me chateio. O dia nublou quando eu fiquei sabendo da morte do cachorro. Nada escapa, nada passa batido. Sou preguiçosa. Queria ter aquele pique de atleta, correr uma maratona, escalar uma montanha, esquiar. E saber fazer analises, me meter a escrever uma tese de doutorado, mas isso não seria uma boa idéia pois às vezes me arrependo ou tenho vergonha do que escrevo. E sou impaciente e imediatista, quero tudo agora, escrever agora, publicar agora, ler agora, fazer agora, chegar agora, acabar agora.

o dia da virada

No dia 24 de maio de 1976 o inglês Steven Spurrier, um distribuidor internacional de vinhos, organizou uma degustação com olhos vendados de vinhos franceses e californianos. Ele estava muito interessado em conhecer mais os vinhos que estavam sendo produzidos na América e descobrir se eles tinham a mesma qualidade que os melhores do mundo. Os vinhos franceses servidos nesse evento foram os red Bordeaux e os white Burgundies que competiam contra os Cabernet Sauvignons e Chardonnays da Califórnia. Os juizes convocados para esse dia, todos franceses com credenciais profissionais impecáveis, estavam absolutamente certos da superioridade do vinho francês. Enquanto degustavam, faziam comentários jocosos como—esse só pode ser californiano, pois não tem buquê. E faziam elogios rasgados aos vinhos que pensavam ser franceses. Para a surpresa geral, quando o resultado foi revelado, os vinhos criticados como californianos eram franceses e os elogiados como sendo franceses eram californianos. Não só isso, mas os melhores vinhos escolhidos pelos juízes eram os da Califórnia. O resultado provou que os vinhos da Califórnia eram tão bons quanto os da França. Armou-se um forrobodó! Conta-se que os juizes tiveram peripaques histéricos. Mas tarde, um dos vinicultores californianos recebeu cartas iradas de produtores franceses dizendo que o resultado da degustação foi apenas um acaso de sorte, pois “todo mundo sabe que os vinhos franceses são e sempre serão melhores que os californianos”. Os jornais Le Figaro e Le Monde publicaram pequenas notas sobre o evento meses depois, declarando que o resultado não poderia ser levado à sério. Defensores dos franceses argumentaram que seus vinhos envelheceriam melhor que os concorrentes e outras degustações com olhos vendados foram feitas ao longo dos anos, sempre com os mesmos resultados, os californianos na frente. O episódio de maio de setenta e seis ficou conhecido como o Julgamento de Paris e mudou a mentalidade da comunidade enóloga, derrubando o grande mito de que o único vinho realmente bom era o produzido em território francês. A Califórnia fez bonito e brilhou, nessa mais que incrível virada, totalmente luxo, poder e cobiça. Essa foi sem dúvida a melhor história que eu li nos últimos tempos.

The United States of Arugula

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Estou lendo esse livro há meses. Primeiro decidi que iria emprestar da biblioteca, invés de comprar, como eu sempre faço. Peguei uma cópia da biblioteca da UC Davis e renovei até chegar no meu limite de renovação. Eu leio tudo muitro devagar, pois não tenho tempo pra sentar e matar um livro num ou dois dias. Leio geralmente antes de dormir e gasto muitos meses lendo aos pouquinhos, pulando de um livro para o outro. Por isso eu sempre opto por comprar, assim posso ler com sossego. Mas com The United States of Arugula, eu até que tentei, mas não deu. Quando finalmente tive que devolver o livro, que consegui ler só até a metade, decidi largar mão de ser tonta e fui até a livraria comprar o meu exemplar. A versão em paperback tem uma capa diferente da versão de capa dura. Gostei muito mais dessa com os mitos da culinária norte-americana reproduzindo a cena clássica da Santa Ceia.
O livro é um must have. Estou demorando pra ler também, porque a cada capítulo eu preciso parar e sair procurando por mais informações sobre os nomes que ele cita. E ele cita nomes à beça. Acho que praticamente todo mundo que teve uma mínima infuência no desenvolvimento da cultura gourmet aqui na América tem suas duas linhas de fama. O autor, David Kamp, escreve para revistas como Vanity Fair e GQ e segue um pouco o estilo dessas revistas, revelando fofocas e bafões incríveis. Sexo e drogas nas cozinhas por exemplo. Eu sou uma pessoa super meiga e nunca imaginaria um super hiper famoso chef consumindo toneladas de cocaína durante o preparo do menu. Caí pra trás também com a revelação de que a dupla do famosérrimo sorvete Ben & Jerry’s eram dois copiões, que simplesmente chuparam absolutamente tudo que puderam do autor original dos famosos sorvetes que hoje eles levam a fama por terem criado. Altos buxixos, muita informação, delicia total de leitura.
Kamp capricha na história do trio James Beard, Julia Child e Craig Claiborne, que são os ícones maiores da culinária norte-americana. Ele também capricha em detalhes sobre Chez Panisse e todos os frutos e subfrutos da contra-cultura. A Califórnia está sempre no centro de tudo e me passa uma sensação muito grande de familiaridade. The United States of Arugula é o guia para quem quer conhecer a história da culinária nos Estados Unidos e é também a prova contra aquela maricotice de se ficar dizendo que o americano come mal. Come mal quem quer, quem não sabe ou não quer saber que há muitas opções, e oferta, e acesso.

Cooking Breakfast For The One I Love

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Be Yourself é um filminho de 1930 muito divertido, com a figurete Fanny Brice, que ficou conhecida por gerações mais recentes quando Barbra Streisand a reviveu no teatro e no cinema, com a semi-biografia Funny Girl. Numa cena de Be Yourself a personagem da Fanny prepara o café da manhã para o namorado. Ela faz tudo enquanto canta, com todo amor e dedicação.
Ela prepara bacon, biscuits e oatmeal. Enquanto ela labuta subservientemente entre a cozinha e a sala, ele não move a bunda do sofá, onde senta-se confortavelmente apenas lendo o jornal. No filme, ela é uma artista, uma mulher forte e independente. Mas quando se trata de agarrar o homem—como ela mesma canta, tem que ser pelo estômago. E quando ele finalmente senta-se à mesa pra comer a refeição preparada por ela, ainda tem a cara dura de reclamar do mingau de aveia! E o pior nem é isso. O pior é que apesar de todo o esforço que ela faz, ele no final a troca por uma sirigaita loira, sem carater e interesseira.