o cafona

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O grande equívoco gastronômico do século 20—melão com presunto. Uma aberração que virou uma mania internacional e um símbolo de chiqueresa e fineza durante praticamente duas décadas. Fiz uma cara de repugnância quando serviram melão com presunto no café da manhã de um bed & breakfast onde me hospedei uma vez no Rio de Janeiro. Sei lá, não fui com as fuças daquilo. Mas com o tempo vamos aprendendo a relevar e a memória dos horrores da mesa vai se apagando, até que resolvemos reinventar ou dar uma segunda chance para o indigníssimo prato. No caso do melão com presunto, bati definitivamente o martelo com o veredito de culpado. O delinquente deve ser condenato ao ostracismo, sem direito a apelação.
Outras comidas infâmes cujas receitas foram adaptadas, viraram moda e foram consideradas chiques, depois amaldiçoadas e finalmente resgatadas e ressuscitadas em nostálgicos revivals: estrogobofe de carne, frango ou camarão com molho de catchup e creme de leite—felizmente não inventaram o gobofe de porco—cocktail de camarão, aspic de legumes, salpicão de frango com abacaxi, surpresa de atum, hors d’oeuvre de salsicha, queijo e azeitona, pastinha de sopa de cebola com creme de leite, crepe suzette, charlotte russe, fundue de chocolate, eteceterá, eteceterá…

salada de trigo bulgur
[com queijo feta e pinoles]

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bulgur salad with feta and pine nuts
da revista Everyday Food de agosto, 2007
1/2 xícara de bulgur [trigo de quibe]
sal grosso e pimenta do reino
2 colheres de sopa de pine nuts [pinoles] tostados
4 colheres de chá de suco de limão
2 colheres de chá de azeite
1/2 xícara de feta cheese esmigalhado
1/4 cebola roxa picadinha
1/2 xícara de salsinha picada
1 pepino pequeno descascado e picado
Folhas de alface – não usei.
Deixe o bulgur de molho em 1 xícara de água fervendo com uma pitada de sal por meia hora. Coe pra retirar toda água. Faça um molho com o suco do limão, azeite, sal e pimenta. Acrescente o bulgur, o pepino, cebola e salsinha. Misture bem. Adicione o queijo feta e os pinoles. Misture bem e sirva sobre as alfaces, se quiser.

O sabor de cada um

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A inconveniência dos dias quentes é a grande desculpa para que eu jogue as panelas e frigideiras para os ares, ignore minhas 687906543 mil fontes de receitas e me acomode no conforto da simplicidade e da improvisação. Essa é uma excelente oportunidade de saborear os alimentos na sua maior intensidade. Imaginem uma refeição onde cada prato contém apenas um ingrediente, maximizado e concentrado, onde nada mais que uns frugais temperinhos influem no resultado final. Pra mim isso é a essência do verão.

Dois peitos de franguete orgânico temperados com suco e raspas de um limão verde, pimenta vermelha em pó, sal grosso e uma dose de tequila, e assados na churrasqueira. Duas abobrinhas amarelas, cortadas ao meio, retirada as sementes, temperadas com sal, pimenta do reino e azeite, a assadas na churrasqueira. Salpicadas com ciboulettes picadinhas antes de servir. Uma salada de folhas verdes e ervas, temperada com sal, pimenta do reino, azeite e suco de limão. Milhos amarelos e tenros cozidos na água e sal. Uma baguete de pão francês fresquinho com manteiga caseira. Sobremesa: melão em fatias, framboesas e red currants frescas.

Comemos como se estívessemos diante de um banquete pantagruélico. Foi uma orgia de sabores puros e simples, que pudemos degustar sem interferências ou intrusões. Cada sabor, único. Nenhum alimento foi dominado, nenhum se subjulgou. Foi uma refeição equilibrada, sem distinções ou privilégios, onde cada sabor se sobressaiu por suas próprias qualidades. Tudo isso é uma ótima desculpa pra não cozinhar, não é? Ôoo, se é!

as frescas do sábado

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Quando passamos por ondas de calor com temperaturas chegando nos “triple-digits”, acima de 100ºF, ficamos completamente satisfeitos e descaradamente felizes quando voltamos ao nosso normal de 94, 96ºF. No calorão da quinta-feira minha respiração era pesada e meu globo ocular ardia enquanto eu voltava para casa do trabalho pedalando a minha bicicleta, mais ou menos protegida por um chapéu de palha. Na sexta-feira passei frio à noite, com vestido fresco de alcinha numa festa onde os convidados se puseram a conversar do lado de fora, pegando uma fresca. Sábado arrumei a mesa para jantar com amigos no quintal, mas a brisa fria nos convenceu a ficar dentro de casa. Isso é o nosso verão, cheio de altos e baixos, momentos dramáticos e períodos bucólicos. Aguardem os próximos capítulos.

minha cozinha social

Tenho memórias de muitas cozinhas, tanto nas diversas casas que morei durante a infância e adolescência, quanto nas minhas moradas de pessoa jovem casada com filho. Na minha primeira casa de pessoa jovem casada com filho, a geladeira era bem pequena, o chão era cor de ferrugem e as paredes tinham azulejos decorados com tons de beige e marrom. A pia tinha um tampo de mámore cor de gelo e era pequena e baixa para a minha altura. Eu sempre ficava com a barriga molhada enquanto lavava coisas. O fogão era o mais chique, presente de casamento que destoava de tudo mais. Nessa cozinha pequena eu fiz muita comida ruim, joguei muita comida fora, lembro de um frango inteiro indo pro lixo, pois achei que o cheiro estava estranho. Nessa cozinha eu fazia as papinhas de legumes sem carne pro Gabriel e ele comia sentado num cadeirão. Um dia eu fui pra universidade e esqueci no fogo uma leiteira com água esquentando uma mamadeira. Estava no meio da aula quando me deu um click. Voei aos passos triplos pelas ruas, correndo como uma enlouquecida. Cheguei em casa esbaforida e cega de pavor e encontrei a panela ainda no fogo, chiando. A base da mamadeira derreteu e a leiteira ficou imprestável, mas a casa não pegou fogo. Ali uma vez eu cozinhei feijão numa das centenas de infrutiferas tentativas de fazer um feijão bom. Deixei a vasilha esfriando em cima da mesa e o Gabriel foi lá e virou tudo no chão cor de ferrugem. Era tarde da noite, o guri acordado aprontando todas, um disco da Yoko Ono tocando e eu lavando o chão, louca da vida e rindo ao mesmo tempo, porque as crianças às vezes fazem a gente rir nas horas mais insólitas. Era um prédio de quatro apartamentos por andar, um de frente pro outro, as portas da frente e as cozinhas. Da janela da minha cozinha eu via a cozinha do vizinho, que era um jogador do Guarani Futebol Clube chamado Banana. Apelido Banana, pois acredito que ele deveria ter um nome normal como Sérgio Wanderlei ou Márcio Roberto. Pois naquele ano o Guarani estava na crista da onda e o Banana estava deslumbradão e pimpão com a possibilidade de “make it big”, ganhar muitos milhares de Cruzeiros, ficar famoso, sair na capa da revista Contigo. Enquanto eu cozinhava minhas gororobas destinadas ao lixo, as papinhas do Gabriel ou lavava as louçinhas, ouvia o Banana bradar lá do outro lado do edifício, pra mulher dele que cozinhava, o que ele iria fazer com a grana que estava entrando. Abraçava a mulher, olhando de soslaio pra ver se eu estava ali na minha cozinha para poder ouví-lo—MULHER, PREPARE-SE POIS VOU TE COMPRAR UM ANEL DE DIAMANTES! Um diamante é para sempre, mas a onda de sorte e prosperidade do Guarani e do Banana não parece ter durado muito.