Acho que nunca bebi tanta água na minha vida, nem nos meus tempos de nadadora assídua. Com esse calor seco, reidratar é imprescindível e eu acordo e durmo bebendo água. Durante minhas horas de labuta isso irrita um pouco, pois provoca mais idas ao wanderley. Hoje, além dos quarenta e um graus celsius, está um fumacê horrível provocado pelos incêndios que, como todos já devem ter visto nos noticiários, estão castigando o norte da Califórnia. Nós estamos sentindo a calamidade pela névoa amarela e ardida que envolveu o nosso céu. É um cheiro tão forte de madeira queimada, que me faz ter vontade de chorar.
Ontem, jantando sozinha na mesa da sala, olhei para o quintal e vi através da porta de vidro a criaturinha delicada ali perto dos arbustos de lavanda. As perninhas finas, como as do Pernalonga, as orelhonas pontudas esticadas, os olhinhos meigos e o focinho mexendo pra lá e pra cá. O gato Roux já começou a bufar com a visão da lebrezinha, que permaneceu impávida, sem perceber que uma humana e um felino a observavam com diferentes intenções. O Roux mudou até de posição, depois de janela, para poder ver melhor. Eu parei de comer, parei de ler a revista que estava me acompanhando na saladinha de pepino com queijo feta e fiquei olhando com uma cara de parva sorridente apatetada até a lebrezinha dar um pulinho e desaparecer da minha vista tão rapidamente que nem vi pra onde.
Com esse calor miserável, senti muita pena da lebre pernalonga e orelhuda lá fora. Parei tudo que estava fazendo e fui até o quintal onde arrumei uma vasilha bem no meio do piso de tijolinhos e enchi de água fresca. O bichinho vai desidratar, ele precisa de água!
Mais tarde, contando o episódio pro Uriel, ele me disse que esses animais se viram muito bem e que chupam a água dos matinhos e plantinhas. De sede eles não morrem. Especialmente naquela selva que é o meu quintal.









