for the times they are a-changin’

TRUST

Na Swanton Berry Organic Farm em Davenport, nos deliciamos com os morangos orgânicos colhidos na hora, mergulhados no chocolate, transformados em sorvete cremoso, cheese cakes e tortas, acompanhados de bolo e chantilly. A fazenda de morangos não usa mão de obra barata [imigrantes ilegais] e tem um sistema de pagamento self service na sua lojinha de comilanças: você pega o que quer e deixa o dinheiro numa caixinha. Pega o troco se precisar, ninguém vem conferir. Confiança é uma palavra em desuso, mas não completamente obsoleta!

Em junho de 2004 eu escrevi esse pequeno relato da visita que fizemos à uma fazenda de morangos.

Vivenciamos tantas situações similares, tanto aqui nos EUA, quanto no Canadá. Um dos exemplos acontecia na fazenda de orgânicos da UC Davis, onde eu vou buscar a cesta toda semana há uns seis anos. No inicio havia somente uma estrutura de madeira, para acomodar as dezenas de cestas e protegê-las do sol. Com o tempo, atos de surrupiagens começaram a acontecer e então a administração da fazenda colocou uma porta de correr na estrutura de madeira, para os meliantes não verem as cestas que ficavam ali expostas. Passaram-se uns anos e os roubos continuavam acontecendo, até que a administração resolveu colocar um cadeado na porta durante a noite—pois muita gente vai pegar a cesta bem tarde ou no dia seguinte. Passaram-se muitos meses e algumas cestas continuavam desaparecendo misteriosamente, até que a administração decidiu deixar o cadeado nas portas o tempo todo.

Fui pegar a minha primeira cesta do trimestre de verão e não consegui abrir os cadeados. Tentei o código nos dois cadeados um montão de vezes, comecei a suar, me irritei, me enervei, estressei. Já disse aqui que eu sou uma estressadinha, que perco a paciência rapidinho quando as coisas que eram pra funcionar não funcionam? Bufei, amaldiçoei as almas dos imbecilóides que roubam as cestas e que obrigaram a administração da fazenda a tomar essa medida antipática, coisa de selva de pedra, onde ninguém confia em ninguém, tudo trancado a sete chaves. Me senti deprimida, pois percebi que o mundo está mudando e até os lugares onde havia confiança estão se fechando. Agora me diga, quem é que passa fome aqui em Davis pra roubar cestas de legumes e verduras? Só pode ser pura sem-vergonhice de estudante que mora nos apartamentos do campus perto da fazenda. Voltei pra casa toda irritada e tensa, e sem a cesta. Regressei na fazenda mais tarde com o Uriel, que com a sua incrível habilidade abriu o cadeado com a maior facilidade, assim plick-plock. O truque era dar uma puxada no dito, pra ele destravar. Toda essa história estragou a minha noite, sem falar que dá um enorme sentimento de pena, pois está ficando cada vez mais raro vivenciar situações onde a confiança predomina e a palavra vale tanto quanto um recibo.

salada morna de quinoa, espinafre e shiitake

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Essa receita saiu da edição de setembro de 2005 da revista Everyday Food. Apesar de ser servida meio quente, faz uma refeição bem leve. Ajudou a alimentar sem acrescentar aquele peso, pois eu já estava um chumbo com o acúmulo de uma sequência de pequenas chatices acontecidas no final do dia.

Warm Quinoa, Spinach, and Shiitake Salad
1/2 xícara de vinagre de vinho tinto
1/3 xícara de azeite
sal grosso e pimenta moída a gosto
1 quilo de cogumelo shiitake fresco, cortado em tiras * eu usei o crimini
1 1/2 xícara de quinoa
500 gr de mini espinafre * eu usei mini alface tipo romaine
250 gr de queijo feta em cubinhos

Ligue o broiler, ou um forninho ou grelha se nào tiver broiler. Numa vasilha misture o azeite, vinagre, sal e pimenta. Coloque os cogumelos numa assadeira e cubra com metade desse molho de vinagre. Misture bem e ponha no forno por uns 20 minutos, até os cogumelos assarem e ficarem bem sequinhos.
Enquanto isso prepare a quinoa. Lave os grãos muito bem, escorra e coloque numa panela com 3 xícaras de água e sal a gosto. Deixe ferver, abaixe o fogo, tampe e deixe cozinhar até absorver toda água.
Coloque o espinafre ou a folha verde que decidir usar numa saladeira. Adicione os cogumelos assados, a quinoa e jogue o restante do molho de vinagre. Misture e coloque o queijo feta. Sirva imediatamente.

creme de lavanda
[para comer com frutas]

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No ano passado eu peguei uma dessas revistinhas que são oferecidas de grátis na porta de certos supermercados. Aqui é normalmente no Co-op. Nela tinha uma receitinha de figos com um creme de lavanda. Despiroquei com a idéia, mas infelizmente os figos já tinham desaparecido dos mercados e das árvores de ninguém, onde às vezes vou me esbaldar de colhê-los. Acho que nem guardei a revista, tal a facilidade da receita. Era basicamente um creme com mel e flores de lavanda. Pois sábado no Farmers Market avistei rapidamente os adorados figos e comprei duas cestinhas, que foram devoradas ferozmente, sem modos e sem culpa, por mim e pelo Uriel. Acompanhando, o creme de lavanda. Usei creme fraiche, mas pode-se usar creme de leite fresco, iogurte, ou algum queijo cremosinho. Misturei com mel a gosto—não muito pro nosso gosto, e um pouquinho de flores de lavanda. Como não sobrou nenhum figo, repetimos a dose usando pequenos damascos e framboesas frescos.

não comer morei

O nosso secretário Joshua se formou, classe de 2007 na UC Davis. Duas tortas da Bakers Square foram compradas para fazermos uma mini-celebração. Todos se reuniram no conference room para dar os parabéns ao Joshua e dividir uma torta de morangos e outra de chocolate com caramelo. Eu tinha acabado de voltar do almoço e só de olhar pra aquelas tortas me senti inflando imagináriamente como um balão e flutuando imagináriamente pela sala. As tortas, cheias de açúcar, massa feita com gordura vegetal e chantilly artificial me olhavam com uma cara maquiavélica de vilão de filme B. Como eu iria me livrar dessa? Todo mundo escolhendo—quero chocolate—quero morango—quero morango e chocolate! Eu decidi falar uma meia verdade: vou pegar a de morango mas vou comer mais tarde, pois acabei de almoçar. Foram muitos minutos presenciando uma verdadeira orgia açúcarada, garfos afundando no chantilly branco, bocas lambuzadas, dedos melecados. Encostada solenemente na porta segurando o meu pratinho sobre a minha mão esquerda estendida, como se eu fosse uma garçonete de algum diner congelada no tempo e espaço, aguentei firme. Quando o regabofe comemorativo terminou, caminhei até a minha salinha, ainda com o prato na mão, e lá ele ficou. Horas mais tarde abandonei sorrateiramente a torta intacta na geladeira da nossa micro-cozinha. Pra tudo há um limite e esse tipo de torta passou além da minha justa e estabelecida fronteira.

o dia do ruibarbo

No meu primeiro ano no Canadá eu conheci a Grace. Não lembro exatamente como a conheci, porque meu primeiro ano lá ficou um tanto nublado na minha memória, tantas foram as mudanças que tive que enfrentar e administrar. Mas a Grace tinha essa determinação de querer ser minha amiga, apesar de eu não querer muito ser amiga dela. O negócio é que a Grace era meio chatonilda, tipo me ligava no sábado às sete da manhã pra me avisar que tinha uma garage sale ótima na rua tal, número tal, que era imperdível e que eu tinha que ir lá. Normalmente eu balbuciava algo concordando só pra me livrar e voltava pra cama com o meu sono já arruinado pela irritação. Mas uma vez eu segui a dica da Grace e fui na tal sale que ela recomendara, porque o Gabriel queria um globo mundial daqueles que rodam e acendem a luz, e aconteceu dela ver um não sei onde. Dei com os alces n’àgua, é claro. A dica da Grace era uma furada, entrei na casa errada onde não estava tendo garage sale nenhuma, maior bafão, depois rodei, rodei, rodei e não encontrei nada. Ainda tive outras histórias chatas com a Grace, mas não vamos nos fixar só nos pontos negativos. Uma das coisas boas que a Grace fez por mim foi me apresentar à uma planta que eu nunca tinha visto nem ouvido falar—o ruibarbo. Ela me levou à uma casa onde tinha uma plantação de ruibarbos no quintal. Fiquei espantadíssima que aquilo fosse comestível e cozinhável, pois eu passaria reto, achando que era apenas um tipo de planta invasiva. Mas ela me explicou que comia-se somente os talos, e somente os talos cozidos. Normalmente se misturava os talos do ruibarbo aos morangos, pois a acidez bem peculiar que eles tinham casava bem com as berries. Comi uma fatia da torta de morango com ruibarbo feito pela Grace e ficou tudo por isso mesmo.

Quinze anos depois….. Me deparo com talos de ruibarbos no Farmers Market e realmente só prestei atenção porque tinha lido a Valentina e a Tatu postarem que tinham feito umas receitas com eles. Nunca, nunca, em todos esses anos eu me animei ou me interessei em reproduzir a torta de morango com ruibarbo, ou mesmo fazer uma geléiazinha. Acho que o ruibarbo me trazia lembranças daqueles telefonemas chatos em horas impróprias e de como eu não tinha jeito pra me desenvencilhar daquela canadense. Mas nesse dia no mercado respirei fundo, tomei coragem e comprei um maço de talos de ruibarbos orgânicos.

Cinco semanas depois… Disse, é hoje que faço essa torta e uso esses ruibarbos, doa a quem doer! E lá fui eu, aproveitando que o calor diminuiu um pouco e já dava pra ligar o forno um pouco mais tarde, depois do jantar. Lavei bem e dei uma descascada nas pontas dos ruibarbos, piquei e coloquei numa panela junto com um montão de morangos cortadinhos que já estavam misturados com açúcar demerara. Cozinhei por pouco tempo, só até o ruibarbo derreter. Deixei esfriar. Fiz então a massa, com a receita de pâte sucrée. Juro que segui à risca, mas não sei como deu xabú e desandou de uma maneira inexplicável. Eu conferi e reconferi as medidas umas dez vezes, não sei o que aconteceu. Achei que precisava de mais farinha de trigo, mas a farinha tinha acabado. Usei então uma farinha integral bem grossa, que também ajudou na função de abrir a desengonçada massa. Deixei gelar bem, abri, forrei uma forma de torta, enchi com a mistura de morango e ruibarbo, cobri com o resto da massa e assei por meia hora em forno alto. O cheiro estava inebriante, houve até comentários do tipo hmm, o cheiro está bom!. Mas e o sabor?

No dia seguinte…. Na hora do almoço provei a torta. Quase não pude crer, mas ela ficou boa! Até a massa quase arruinada e consertada com farinha integral vingou. O recheio não ficou muito doce, exatamente como eu gostaria que fosse. E pelo que eu me lembro, minha desajeitada rhubarb strawberry pie ficou tão gostosa quanto a da Grace.

Pão de cebolinha verde

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Me encantei com essa receita, porque adoro pão com coisinhas dentro. Há muitos anos, quando ainda me aventurava a fazer pão em casa, eu tinha uma receita básica onde eu colocava restos de arroz integral cozido ou cevada cozida. Eu chamava de pão crocante, porque ficava mesmo pedaçudo. Infelizmente essa minha fase Thoreau passou e até a minha panificadora portátil, que me serviu para fazer pães mais modernos, estava aposentada. Mas o pão da Ana me fez levantar e sacodir a poeira! Tirei a máquina de pão do fundo do armário, espanei geral e fiz essa receita deliciosa. Não usei o bacon, porque não tinha. Mas usei bastante chives—ciboulette, que eu precisava detonar com urgência. Essa idéia do cream cheese na massa é supimpa! Deixa o pão com uma maciez cremosa. Quando vi a massa sendo sovada inicialmente pela máquina, até pensei que aquilo não iria pra frente. Mas não tem erro. Pão nota dez! E agora que desempoeirei a panificadora, muitos outros pães virão, especialmente com essa fantástica possibilidade de não precisar ligar o fOOOrno!
Pão de cebolinha verde
3/4 xícara de água morna
2 colheres de chá de fermento de pão seco
2 colheres de sopa de açúcar
1 colher de chá de sal
1/2 xícara de queijo cremoso – cream cheese
3 colheres de sopa de cebolinha verde picada * usei ciboulette
Bacon torrado e picadinho opcional * não usei
3 1/4 xícaras de farinha especial para pão * usei comum
Coloquei todos os ingredientes na máquina e usei o ciclo básico. Voltei três horas depois e tirei o pão para deixá-lo esfriando na grade.

Waitress

Outro filme, que apesar do intenso buzz de público e crítica, eu enrolei o quanto pude para ver, pois quando assisti ao trailer tive a impressão que esse seria um caso típico de filme que o trailer seduz e engana, e com certeza iria ser chatinho pacas. Quem já não foi iludido por um trailer de filme bem montado? Eu já! Mas no trailer de Waitress o que realmente fisgou a minha atenção foi as tortas que a protagonista faz para o café onde trabalha. É através delas que a garçonete exorciza seus problemas. E eles não são poucos: infeliz e casada com um cretino, ela fica grávida sem querer ficar, e ainda se envolve num love affair com o seu ginecologista, que é casado. O filme se arrasta um pouco demais pro meu gosto e eu não consigo simpatizar cem por cento com a ex-Felicity, Keri Russell. Mas a história até que é bacaninha. A melhor cena pra mim é quando ela pega a filha no colo pela primeira vez e finalmente muda o rumo da sua vidinha amargurada e besta. As cenas em que ela faz as tortas ficam em segundo lugar no meu ranking de preferência. As tortas são fantásticas. Queria muito as receitas dos recheios e também daquela massa que ela abre tão fácil! Mas as tortas de Waitress sairam da imaginação da atriz Adrienne Shelly, que escreveu o roteiro, interpretou a garçonete Dawn, dirigiu o filme e foi brutalmente assassinada no final de 2006. Infelizmente nunca vai rolar um livro com os segredinhos, então o jeito é tentar reinventar as receitas nós mesmos.
Algumas das tortas do filme:
Pregnant Miserable Self-Pitying Loser Pie – Lumpy oatmeal with blueberries and fruitcake mashed in. Flambé.
Earl Murders Me Cause I’m Having an Affair Pie – Smashed blackberries and cherries into a chocolate crust.
I Can’t Have No Affair Because It’s Wrong and I Don’t Want Earl to Kill Me’ Pie – Vanilla custard meringue with banana.
I Dont Want Earl’s Baby Pie – Brie & ham quiche.
I Hate my Husband Earl Pie – Bittersweet chocolate and banana.
Chocolate Mouse Falling in Love Pie – Chocolate mousse pie.
Baby Screamin Its Head Off In the Middle of The Night & Ruinin My Life Pie – No crust New York style cheesecake.
Marshmallow Mermaid Pie – Marshmallow pie.