No meu primeiro ano no Canadá eu conheci a Grace. Não lembro exatamente como a conheci, porque meu primeiro ano lá ficou um tanto nublado na minha memória, tantas foram as mudanças que tive que enfrentar e administrar. Mas a Grace tinha essa determinação de querer ser minha amiga, apesar de eu não querer muito ser amiga dela. O negócio é que a Grace era meio chatonilda, tipo me ligava no sábado às sete da manhã pra me avisar que tinha uma garage sale ótima na rua tal, número tal, que era imperdível e que eu tinha que ir lá. Normalmente eu balbuciava algo concordando só pra me livrar e voltava pra cama com o meu sono já arruinado pela irritação. Mas uma vez eu segui a dica da Grace e fui na tal sale que ela recomendara, porque o Gabriel queria um globo mundial daqueles que rodam e acendem a luz, e aconteceu dela ver um não sei onde. Dei com os alces n’àgua, é claro. A dica da Grace era uma furada, entrei na casa errada onde não estava tendo garage sale nenhuma, maior bafão, depois rodei, rodei, rodei e não encontrei nada. Ainda tive outras histórias chatas com a Grace, mas não vamos nos fixar só nos pontos negativos. Uma das coisas boas que a Grace fez por mim foi me apresentar à uma planta que eu nunca tinha visto nem ouvido falar—o ruibarbo. Ela me levou à uma casa onde tinha uma plantação de ruibarbos no quintal. Fiquei espantadíssima que aquilo fosse comestível e cozinhável, pois eu passaria reto, achando que era apenas um tipo de planta invasiva. Mas ela me explicou que comia-se somente os talos, e somente os talos cozidos. Normalmente se misturava os talos do ruibarbo aos morangos, pois a acidez bem peculiar que eles tinham casava bem com as berries. Comi uma fatia da torta de morango com ruibarbo feito pela Grace e ficou tudo por isso mesmo.
Quinze anos depois….. Me deparo com talos de ruibarbos no Farmers Market e realmente só prestei atenção porque tinha lido a Valentina e a Tatu postarem que tinham feito umas receitas com eles. Nunca, nunca, em todos esses anos eu me animei ou me interessei em reproduzir a torta de morango com ruibarbo, ou mesmo fazer uma geléiazinha. Acho que o ruibarbo me trazia lembranças daqueles telefonemas chatos em horas impróprias e de como eu não tinha jeito pra me desenvencilhar daquela canadense. Mas nesse dia no mercado respirei fundo, tomei coragem e comprei um maço de talos de ruibarbos orgânicos.
Cinco semanas depois… Disse, é hoje que faço essa torta e uso esses ruibarbos, doa a quem doer! E lá fui eu, aproveitando que o calor diminuiu um pouco e já dava pra ligar o forno um pouco mais tarde, depois do jantar. Lavei bem e dei uma descascada nas pontas dos ruibarbos, piquei e coloquei numa panela junto com um montão de morangos cortadinhos que já estavam misturados com açúcar demerara. Cozinhei por pouco tempo, só até o ruibarbo derreter. Deixei esfriar. Fiz então a massa, com a receita de pâte sucrée. Juro que segui à risca, mas não sei como deu xabú e desandou de uma maneira inexplicável. Eu conferi e reconferi as medidas umas dez vezes, não sei o que aconteceu. Achei que precisava de mais farinha de trigo, mas a farinha tinha acabado. Usei então uma farinha integral bem grossa, que também ajudou na função de abrir a desengonçada massa. Deixei gelar bem, abri, forrei uma forma de torta, enchi com a mistura de morango e ruibarbo, cobri com o resto da massa e assei por meia hora em forno alto. O cheiro estava inebriante, houve até comentários do tipo hmm, o cheiro está bom!. Mas e o sabor?
No dia seguinte…. Na hora do almoço provei a torta. Quase não pude crer, mas ela ficou boa! Até a massa quase arruinada e consertada com farinha integral vingou. O recheio não ficou muito doce, exatamente como eu gostaria que fosse. E pelo que eu me lembro, minha desajeitada rhubarb strawberry pie ficou tão gostosa quanto a da Grace.