No ano passado eu peguei uma dessas revistinhas que são oferecidas de grátis na porta de certos supermercados. Aqui é normalmente no Co-op. Nela tinha uma receitinha de figos com um creme de lavanda. Despiroquei com a idéia, mas infelizmente os figos já tinham desaparecido dos mercados e das árvores de ninguém, onde às vezes vou me esbaldar de colhê-los. Acho que nem guardei a revista, tal a facilidade da receita. Era basicamente um creme com mel e flores de lavanda. Pois sábado no Farmers Market avistei rapidamente os adorados figos e comprei duas cestinhas, que foram devoradas ferozmente, sem modos e sem culpa, por mim e pelo Uriel. Acompanhando, o creme de lavanda. Usei creme fraiche, mas pode-se usar creme de leite fresco, iogurte, ou algum queijo cremosinho. Misturei com mel a gosto—não muito pro nosso gosto, e um pouquinho de flores de lavanda. Como não sobrou nenhum figo, repetimos a dose usando pequenos damascos e framboesas frescos.
Mês: junho 2007
creme de lavanda
não comer morei
O nosso secretário Joshua se formou, classe de 2007 na UC Davis. Duas tortas da Bakers Square foram compradas para fazermos uma mini-celebração. Todos se reuniram no conference room para dar os parabéns ao Joshua e dividir uma torta de morangos e outra de chocolate com caramelo. Eu tinha acabado de voltar do almoço e só de olhar pra aquelas tortas me senti inflando imagináriamente como um balão e flutuando imagináriamente pela sala. As tortas, cheias de açúcar, massa feita com gordura vegetal e chantilly artificial me olhavam com uma cara maquiavélica de vilão de filme B. Como eu iria me livrar dessa? Todo mundo escolhendo—quero chocolate—quero morango—quero morango e chocolate! Eu decidi falar uma meia verdade: vou pegar a de morango mas vou comer mais tarde, pois acabei de almoçar. Foram muitos minutos presenciando uma verdadeira orgia açúcarada, garfos afundando no chantilly branco, bocas lambuzadas, dedos melecados. Encostada solenemente na porta segurando o meu pratinho sobre a minha mão esquerda estendida, como se eu fosse uma garçonete de algum diner congelada no tempo e espaço, aguentei firme. Quando o regabofe comemorativo terminou, caminhei até a minha salinha, ainda com o prato na mão, e lá ele ficou. Horas mais tarde abandonei sorrateiramente a torta intacta na geladeira da nossa micro-cozinha. Pra tudo há um limite e esse tipo de torta passou além da minha justa e estabelecida fronteira.
para servir coisinhas
the good, the bad and the ugly
A Torta de Morango com Ruibarbo, estrelando Ruibarbo Cooper & Morango Hepburn, no fabuloso épico cinematográfico que vai encantar e deleitar espectadores de todas as idades.
o dia do ruibarbo
No meu primeiro ano no Canadá eu conheci a Grace. Não lembro exatamente como a conheci, porque meu primeiro ano lá ficou um tanto nublado na minha memória, tantas foram as mudanças que tive que enfrentar e administrar. Mas a Grace tinha essa determinação de querer ser minha amiga, apesar de eu não querer muito ser amiga dela. O negócio é que a Grace era meio chatonilda, tipo me ligava no sábado às sete da manhã pra me avisar que tinha uma garage sale ótima na rua tal, número tal, que era imperdível e que eu tinha que ir lá. Normalmente eu balbuciava algo concordando só pra me livrar e voltava pra cama com o meu sono já arruinado pela irritação. Mas uma vez eu segui a dica da Grace e fui na tal sale que ela recomendara, porque o Gabriel queria um globo mundial daqueles que rodam e acendem a luz, e aconteceu dela ver um não sei onde. Dei com os alces n’àgua, é claro. A dica da Grace era uma furada, entrei na casa errada onde não estava tendo garage sale nenhuma, maior bafão, depois rodei, rodei, rodei e não encontrei nada. Ainda tive outras histórias chatas com a Grace, mas não vamos nos fixar só nos pontos negativos. Uma das coisas boas que a Grace fez por mim foi me apresentar à uma planta que eu nunca tinha visto nem ouvido falar—o ruibarbo. Ela me levou à uma casa onde tinha uma plantação de ruibarbos no quintal. Fiquei espantadíssima que aquilo fosse comestível e cozinhável, pois eu passaria reto, achando que era apenas um tipo de planta invasiva. Mas ela me explicou que comia-se somente os talos, e somente os talos cozidos. Normalmente se misturava os talos do ruibarbo aos morangos, pois a acidez bem peculiar que eles tinham casava bem com as berries. Comi uma fatia da torta de morango com ruibarbo feito pela Grace e ficou tudo por isso mesmo.
Quinze anos depois….. Me deparo com talos de ruibarbos no Farmers Market e realmente só prestei atenção porque tinha lido a Valentina e a Tatu postarem que tinham feito umas receitas com eles. Nunca, nunca, em todos esses anos eu me animei ou me interessei em reproduzir a torta de morango com ruibarbo, ou mesmo fazer uma geléiazinha. Acho que o ruibarbo me trazia lembranças daqueles telefonemas chatos em horas impróprias e de como eu não tinha jeito pra me desenvencilhar daquela canadense. Mas nesse dia no mercado respirei fundo, tomei coragem e comprei um maço de talos de ruibarbos orgânicos.
Cinco semanas depois… Disse, é hoje que faço essa torta e uso esses ruibarbos, doa a quem doer! E lá fui eu, aproveitando que o calor diminuiu um pouco e já dava pra ligar o forno um pouco mais tarde, depois do jantar. Lavei bem e dei uma descascada nas pontas dos ruibarbos, piquei e coloquei numa panela junto com um montão de morangos cortadinhos que já estavam misturados com açúcar demerara. Cozinhei por pouco tempo, só até o ruibarbo derreter. Deixei esfriar. Fiz então a massa, com a receita de pâte sucrée. Juro que segui à risca, mas não sei como deu xabú e desandou de uma maneira inexplicável. Eu conferi e reconferi as medidas umas dez vezes, não sei o que aconteceu. Achei que precisava de mais farinha de trigo, mas a farinha tinha acabado. Usei então uma farinha integral bem grossa, que também ajudou na função de abrir a desengonçada massa. Deixei gelar bem, abri, forrei uma forma de torta, enchi com a mistura de morango e ruibarbo, cobri com o resto da massa e assei por meia hora em forno alto. O cheiro estava inebriante, houve até comentários do tipo hmm, o cheiro está bom!. Mas e o sabor?
No dia seguinte…. Na hora do almoço provei a torta. Quase não pude crer, mas ela ficou boa! Até a massa quase arruinada e consertada com farinha integral vingou. O recheio não ficou muito doce, exatamente como eu gostaria que fosse. E pelo que eu me lembro, minha desajeitada rhubarb strawberry pie ficou tão gostosa quanto a da Grace.
Pão de cebolinha verde
Me encantei com essa receita, porque adoro pão com coisinhas dentro. Há muitos anos, quando ainda me aventurava a fazer pão em casa, eu tinha uma receita básica onde eu colocava restos de arroz integral cozido ou cevada cozida. Eu chamava de pão crocante, porque ficava mesmo pedaçudo. Infelizmente essa minha fase Thoreau passou e até a minha panificadora portátil, que me serviu para fazer pães mais modernos, estava aposentada. Mas o pão da Ana me fez levantar e sacodir a poeira! Tirei a máquina de pão do fundo do armário, espanei geral e fiz essa receita deliciosa. Não usei o bacon, porque não tinha. Mas usei bastante chives—ciboulette, que eu precisava detonar com urgência. Essa idéia do cream cheese na massa é supimpa! Deixa o pão com uma maciez cremosa. Quando vi a massa sendo sovada inicialmente pela máquina, até pensei que aquilo não iria pra frente. Mas não tem erro. Pão nota dez! E agora que desempoeirei a panificadora, muitos outros pães virão, especialmente com essa fantástica possibilidade de não precisar ligar o fOOOrno!
Pão de cebolinha verde
3/4 xícara de água morna
2 colheres de chá de fermento de pão seco
2 colheres de sopa de açúcar
1 colher de chá de sal
1/2 xícara de queijo cremoso – cream cheese
3 colheres de sopa de cebolinha verde picada * usei ciboulette
Bacon torrado e picadinho opcional * não usei
3 1/4 xícaras de farinha especial para pão * usei comum
Coloquei todos os ingredientes na máquina e usei o ciclo básico. Voltei três horas depois e tirei o pão para deixá-lo esfriando na grade.
Waitress
Outro filme, que apesar do intenso buzz de público e crítica, eu enrolei o quanto pude para ver, pois quando assisti ao trailer tive a impressão que esse seria um caso típico de filme que o trailer seduz e engana, e com certeza iria ser chatinho pacas. Quem já não foi iludido por um trailer de filme bem montado? Eu já! Mas no trailer de Waitress o que realmente fisgou a minha atenção foi as tortas que a protagonista faz para o café onde trabalha. É através delas que a garçonete exorciza seus problemas. E eles não são poucos: infeliz e casada com um cretino, ela fica grávida sem querer ficar, e ainda se envolve num love affair com o seu ginecologista, que é casado. O filme se arrasta um pouco demais pro meu gosto e eu não consigo simpatizar cem por cento com a ex-Felicity, Keri Russell. Mas a história até que é bacaninha. A melhor cena pra mim é quando ela pega a filha no colo pela primeira vez e finalmente muda o rumo da sua vidinha amargurada e besta. As cenas em que ela faz as tortas ficam em segundo lugar no meu ranking de preferência. As tortas são fantásticas. Queria muito as receitas dos recheios e também daquela massa que ela abre tão fácil! Mas as tortas de Waitress sairam da imaginação da atriz Adrienne Shelly, que escreveu o roteiro, interpretou a garçonete Dawn, dirigiu o filme e foi brutalmente assassinada no final de 2006. Infelizmente nunca vai rolar um livro com os segredinhos, então o jeito é tentar reinventar as receitas nós mesmos.
Algumas das tortas do filme:
Pregnant Miserable Self-Pitying Loser Pie – Lumpy oatmeal with blueberries and fruitcake mashed in. Flambé.
Earl Murders Me Cause I’m Having an Affair Pie – Smashed blackberries and cherries into a chocolate crust.
I Can’t Have No Affair Because It’s Wrong and I Don’t Want Earl to Kill Me’ Pie – Vanilla custard meringue with banana.
I Dont Want Earl’s Baby Pie – Brie & ham quiche.
I Hate my Husband Earl Pie – Bittersweet chocolate and banana.
Chocolate Mouse Falling in Love Pie – Chocolate mousse pie.
Baby Screamin Its Head Off In the Middle of The Night & Ruinin My Life Pie – No crust New York style cheesecake.
Marshmallow Mermaid Pie – Marshmallow pie.
repeteco
Não tem problema repetir receita. Aliás, quando a receita é boa, tem que repetir mesmo, e muitas vezes. Esse pimentão vermelho assado é coringão. Faço muito, pra comer com pão ou pôr em saladas. Aprendi a despelar os pimentões dessa maneira eficiente com a minha best friend Marthinha Heleninha Kostyra…
ultra-mega-super improvisado
Domingo foi Dia dos Pais e nós fizemos um almocinho em casa, sem muito planejamento, nem estresse. Eu comprei os ingredientes e o fillho fez um churrasco para o papai. Foi tudo super simples, porque eu realmente não ando no humor de ficar fazendo nada mais sofisticado que uma salada. E foi o que fiz, salada de beterraba assada, outra vez, e salada de abobrinha, outra vez. De sobremesa preparei um bolo escalafobético, do qual todo mundo riu, pois ficou realmente um horrorrore! Eu cortei um angel food cake e recheei com chantily feito em casa e adoçado com néctar de agave e morangos. O nosso convidado de quinze anos não quis comer o bolo, recusou-se educadamente, mas mandou bala nos sorvetes!
Stranger than Fiction
O filme estava em cima da minha cômoda há mais de um mês. O babado é que eu ando completamente bitolada em filmes antigos—numa paixão especial pelos da década de trinta. E por isso Stranger than Fiction ficou acumulando empoeira por tanto tempo. Eu sou fã do Will Ferrell, não tanto quanto sou do Jim Carrey, mas quase lá. Tenho uma imensa admiração pelos atores cômicos. Acho que são eles os melhores, pois dominam a arte mais difícil, que é a de fazer rir.
Stranger than Fiction não é bem uma comédia. Aliás, não é comédia. É um filme muito bem escrito, bem dirigido e muitissimo bem interpretado, que aborda temas como a rotina, a solidão, a morte, o destino e literatura. Tudo muito bacana, não vou entrar em detalhes, pois quem já viu sabe, e quem não viu tem que ver pra saber. Mas o filme tem uma particularidade que nos remete diretamente para um papo-comida. Maggie Gyllenhaal faz a ex-aluna da Harvard Law School que abandona tudo para abrir um café e passar os dias fazendo a vida das pessoas mais feliz, com seus cookies, tortas e bolos. Ela será o objeto da paixão de Will Ferrell, o funcionário imaculável do imposto de renda, que vai fazer uma auditoria no café. Depois de tornar o dia dele miserável, ela o obriga a comer um dos seus cookies saído do forno acompanhado de um copo de leite. Para ela isso reabilita qualquer um de um dia ruim. Ele precisa ser forçado a comer o cookie, porque afirma não gostar deles. Conta que a mãe nunca fez nada em casa, nem bolo, nem cookies, ela realmente nunca cozinhou. Um cookie industrializado não é a mesma coisa que um feito em casa, ela provou o seu ponto.
Ele aparece de repente na frente do café, quando ela já está fechando e indo pra casa. Trouxe um presente pra ela, pra retribuir o cookie e também para se declarar de uma maneira bem incomum—I want you!. O presente, vários sacos de farinha. Ele diz I brought you flours, mas se não olharmos para a caixa cheia de pacotinhos com fitas crepes coloridas marcando o tipo das farinhas, podemos nos confundir poeticamente com o som similar das palavras e ouvir ele dizer I brought you flowers.
O café da personagem de Maggie tem uma clientela eclética. Entre os assíduos, um maluquete. Já repararou como em todo café tem sempre um tipo maluquete que é frequentador assíduo? O Garrett, um lindo, um fofo e um amoreco que além de fazer os mais inventivos e saborosos cupcakes, ainda tem um ótimo senso de humor, escreve bem pacas e me faz rir de chorar com suas histórias, tem uma de um maluquete total, passada num café em Sacramento. A história é simplesmente hilária e poderia com certeza ser uma cena saída de um filme.
Quem já não presenciou uma cena ou outra de maluquete em cafés? Eu já vi algumas. Numa delas, há muitos anos, uma mulher bizarrissima estava em pé junto às cafeteiras, vestindo um casaco longo cor-de-rosa sujo e rasgado, com muitos anéis enormes nos dedos, óculos escuros, sombrinha e botinas de Mary Poppins, tomando o seu café numa xícara verde de cerâmica, com o mindinho empinado e rindo muito, falando alto e gesticulando sozinha. Essa foi uma visão, mas não representou realmente nenhum perigo eminente. Como o louquinho do café de Stranger than Fiction, essa era da turma dos mansos.