Minhas madeleines

Porque minha mãe tinha uma carreira e trabalhava fora oito horas por dia, na casa dos meus pais sempre teve duas empregadas—uma pra cozinhar e outra pra fazer todo o resto, inclusive cuidar das quatro crianças endiabradas. Agora eu entendo por que minha mãe tinha uma pessoa só para cozinhar. Pra ela, a alimentação era uma coisa importantíssima e nós sempre tivemos quatro refeições por dia, todas preparadas do zero, sem congelar, descongelar, requentar, pois naquele tempo nem era comum as famílias terem freezer, muito menos microondas.

Então a cozinheira cozinhava o dia inteiro. Tomávamos o café da manhã a família toda junta, com a mesa arrumada, xícara com pires, colherzinha, guardanapo. Meu pai e minha mãe iam almoçar em casa e então sentávamos todos juntos à mesa de novo. À tarde tinha o café da tarde, que ora era café com leite, ora chocolate, ora mingau, sempre uma fruta, bolacha salgada ou doce. Meu pai às vezes aparecia para tomar o café da tarde em casa—e muitas vezes nos pegou no flagra fazendo arte durante as férias. No jantar a coisa incrementava, pois minha mãe fazia questão de servir sempre uma sopa antes do prato principal, mais salada e sobremesa. Durante a semana as sobremesas eram simples, frutas, ou salada de frutas, gelatina, sorvete. Para o sábado e domingo tinha sempre algo mais sofisticado, um pavê, uma torta. Todo sábado à noite tinha pizza, todo domingo macarronada com frango—se não houvesse um churrasco muito raro. Todas as refeições tinham horário fixo. Meu pai às vezes ganhava dos fazendeiros da região um porco vivo, ou galinhas, ou um sacão de batatas, ou outro artigo comestível. A empregada que cozinhava era incumbida de matar a galinha—tarefa repugnante que eu testemunhei uma vez e que marcou a minha memória para sempre. E minha mãe sempre inventando receitas novas, pegando idéias nos livros, que a cozinheira concretizava. Uma vez por mês ela encomendava peixes, que chegavam num caminhão refrigerado. E o leite vinha todo dia numa carroça puxada por um cavalo.

Minha casa tinha dois andares, em cima tinha uma cozinha que nunca foi usada, com um fogão, pia comprida, armários e um aparelho americano de assar frango. Ao lado tinha uma sala de jantar. Mas o buxixo ficava no andar de baixo da casa, onde tinha a cozinha pequena toda branca, onde a cozinheira com quem eu passei mais tempo—a Cida—ficava. Ao lado tinha uma copa grande, onde fazíamos praticamente todas as refeicões. Eu estava sempre pela cozinha, atrás das empregadas, xeretando a geladeira, abrindo armários, lendo os livros de receita. Essa Cida era uma mulher grande e muito mal humorada, que ficava muito irritada comigo sempre atrapalhando o serviço dela. Mas eu nunca me intimidei e um dia comecei a mexer nas panelas. Eu devia ter uns oito ou nove anos, não lembro exatamente qual foi a minha primeira invenção na cozinha, mas me lembro de uma idéia de girico que fracassou, fez uma sujeirada e me deu uma dor de barriga danada – eu misturei manteiga com ovos e açúcar e fritei à colheiradas no óleo quente. A Cida só revirava os olhos, grunia—devia estar me rogando pragas de caganeiras—e ia de cara fechada limpar a minha arte antes que meus pais chegassem, minha mãe tivesse um xilique e me desse uma surra.

Mais tarde lembro de ficar bem arrojada e abrir o livro de receitas A Alegria de Cozinhar da Helena Sangirardi e fazer uns sanduichinhos com pão pullman, maionese e pepino. Ninguém quis comer aquilo. Hoje entendo o que aquele sanduíchinho tão nada a ver com a nossa cultura culinária estava fazendo naquele livro. Dona Helena Sangirardi traduziu o The Joy of Cooking, então a herança inglesa da cozinha dos americanos foi parar nas nossas cozinhas brasileiras. Usei muito aquele livro nas minhas investidas na cozinha da Cida. Fui melhorando aos pouquinhos, claro, até chegar num ponto, durante a minha pré-adolescência, em que consegui fazer coisas completamente comíveis.

uma simples omelete

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Como não sou uma cozinheira muito elaborada – todos já sabem disso – me inclino sempre em direção da simplicidade, onde corro menos riscos de enfrentar fracassos. Tudo simples, esse é o meu lema, o meu motto.

Finalmente estou lendo bem devagar um livro que tenho, escrito pela mulher que revolucionou a cozinha inglesa no século vinte, e descubro que ela é um pouquinho como eu em alguns aspectos. Ela tem um certo cinismo com relação à comida industrializada, e no artigo que dá nome ao livro – An Omelette and A Glass of Wine, publicado em 1959, ela conta a história da famosa omelete da Madame Poulard que gerenciava um hotel na costa da Normandia. Quando Madame aposentou-se, foi um forfé delirante entre os gourmets, todos tentando descobrir ou afirmando ter descoberto o “segredo” de tal sofisticado prato. Uns diziam que ia leite na mistura, outros que eram trufas. Até que num belo dia, alguém cansado de ler e ouvir conjecturas resolveu perguntar diretamente para Madame Poulard – como ela fazia a tal omelete. A resposta foi bem simples e direta:

“Monsieur,
Aqui está a receita da omelete. Eu quebro uns bons ovos numa vasilha. Eu bato esses ovos bem batido. Eu coloco um bom pedaço de manteiga numa frigideira. Eu jogo os ovos nela e chacoalho constantemente. Eu fico feliz, monsieur, se essa receita lhe agradar.
Annette Poulard.”

Ler isso me redimiu de todas as minhas frustrações!

cestinhas para arroz

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Parecem bolsinhas – e acho que até daria para usá-las como bolsinhas [idéia!!], mas são na verdade cestinhas para cozinhar arroz no vapor, que eu usei para fazer a receita de quinoa com milho, cebolinha e hortelã da Valentina. São feitas de palha de bambu e como vêm em três tamanhos diferentes, se adaptam à qualquer receita. O trio custou oito patacas na lojinha chinesa de downtown.

Misty na janela

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Essa foto foi feita durante os nossos primeiros dias morando nesta casa. Quando mudamos pra cá, nós só tinhamos o Misty. A vida ainda era pacata para esse pobre gato, que hoje vive sendo perseguido pelo enlouquecido Roux. Bom, não tínhamos cortinas na cozinha, e as roseiras que hoje cobrem praticamente toda a parte de baixo das janelas – nos dando um bocado de privacidade, tinham sido podadas pelos jardineiros que cuidam da vila. Então essa bay window foi a televisão do Misty por alguns meses. Eu sempre enroladora, não sabia como iria cobrir essas janelas. Quando compramos a casa ficamos extremamente durangos por um bom tempo. Um dia, quando minha mãe estava aqui me visitando, ela me disse que uma amiga dela foi lhe contar – ah, passei pelo Aggie Village ontem à noitezinha e vi você, sua filha e seu genro jantando! Quando eu ouvi isso, falei – agora chega, vou pôr qualquer cortina nessas janelas. E assim fiz! Comprei três cortinas azuis, que estão até hoje penduradas ali. Agora chegou a hora de trocá-las. Muita coisa mudou, as roseiras cresceram, as cortinas desbotaram de sol, e o Misty perdeu o seu sossego e a sua televisão.

amorous duo

Dando uma geral na minha cozinha outro dia, achei umas revistas Cooking Light, que eu não folheava há anos. Numa delas, de novembro de 1999, achei uma receitinha para uma sobemesa refrescante que fez a minha cabeça. É um sorvete, mas a receita é light. Pode ser adaptada para não ser, se esse for o gosto do freguês. É só trocar o low-fat frozen yogurt por um regular, ou um simples sorvete de baunilha.
3 colheres de sopa de xarope de romã
2 colheres de sopa de amaretto
1 xícara de low-fat frozen yogurt sabor baunilha
1/2 xícara de gelo picado – eu achei que isso deixou o sorvete muito líquido. fiz sem o gelo e achei que ficou melhor, mais consistente
Coloque todos os ingredientes no liquidificador e bata até ficar bem misturado. Serve duas porções. Também achei que bater no liquidificador foi uma tarefa árdua. Na segunda tentativa eliminei o gelo e somente misturei bem os ingredientes com um batedor, e ficou perfeito.

Found Julia

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Quando o livro póstumo da Julia Child sobre os anos em que ela e o marido Paul Child viveram na França, escrito pelo seu sobrinho-neto, foi lançado em abril, todo mundo – eu inclusive – correu pra comprar o seu exemplar. Uma pena que a minha falta de tempo, adicionada à lista infindável e sempre crescente de livros que eu pretendo ler, me faz acabar não lendo nada. Mas outro dia puxei um livro de uma pilha sobre uma mesinha e achei My Life in France, que estava esquecido e soterrado por outros volumes. Vamos ver se agora eu tomo vergonha e me organizo pra começar a pôr as leituras em dia. Esse livro da Julia vem cheio de fotos em P&B da americana desengonçada fazendo aulas no Le Cordon Blue na década de 50. Como eu pude soterrá-lo por tantos meses!