pão, leite, banana, alface, flores

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Há um tempo que eu peguei o bom hábito de incluir flores na lista de compras. Vai alí no super? Traz umas flores. Aqui os supermercados já facilitam tudo, colocando as flores logo na entrada, pra ninguém poder dizer que não viu ou esqueceu. Eu compro as mais baratas, de $2,99 a 5,99, mas elas fazem uma diferença danada na casa, especialmente durante os meses frios quando o tempo não permite encher vasos. Hoje dei uma passadinha no Trader Joe’s e vi todo mundo levando flores nos pacotes de compras, como eu. Trouxe comigo lindas gérberas laranjas.

a primeira vez que mordi um cachorro

Eu não me lembro exatamente quantos anos eu tinha, mas certamente foi antes dos meus dez anos. Estávamos no Rio de Janeiro visitando a minha tia, irmã da minha mãe. Éramos sete crianças e as duas mulheres corajosas, que sei lá por que motivos resolveram sair pra rua com toda a tropa. Normalmente íamos à praia, mas nesse dia passamos a manhã caminhando pelas ruas de Copacabana. Numa certa hora entramos num lugar. Eu lembro de um balcão alto e de como de repente um sanduíche enrolado em folhas de papel manteiga chegou às minhas mãos, junto com uma garrafinha de Coca-Cola. Abri aquilo com curiosidade. Minha mãe controlava o nosso consumo de refrigerante e como morávamos no interior de São Paulo naquele início dos anos setenta, ainda éramos virgens dos modismos americanos de hambúrgueres e hot-dogs. Quando mordi aquele sanduíche comprido recheado de salsicha e com um molhinho de tomates, cebola e pimentão, fui aos céus! Pra mim aquilo passou a ser a comida mais deliciosa do mundo e a que eu iria desejar comer novamente por muitos e muitos anos.

Em 1974 nos mudamos para Campinas, que é a cidade natal do meu pai. Lá fui finalmente reencontrar o maravilhoso sanduíche, descobrir o seu nome peculiar e o lugar que o vendia: o cachorro-quente das Lojas Americanas. Passei anos da minha pré-adolescência sentada naqueles banquinhos em frente ao balcão verde claro em formato de S no subsolo das Lojas Americanas do centro de Campinas. Pra mim nunca existiu nada igual – o pão macio, a salsicha saborosa, o molho super cheiroso, as chips de batata, sempre acompanhados de uma super Coca-Cola gelada. Nunca mais comi um cachorro-quente como aquele da LASA, que tentei replicar por anos e anos na minha cozinha.

Quando morei no Canadá, provei um cachorro-quente muito bom, que fiz por muitos anos e até hoje faço. Não chega nem perto do cachorro-quente da LASA, mas fica muito bom.
Cozinhe as salsichas na água. Escorra. Retorne a panela com as salsichas ao fogo, regue com bastante azeite, deixe fritar. Acrescente rodelas de cebola a vontade. Pode salpicar a cebola com um pouco de sal. Servir no pão de cachorro-quente com mostarda e catchup [se quiser].

A Cozinha Brasileira

Fizemos uma reunião para discutir, organizar e traduzir um pequeno menu para um evento brasileiro que acontecerá em breve aqui em Davis. Eu peguei um monte de receitas na internet, of course. Não iria ficar folheando livro numa ocasião que pedia pressa. Mas uma das minhas amigas levou uma pilha de livros. Ainda bem que existem pessoas não-práticas como ela, pois eu me deliciei folheando um por um, olhando fotos e lendo receitas. Um deles particularmente me encantou. É uma edição de capa dura publicada pela Editora Abril e distribuída pelo Círculo do Livro no final dos 70 ou início dos 80, entitulado A Cozinha Brasileira. Pedi emprestado e trouxe para casa!
O livro tem uma pitadinha de história, muitos fatos pitorescos, comidas típicas de todos s cantos do Brasil e muita receita bacana, como as feitas na época do descobrimento, ou as pra serem oferecidas pros santos, até receitas de famosos como Gilberto Freyre, Osvaldo Aranha, Elis Regina, Zélia Amado [Gattai], Angela Maria, Silvio Caldas [bem, eram famosos na época, né?].
Vou copiar algumas das receitas do tempo do descobrimento do Brasil, ainda bem atuais e possíveis de serem preparadas nas nossas cozinhas modernosas.
Galinha Mourisca
Tome uma galinha crua e faça-a em pedaços. Em seguida, prepare um refogado com duas colheres de manteiga e uma pequena fatia de toucinho. Deite-se dentro a galinha, com água suficiente para cozê-la, pois não se há de deitar-lhe outra. Estando a galinha quase cozida, tome cebola verde, salsa, coentro e hortelã, pique tudo miudinho e deite na panela, com um pouco de caldo de limão. Tome então fatias de pão e disponha-as no fundo de uma terrina; derrame sobre elas a galinha. Cubra com gemas escalfadas [termo em português para o francês poché. a gema aquecida em água fervente] e polvilhe com canela.
Picadinhos de Carne de Vaca
Lave a carne de vaca bem macia e pique-na miudinho. A seguir, adicione-lhe cravo, açafrão, pimenta, gengibre, cheiro verde bem cortadinho, cebola batida, vinagre e sal. Refogue tudo no azeite e deixe cozinhar até secar a água. Sirva sobre fatias de pão.
Biscoitos
Tome 14 litros [1, 400 quilos] de farinha de trigo e faça-lhe duas presas: numa coloque 1 quilo de açúcar e um pouco de água quente; na outra, ponha meio litro de água de flor de laranjeira, um quarto de litro de vinho branco e uma colher de sopa cheia de manteiga. Se desejar, use azeite-doce em lugar da manteiga. Misture e amasse tudo junto, até a massa ficar bem sovada e macia. Faça biscoitos e leve-os a assar em forno quente.

véspera da véspera

Porque eu sou uma desorganizada, tenho que me organizar o triplo. Mas não é só por isso, é também porque vou receber onze convivas e tenho que fazer tudo sozinha, das compras, às arrumações e preparaçãoes. Só depois da festa é que eu tenho ajuda na limpeza do meu super ocupado marido, que hoje está trabalhando e com certeza vai trabalhar amanhã até quando puder. Então estou me preparando para essa véspera de Natal há uma semana. Hoje estou fazendo algumas coisas que posso adiantar, como pastinhas e coisinhas para se comer enquanto se espera a ceia. Vou ter convidados brasileiros, americanos e noruegueses. Como no menu não vai ter batata – base de tudo para os noruegueses – desencalhei um arenque e uma truta defumada da despensa, que vou servir com pão de centeio alemão. Fiz a pastinha de aliche com salsinha que é um must nos meus natais italianos. Também temperei azeitonas e vou fazer uma invencionice com queijo cremoso mascarpone e nozes pecan. Cozinhei e descasquei as castanhas portuguesas, lavei tomilho que vai no recheio do peru [decidi pôr tomilho que ainda tenho fresco na minha horta]. Fiz também o cranberry sauce, que é um ítem do menu americano que eu adoro. Vou passar a tarde na cozinha, ouvindo jazz, dando risada com os gatos. Curto tanto os preparativos quanto a festa em si.

The Alice B.Toklas Cook Book

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Quero escrever sobre esse livro há tempos, mas fico naquela enrolação de quem não sabe como começar ou como abordar. É um livrinho pequeníssimo, um pocketbook, sem ilustrações, sem fotos, impresso em papel áspero e publicado em 1960, seis anos depois da edição original. Eu comprei o meu numa loja de antiguidades uns meses antes de viajar para a França. Nem abri, não li nada, como eu às vezes faço, enrolando meses ou anos pra ler um certo livro. Fui pra França, fiz a Happy Road e voltei. Daí abri o livro da companheira da escritora Gertrude Stein, Alice B.Toklas. Fiquei uns dois meses andando com o livro pra cima e pra baixo. Acho que esse foi o melhor livro de receitas que li nos últimos anos.

Quando estava lendo o meu livrinho amarelo com ilustração do Picasso na capa, uma americana me falou que tinha lido o dela nos anos sessenta e que nunca mais esqueceu da receita de brownie com maconha. O livro da Toklas ficou famosérrimo na década de sessenta e até virou título de um filme, com o Peter Sellers [I Love You, Alice B. Toklas!], onde alguém faz o brownie emaconhado—assistam! Eu fui procurar saber como esse brownie acabou no livro de Toklas e descobri que foi uma piada, feita pelo amigo de Alice e Gertrudes, Brion Gysin, que enviou a receita para ser publicada na seção “Receitas dos Amigos” do livro.

Mas o livro de Toklas não é só sobre o brownie de maconha. É um relato da vida de Alice e Gerdrude na França, antes, durante e depois da Segunda Guerra. Eu refiz a Happy Road através dos relatos de Toklas, aprendi um monte de coisas sobre a cultura e a cozinha francesa e li salivando receitas simplesmente maravilhosas. Toklas não dá receitas como se dá hoje, cheia de medidas e detalhes. Tudo é descrito mais ou menos como ela fazia ou via outros fazerem. E de uma maneira de cozinhar que não se faz mais em cozinhas comuns. Hoje tenho certeza que muita coisa mudou, mas em The Alice B. Toklas Cook Book se pode quase sentir os cheiros e sabores da culinária francesa de outros tempos. Gertrude Stein e Alice B. Toklas eram americanas.

A famosa receita do brownie:
Haschich Fudge
1 colher de sopa de pimenta preta em grão
1 noz moscada inteira
4 pauzinhos de canela
1 colher de sopa de semente de coentro
1 punhado de tâmaras secas
1 punhado de figos secos
1 punhado de amêndoas
1 punhado de amendoim
1 ramo de cannabis sativa (“colhida e seca logo que a planta mostrar sementes, mas ainda estar verde”)
1 xícara de açúcar
1 tablete de manteiga

Moa a pimenta, a noz moscada, a canela e o coentro num pilão. Pique as tâmaras, figos, amêndoas e amendoim. Moa a cannabis e misture com as especiarias. Salpique essa mistura sobre as frutas e nozes picadas. Misture o açücar e a manteiga e misture, amassando bem. Coma com cuidado. Dois pedaços são suficientes.

a pior comida do mundo

Ainda adolescente, visitando os meus tios na Querência Echaporã, perguntei ao meu tio, jornalista e gourmet, qual era a melhor e a pior comida do mundo. Ele respondeu – melhor, chinesa, pior, inglesa.

Eu comi muito bem em Londres, quando visitei o meu irmão. Comi comida francesa, italiana, japonesa e o trivial brasileiro feito pela minha cunhada. Num sábado fomos à um pub de trezentos anos – o Lamb & Flag, o mais antigo de Covent Garden. Realmente, se aquele menu ficar de amostra única da comida deles, os ingleses ganharam mesmo a medalha dos piores. Eu comi com curiosidade, não reclamei, até achei legal. O pub tinha uma atmosfera muito charmosa e os donos foram bem simpáticos nos atendendo meio fora de hora. Mas o Uriel não parou de reclamar um segundo e abominou a tal comida no pub. Até hoje ele fala que a pior comida que ele comeu na vida – blearg – foi aquela no pub inglês. No menu bem restrito, sausages, lamb ou roast beef acompanhados de batata, cenoura e ervilha, gravy e yorkshire pudding, que foi o ítem que eu mais gostei.

A receita do melhor do pior:
Yorkshire Pudding
This dish was originally cooked in a tin under the rotating spit on which roast beef was cooking – the juices from the meat dripped on to it, giving a delicious flavour. In Yorkshire, it is still cooked around the meat tin and is served as a first course before the meat and vegetables. Serves 4-6.
Ingredients: Lard – a little, melted, Plain flour – 110 g (4 oz), Egg – 1, Milk – 300 ml.
1. Pre-heat oven to 220C / 425F / Gas 7.
2. Put a little lard in 12 individual Yorkshire pudding tins (or deep bun tins) or a single large tin and leave in the oven until the fat is very hot.
3. Place the flour in a bowl, then make a well in the centre and break in the egg. Add half the milk and, using a wooden spoon, gradually work in the flour. Beat the mixture until it is smooth then add the remaining milk. Beat until well mixed and the surface is covered with tiny bubbles.
4. Pour the batter into the tins and bake for 10 to 15 minutes for individual puddings; 30 to 40 minutes, if using a large tin, until risen and golden brown.

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