No alvorecer da década de oitenta, vivenciei por uns meses algumas situações desconcertantes geradas pela minha participação no processo Fisher-Hoffman. Eu era uma adolescente natureba e fazia a minha comida separada, sem carne, em casa. Essa trabalheira extra e estresse com a minha família não era motivada por nenhuma convicção filosófica, somente pela minha reação natural à uma ojeriza que sempre senti pelos produtos animais, que naquela época incluía também leite e ovos. Eu não entendia muito bem o que era ser vegetariano, porque eu não me considerava oficialmente uma. Mas algumas das pessoas no meu grupo do Fisher-Hoffman—que comigo somavam oito almas a procura de suas ilusões perdidas, eram vegetarianas declaradas. Um casal era bem radical, daqueles que moíam o próprio trigo e faziam aquele pão sólido como uma pedra, que só eles mesmos conseguiam comer. O cara era um agrônomo, ganhou até um prêmio para jovens cientistas por um projeto inovador que ele desenvolveu. E patrulhava com relação às carnes, às farinhas brancas, ao açúcar. Eu concordava com tudo, porque concordava mesmo. Naquela altura do campeonato eu já tinha feito minha passagem pela Raposa Vermelha e tinha lido o Sugar Blues do William Dufty, os livros de macrobiótica do George Ohsawa e já tinha adquirido o meu livro de cozinha favorito, que era a tradução para o português do livro do Ed Brown, The Tassajara Cooking.
Um tempo depois do final do processo eu fui com o Uriel, que ainda era meu namorado, a uma festa de casamento de uma das pessoas do meu grupo do F-H. Nunca vou me esquecer de uma cena que vi durante o almoço que foi oferecido aos convidados. Lá estava o casal que não comia carne de jeito nenhum, que fazia o próprio pão e advogava a vida ultra-super natureba devorando avidamente coxas imensas de peru assado, que era um dos pratos servidos no almoço. Aquela visão dos vegetarianos totalmente possuídos pelo espírito de Fred e Wilma Flintstone ficou cravada para sempre nos arquivos da minha memória.
