Minha melhor amiga no colegial, a Teresa, era neta e sobrinha das proprietárias da Raposa Vermelha. Por anos, a Raposa foi uma loja de discos e livros, novos e usados, instalada na garagem/basement da casa da Dona Olga e da Ieda na rua Padre Vieira, em Campinas. Era uma casa antiga, de dois andares, mais o porão, toda pintada de um roxo cor de berinjela. Era um dos lugares mais cool da cidade para se ouvir a melhor música, achar raridades. As paredes da loja eram cobertas de posters de bandas e músicos. Aquilo era um paraíso. Sempre inovadoras, Dona Olga e sua filha Ieda praticavam a macrobiótica e resolveram abrir um entreposto. A Teresa trabalhou lá por um tempo e me chamou para substituí-la quando precisou parar. Era 1980. Foi meu primeiro emprego! Eu ganhava uma miserinha, mas adorava trabalhar lá. A loja de macrobiótica foi instalada no porão da casa, entre a loja de discos e livros e uns cômodos ultra maravilhosos, decorados com móveis antigos, onde a Ieda lia tarôt e vendia umas roupas super transadas. Pra chegar na loja macrô tinha que atravessar a loja de música, entrar num corredorzinho e voalá, atrás de um balcãozinho de madeira crua ficava eu, toda odara, extremamente tímida e reservada, lendo livros e vendendo os produtos. Às vezes eu tinha que ensacar arroz integral, que a Ieda comprava no atacado. Outras vezes eu reorganizava as prateleiras. Quando chegava cliente, eu orientava, cobrava a mercadoria, empacotava muito simplesmente em sacos de papel e dava troco, essas coisas. Mas na maioria do tempo a loja ficava vazia e eu ficava ouvindo as músicas maravilhosas que o Fer, que trabalhava na parte de discos, tocava o tempo todo, e lendo os livros macrôs e naturebas da pequena livraria, que oferecia literatura básica e avançada sobre o assunto. Eu li muito nessa época – li e me surpreendi com o fato de que eu era NORMAL na minha repugnância por carnes. Naquela época eu encontrei a minha turma, mesmo sendo eu uma natural born e sem nenhuma idéia filosófica sobre alimentação natural, carnes, açúcar, eteceterá.
A Raposa Vermelha mudou a minha vida. Eu passava as minhas tardes lá, se não lendo, ouvindo os papos mais variados do pessoal que frequentava a loja, entre eles muitos malhadores da Coca-cola e demonizadores do açúcar branco. Um deles batia ponto no local diariamente e contou uma vez como ficou envenenado depois que comeu uma lasca de frango e do barato que ele sentiu respirando oxigênio puro nos tubos quando ele mergulhava. Era cada história… Pra mim era tudo o máximo! Um dia um casal muito estranho entrou na loja e ficou numa atitude suspeitíssima num cantinho da loja [e ela era minúscula!] onde ficavam uns produtos bem caros. Eu fiquei com a pulga atrás da orelha, mas a loja estava cheia e não pude prestar muita atenção as manobras do casal. Quando o movimento acalmou, fui lá no cantinho ver o que o casal olhava tanto e vi que uma das caixinhas daqueles suplementos importados estava aberta e vazia. Eles tinham roubado o negócio. Contei pra Ieda e ficamos confabulando sobre essa história. Um dia a Ieda veio me contar que estava iniciando um papo com aquele fulano assíduo da loja, o do barato do oxigênio, contando as preliminares do roubo, falando algo do tipo, nossa, a gente confia nas pessoas e vê só no que dá, elas nos roubam, quando o cara começou a chorar e a pedir perdão! Sem querer ela provocou a revelação de outro meliante, que confessou aos prantos que toda vez que ia ao banheiro da loja – onde ficavam estocados alguns produtos, ele embolsava algo. Ficamos pasmas e rimos muito! O cara voltou a frequentar a loja, mas nunca mais pediu para usar o banheiro.
* Por que o nome da loja era A Raposa Vermelha? Por causa da raposa vestida de vermelho da capa do álbum Foxtrot do Genesis ainda com o Peter Gabriel, de quem o marido da Ieda era fã.