o dia de pegar na enxada

Parou de chover e deu uma esquentada, o que me motivou a sair para uma vistoria no quintal. Saí principalmente para checar o estado da horta. Duas horas depois eu já tinha capinado uma das beds, removido um monte de mato e muitas folhas mortas acumuladas que cairam da minha árvore ancestral no outono, arranquei também raizes da menta hortelã, porque ela já está rebrotando e se não ficar de olho ela avança em tudo. Deu até pra suar um pouquinho. Enxada, pá, ancinho, luvas de borracha, cheiro de terra, de folhas decompostas—eu não sei por que tudo isso me atraí tanto, já que sou uma péssima jardineira, não tenho os dedos verdes e sou notória por conseguir fazer com que todas as plantas em vasinhos morram quando estão sob os meus cuidados. Mas na horta eu não preciso fazer muito, pois a terra é ótima, cheia de minhocas, bate sol suficiente e tem sistema de irrigação. Fiz uma avaliação geral do que sobrou do final do verão. As rúculas estão reaparecendo, perfumando tudo com o cheiro delicioso que elas tem. Parte do orégano e do tomilho sobreviveu, apesar de não estarem nem um pouco vistosos. Também a salsinha está lá, meio tímida ainda. E um raminho curto de cibouletes. Tudo o mais padeceu com a chuva e o frio. Infelizmente eu não tenho disposição para fazer horta de inverno. Mas no verão eu realmente me animo, apesar de me concentrar basicamente nas ervas e nos tomates. Para este ano tenho uma estratégia diferente para os pés de tomate, que já fiquei no maior entusiasmo de plantar.
*esse ritual de sair no quintal quando o inverno dá um tempinho, é repetido rotineiramente no meio de fevereiro ano após ano.
** a estrategia deste ano eh apenas uma—espaco. vou plantar apenas duas plantas por canteiro, ou apenas uma por canteiro, pois tomates, like Brazilians, need space!! 😉
***tem uma foto da minha horta AQUI.

Tosca cake

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Achei essa receita no Nordic Recipe Archive e ela estava guardada há um tempo. Tive a oportunidade perfeita para finalmente faze-lo quando combinei um chá das cinco com meus amigos. Fiz também a pissaladière, que já figurou aqui em outros carnavais. O chá foi um simples Earl Grey, com leite para quem quis leite e açúcar para quem quis açúcar. O bolo ficou bom, mas só na hora de traduzir a receita que eu percebi que troquei o mililitro pelo grama durante a leitura. Segundo o Uriel, eu simplesmente DOBREI a quantidade de farinha e por isso o bolo ficou mais massudo do que deveria. Ele me mandou comprar uma lupa para ler receitas. Acho que vou seguir esse conselho, porque assim não dá pra continuar…
Tosca cake
3 ovos grandes
200 ml de açúcar
300 ml farinha de trigo
1 colher de chá de fermento em pó
2 colher de chá de açúcar baunilhado
3 colheres de sopa de leite ou crème de leite fresco
150 gr de manteiga
Para a cobertura de amêndoa:
100 gr de manteiga
2 colheres de sopa de leite
6 colheres de sopa de açúcar
1 colher de chá de açúcar baunilhado
2 colheres de sopa de farinha de trigo
200 ml de amêndoas em fatias
Massa: derreta a manteiga e deixe esfriar. Numa outra vasilha peneire a farinha, o fermento e o açúcar de baunilha. Bata o açúcar com os ovos até obter um crème. Incorpore a mistura de farinha, alternando com o leite e a manteiga derretida. Misture gentilmente com uma espátula e coloque numa forma redonda larga e rasa untada. Asse em forno pré-aquecido em 175 °C/ 350ºF por 20 ou 30 minutos, até o bolo estar quase cozido e com a superfície ligeiramente dourada. Suba a temperatura do forno para 200 °C/400ªF e prepare a cobertura.
Cobertura: numa panela derreta a manteiga, adicione o leite, os açúcares, a farinha e as amêndoas. Misture bem e leve ao fogo, mexendo sempre até engrossar ligeiramente. Cuidado para não cozinhar demais. Despeje a cobertura sobre o bolo e asse por mais dez minutos. Retire do forno, deixe esfriar, transfira para uma grade e depois para um prato.

cem por cento local

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Um almoço cem por cento local—norte da Califórnia. O peixe é um leopard shark pescado em Bodega Bay, temperado com sal, pimenta branca, envolto no fubá e frito no óleo, servido com um gomo de limão do meu quintal. A salada são folhas verdes dos meus produtores favoritos no Farmers Market com as passas dos fazendeiros de Sanger, temperada com limão, azeite, sal. Os cogumelos são também do Farmers Market, do produtor japonês de quem eu compro cogumelos orgânicos todo sábado, eles foram refogados com alho da cesta orgânica da fazenda da UC Davis e azeite orgânico do Napa Valley. Se quiser esticar mais um pouquinho o esquema eat local, os pratos também podem ser considerados locais, pois são feitos manualmente em Sausalito, pela Heath Ceramics. Nota final do crítico, depois dessa refeição: estava excelente. me senti almoçando no Chez Panisse. ha ha ha ha ha!

Docteur Edouard de Pomiane

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Foi no An Omelette and a Glass of Wine da Elizabeth David que eu primeiro li sobre o Docteur Edouard de Pomiane. David adorava o medico francês, que se considerava polonês e que enfrentou a velha tradição da culinária francesa. Pomiane era um acadêmico que dava aulas no Instituto Pasteur e foi o primeiro a explicar a culinária em termos científicos. Após aposentar-se, ele dedicou o restante da sua vida à culinária. Pomiane escreveu dois livros que se tornaram muito populates—French Cooking in Ten Minutes e Cooking with Pomiane, ambos publicados nos anos 30. Os livros de Pomiane foram inovadores para a época, quando era um sacrilégio romper as tradições mantidas pela escola de Escoffier, que impunha que os cursos da refeição fossem servidos na ordem correta, sempre uma carne seguida de um peixe, zilhões de rococós. Pomiane facilitou a vida dos seres humanos comuns, que não têm o dia inteiro para gastar dentro de uma cozinha, mas mesmo assim querem comer bem e saudavelmente.
Pomiane tinha uma prosa divertida e escrevia falando com o leitor, como se ele também estivesse ali, vendo o que ele via. As receitas publicadas por ele na década de 30, quando o microondas não existia nem em sonho e ter geladeira em casa ainda era o luxo dos luxos, são ainda completamente praticáveis. Em French Cooking in Ten Minutes ele dá vários menus, que a primeira vista parecem saídos de um sofisticado restaurante francês. Mas ele realmente ensina como fazer cada prato em dez minutos. O primeiro conselho—quando entrar em casa, antes mesmo de tirar o casaco, coloque uma panela com água para ferver no fogão à gás, ele frisa. Pra que vai servir a água? Ele responde que não sabe, mas com certeza ela terá algum proveito, se não para colocar um dos itens do menu em prática, ao menos servirá para fazer o café.
Os menus de Pomiane incluem entrada, prato principal, salada, pão, queijos e frutas. Acompanha água e vinho. Nunca refrigerante. Tudo em pequenas porções, que satisfaz sem pesar no estômago, sem acrescentar quilinhos extras e sem furar o bolso. Ele usa alguns produtos enlatados, na falta do mesmo fresco. Na época de Pomiane ainda não existiam os produtos congelados.

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Onion soup

Saddle of hare with sour cream

Buttered beets

Green Salad

Cheese

Jam cookies

Pumpkin soup

Creamed salt cod

Buttered green peas

Cheese

Fruit

Ainda não fiz um menu inteiro. Mas sei que farei. No entanto já testei uma sopa de cebola. Não calculei o tempo pra ver se levou mesmo dez minutos, mas garanto que foi rápido e a sopa ficou deliciosa.
Onion Soup [em dez minutos]
Manteiga
1 cebola grande picada
1 colher de chá de farinha de trigo
Água fevendo [*olha aí a utilidade dela!]
Sal e pimenta a gosto
Pão amanhecido ou torradas
Queijo parmesão ralado
Leite quente, crème de leite fresco ou um ovo batido [* itens opcionais, mas eu escolhi usar o crème de leite]
Coloque um tanto de manteiga numa panela, deixe derreter e adicione a cebola picada. Cozinhe em fogo alto até a cebola ficar num tom amarronzado. Adicione a farinha e misture bem, adicione um pouco de água morna, depois jogue 2 xícaras de água fervendo. Deixe cozinhar por 8 minutos, adicione sal e pimenta. Coloque pequenos pedaços de pão amanhecido ou torradas num prato, salpique com queijo parmesão. Adicione a sopa, um pouco de crème de leite [ou leite, ou um ovo batido] e sirva.

[beware of the picky eater]

Na mesa do almoço na vinícola Quixote eu sentei em frente ao Hank Shaw, que poderia ser o italiano que ajudou o Michael Pollan a caçar o porco selvagem e encontrar os cogumelos em O Dilema do Onívoro. A única diferença é que Hank não é italiano e vive na região de Sacramento. Mas ele também planta seus legumes e verduras, colhe frutas silvestres e ervas comestíveis pelos campos e cogumelos na floresta, caça animais selvagens e prepara ele mesmo praticamente tudo o que consome, desde linguiças, passando pelas conservas e até o vinho.

Na mesa do almoço na vinícola Quixote havia um prato com ovos cozidos. Eram ovos das galinhas do vizinho, que foram trocados por serviços, não lembro bem a história. Eles foram cozidos à perfeição e nós alegremente nos servimos deles. Em frente ao Hank, que faz salada de ervas daninhas e queijo com o leite que ele ganha do amigo que tem uma vaca, come de tudo e é super frugal, eu removi cuidadosamente as gemas super amarelas do ovo das galinhas do vizinho, enquanto ele me olhava com um certo espanto. Você não vai comer a gema? Nas entrelinhas eu ouvi, você tem um blog de culinária e não come isso ou aquilo?

Realmente isso parece contraditório e até enganoso, pois como pode alguém que gosta de comida, não comer isso ou aquilo? Desfiei meu rosário pra ele—sim, sou uma chatonilda, não gosto de gema de ovo, nem de leite, nem de frutos do mar, nem de miúdos de animais e carnes estranhas, não como coelho, capivara, macaco ou cobra. Sobra a minha paixão pelos pães, pelos queijos, macarrão, pelas frutas, legumes, verduras, ervas, feijões, gosto também das azeitonas, dos peixes cozidos, como arroz, couscous, quinoa, lentilhas, ervilhas… Será que tenho um bom currículo pra ter blog de culinária? Ah, esqueci de dizer que também não encaro caviar nem foie gras. Mas como feliz um pratão de espinafre.