Demorei tanto pra escrever sobre a minha visita ao restaurante Tordesilhas em São Paulo, que agora vou ter que espremer a memória e torcer pra não ter esquecido nenhum detalhe. O plano inicial, sugerido pela Neide Rigo e acatado alegremente por mim, era ir conhecer o famoso restaurante Mocotó que conquistou a cidade com seus quitutes nordestinos. Mas o dia em que me encontrei com a Neide era o meu último em São Paulo e no Brasil. Naquele mesmo dia eu iria direto pro aeroporto e fiquei um pouco nervosa com a localização meio distante do Mocotó. Quando a Neide sugeriu o Tordesilhas como segunda opção, escolhi fazer a troca na hora. Não me arrependi. O Mocotó ficou para a próxima.
Voltando no tempo um pouco, tenho que registrar aqui o meu nervoso e a minha caipirice com o tamanho da cidade e as distâncias dentro de São Paulo e como é meu costume fazer, esquentei a moringa à beça pensando e planejando como eu iria me locomover de um lugar pro outro por lá. Eu não contava com a generosidade e gentileza das queridas amigas com quem me encontrei e que se ofereceram de me dirigir pra lá e prá cá. Assim acabei chegando na casa da Neide antes das oito da manhã, sem nenhum esforço, só no papo gourmet com a minha amiga Daniela, que bondosamente me dirigiu do Itaim-Bibi até a Lapa numa piscada.
Com a Neide então, nem vi por onde estava indo nem onde estava pisando, porque só queria saber de ouvir ela falar e papear. Fomos de trem até o Mercado da Lapa e depois de ônibus até o centro da cidade, onde fui conhecer o Marcos, marido dela e depois fomos caminhando até o Tordesilhas.
O ambiente do restaurante é uma delícia, com uma decoração cheia de detalhes folclóricos, uma bancada com frutas e legumes logo na entrada, tudo colorido, super fotogênico e aconchegante. Chegamos cedo e o lugar ainda estava bem vazio. O serviço foi extremamente cortês e teve uns salamaleques extras, por conta da presença da Neide na mesa. Então toda hora passava um e parava para cumprimentá-la. Andar com gente famosa é assim mesmo, né?
Pedimos a comida, que pra mim foi um processo de extrema dificuldade, pois eu queria provar TUDO! Escolhemos um caldinho de feijão com torresminho e uma renda de couve frita, cubinhos de queijo de coalho fresco com mel de rapadura e uma saladinha caipira, feita com almeirão, tomate, cebola e farelo de torresmo. Eu pedi um medalhão de carne de sol com risoto de pupunha e a Neide um galeto assado com curau de milho verde e arroz de abobrinha com pequi [provei o pequi pela primeira vez na vida e ele tem gosto de perfume!]. De sobremesa pedimos os três sorvetes de frutas amazônicas [açaí, cupuaçú e tapioca] sobre bandeira de jambu com biju. Só bebemos água, porque eu ainda tinha que arrumar mala, ir pro aeroporto, pegar aquele avião.
A comida do Tordesilhas estava deliciosa, mas o fato de eu estar lá almoçando com a querida Neide me trouxe um presente extra, que foi conhecer a chefe Mara Salles e a mãe dela, dona Dega. A Mara chegou na mesa e conversou muito, especialmente sobre um evento de gastronomia e sustentabilidade que estava acontecendo na cidade naquela semana. Um dos meus assuntos favoritos. Fiquei ouvindo tudo o que ela falava e só balançando a cabeça em concordância. Ela fez algumas criticas ultra sensatas e falou muita coisa legal. Adorei ouvir de uma chefe brasileira o que ela pensa sobre culinária sustentável num país tão rico de ingredientes e com estações climáticas tão produtivas, como o Brasil. Depois a dona Dega juntou-se à nós e bebericamos um licor de Baru—uma castanha do cerrado e conversamos sobre muitas coisas. A mais interessante e que me deixou boquiaberta foi sobre a abobrinha brasileira. Comi essa abobrinha verde e amarela por tantos e tantos anos e nunca soube que ela é a versão jovem da butternut squash tão abundante por essas terras onde vivo agora. Essa informação de que a abobrinha que refogamos no Brasil é a versão imatura da butternut squash que assamos aqui, me pegou realmente de surpresa. A Mara serviu um acepipe que ela faz com a abobrinha e trouxe uma abobrinha inteira até a mesa, que ela cortou no meio e me mostrou a polpa e sementes. Fiquei boba! Tão boba que até posei pra uma foto com a Mara e segurando a abobrinha na mão [foto da Neide]. Foi uma experiência ímpar e um privilégio passar umas horas naquele restaurante, papeando com pessoas tão bacanas e com tanto conhecimento. Queria ter ficado pro jantar, mas eu tinha que tomar banho, arrumar mala, rumar para o aeroporto e pegar aquele avião.