Eu não acredito em saci pererê, nem na mula sem cabeça, ou no boto cor-de-rosa, nem na bruxa de oz, e muito menos na dona Benta. Como vou acreditar numa mulher que não existe? Que dá seu nome para um livro sem autores. Que é também marca de farinha. E avó de personagem de ficção. Faz-me o favor, hein?
Eu tenho o livro da dona Benta e já fiz algumas receitas, mas se vocês forem parar pra analisar aquilo é uma compilação de receitas de domínio público, sem muito detalhe, porque sem autor, não se pode dar bandeira.
Quis fazer um bolo [outro] de milho pra gastar a milharada que se empilha de maneira crescente na gaveta da geladeira. Quando vi essa receita pensei imediatamente—tá pra mim! Bate tudo no liquidificador e assar. Iuuru! Mas quando comecei a misturar os ingredientes, fiquei procurando a farinha. Não ia farinha. Tudo bem. Mas só com ovo, leite e creme de milho não ia dar consistência de bolo. E não deu.
Outra coisa irritante no livrão da dona Benta é a displicência das receitas. Nenhuma tem temperatura de forno, nem tempo de forno. É assim, põe lá e assa. Coisa pra gente batuta, não pra cozinheiras descabeladas como eu.
O bolo virou um belo pudim. Não ficou nem um pouco ruim e eu recomendo que se coma frio e no dia seguinte. Paciência é tudo nessa vida. Usei o melhor ovo, o melhor leite, o melhor milho, a melhor manteiga, o melhor açúcar. E assei sem saber por quanto tempo num forno médio. Sabe assim, nem muito quente, nem muito morno. Tudo muito etéreo, como o universo encantado da dona Benta.