vamos tentar, então?

Eu subestimei um bocado essa operação-procedimento-tratamento que fiz. Achei que a recuperação iria ser muito fácil, assim num estalar de dedos, mas não está sendo. Pelo menos já estou fora da caverna, i.e., quarto. Não aguento mais ficar sem fazer nada, vendo e pensando em tanta coisa pra fazer. Resolvi que, conforme anteriomente planejado, amanhã estarei de volta ao trabalho. O único porém é que não posso pedalar a bicicleta e estou caminhando como uma anciã, então vou ter que planejar muito bem o meu dia e certamente almoçar no trabalho. Essa é a parte mais chata de tudo, pois gosto de vir almoçar em casa, de quebrar a rotina, sair da frente do computador, ver os gatos, às vezes até tomar um banho nos dias quentes. E dias quentes serão. Gastei algumas das minhas horas inertes fazendo planos—será que levo uma toalha pra estender na grama mais próxima, fazer da minha hora de amoço um picnic time e ainda poder deitar e relaxar? Mas isso involve carregar a toalha e todos os cacarecos na minha caminhada pela manhã. E se estiver muito quente, não vou querer lagartixar na grama. Levo um chapéu? Levo minha sombrinha portátil? E a parte de higiene, escova de dente, fio dental, preciso levar também. Não quero fazer como os meus colegas, que comem sopa de lata, bolinhos microondáveis ou gororobas compradas prontas em frente ao computador. Mas não quero ficar na toca nem mais um dia. Ainda estou pensando como vou fazer, mas já decidi que vou fazer. E pronto!

A paciente orgânica

Enfermeira—você pode ficar para o jantar, se quiser. servimos às 6pm.
Fer—eu realmente não quero desperdiçar a sua comida…
Enfermeira—ha ha ha! mas se quiser, fique à vontade!
Fer—acho que prefiro beber um copo de leite em casa [e sonhar com um curau de milho que deixei na geladeira]

Eu entendo que hospitais em geral aceitam requisição para dietas especiais, kosher, vegetariana, mas nunca ouvi falar que houvesse opção para os naturebas como eu. Portanto já fui consciente de que qualquer rango que me servissem lá iria ser abominável. Felizmente casquei fora a tempo, antes que eles viessem me empurrar o jantar sem sólidos, que prometia ser monstruoso. Não comi realmente nada lá. No dia seguinte o Uriel me serviu de colher um potinho de suco de cranberry e uva e outro com uma gelatina cor de xixi de alienígena. Algumas horas depois já estava tudo devolvido, já que as náuseas me atacaram ferozmente no primeiro dia. No segundo dia me trouxeram um chá preto com açúcar, outro suco de cranberry, outra gelatina fluorescente [passa, passa!], água com gelo, soda limonada horrivelmente doce, um caldo de carne e crackers salgadas. Nada entrou, nada desceu, simplesmente não deu. Pior é que quando me vejo assim frágil, como no caso de uma estadia num hospital, eu fico extremamente franca e portanto não escondi o meu desprezo por aquela comida sem criatividade, sem nada especial.

Se eu fosse a Alice Waters, delirei, teria um grupo de chefs na cozinha do hospital, cozinhando só pra mim—a paciente orgânica. Mas como sou uma simples ninguém, não posso exigir na bandeja um copo de suco de cenoura fresquinho ou gelatina feita com frutas sazonais, ou mesmo umas bolachinhas de farinha de centeio. Isso eu só posso ter em casa. Por isso não via a hora de ser liberada daquelas quatro paredes verdes, onde eu só dormi, dormi, dormi e dormi, alem de apertar o botão dos narcóticos que me faziam vomitar, e dormir mais e mais.

No segundo dia, quando acordei totalmente desgastada e descabelada, depois de uma noite de náuseas e vômitos constantes entre as dormidas impostas pelos narcóticos que me fizeram sonhar sonhos muitos estranhos, a enfermeira veio fazer o exame dos sinais vitais, que são feitos a cada hora, eu presumo. Eram sempre duas, a enfermeira registrada e a assistente. Sempre extremamente gentis, essa em particular olhou o bracelete com meu nome e idade e exclamou—nossa, mas você não aparenta ter quarenta e seis anos! Eu e o Uriel nos entreolhamos com um sorriso sem graça e eu com aquela cara amarfanhada e torturada respondi—nas atuais circunstâncias, ouvir isso é muito lisonjeiro. Acho que essa é uma das profissões mais honoráveis que existem, porque essas mulheres e homens lidam com a miséria humana, histórias tristes passam pelas mãos desses profissionais todos os dias. E muitas vezes eles vão até o final, até a morte do paciente, cuidando, sorrindo, sendo gentis e falando coisas pra te animar e te colocar mais alegre. No meu caso não foi nada dramático, mas ser tratada com carinho e atenção ajudou bastante no processo.

Ainda estou tendo muitas dores e ontem tive uma febre que só baixou de madrugada e que me assustou um pouco. Estou descansando bastante, vendo muitos filmes na tevê e comendo os ranguinhos brejeiros que o Uriel tem trazido dos meus restaurantes favoritos. Estou alimentando esperanças de que meu corpo vai colaborar e ficar bom logo, e fazendo planos de voltar à minha rotina na segunda-feira. Bicicleta, porém, só no final de agosto. Muito, muito, muitíssimo obrigada à todos que deixaram uma palavrinha aqui, desejando boa sorte e boa recuperação. Senti ondas confortantes de extremely good vibrations, que vieram em ótima hora!

dias de jejum forçado

A primeira e última vez que dormi num hospital foi quando meu filho nasceu, há vinte e seis anos. Portanto não posso me considerar uma pessoa experiente em estadias hospitalares e nem me sinto muito animada com a perspectiva de tubos, macas, enfermeiros, monitores. But a woman’s gotta do what a woman’s gotta go, então hoje pela manhã me internarei no hospital para fazer um tratamento chamado EMBOLIZAÇÃO UTERINA.

No ano passado uns exames detectaram entidades invasoras residindo no meu útero. O aparecimento dos famigerados fibromas parece ser uma coisa normal em mulheres de mais de quarenta anos. Eles são considerados tumores benignos e não causam nenhum risco, mas se desenvolvem e se multiplicam, evoluindo rapidamente para um quadro de sintomas realmente duros na queda. Eu já estou hospedando muitos, inúmeros, incontáveis fibromas e eles já estão fazendo a minha vida bem miserável. Na busca por uma solução fui colocada frente a frente com a possibilidade de fazer uma histerectomia, que é o procedimento de remoção do útero. Fiquei muito perturbada com a idéia de remover uma parte do meu corpo e eu e o Uriel fomos atrás de mais informação. Descobrimos que noventa por cento das operações de remoção do útero relacionadas à problemas com fibromas são totalmente desnecessárias e que há tratamentos alternativos. Tive várias consultas com minha ginecologista e, depois que optei pela embolização, também com a radiologista que vai comandar a ação e que me explicou todos os micro-detalhes desse procedimento muito menos traumático e agressivo.

Vou pro hospital em jejum, levando comigo minha malinha com alguns objetos pessoais e meu indefectível e robusto mau humor matinal. Estou ciente de todos os pormenores e de como meu corpo deverá reagir a esse tratamento. Já sei que vou ter que ficar uns dias de molho, sem poder cozinhar ou inventar muita moda. Tirei uma semana de licença saúde, que é o tempo que me disseram que vou precisar para me recuperar. Mas estou na expectativa de estar boa antes disso. Até breve então!

um dia em fotos

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Lembro que naquele dia eu acordei com a macaca e com mil idéias na cabeça. Com a câmera fotográfica já preparada, rolos de filmes extras, fui avisando—Gabriel, vamos registrar o seu dia em fotos! E ele, como o menino mais lindo do mundo que ele sempre foi, topou. Quem tem um avô que te fotografa em todas as poses possíveis e uma mãe engraçadona que te pega no flagra quando VOCÊ ESTÄ MEDITANDO NO DÁBLIUCÊ, não estranha quando recebe a proposta de ser modelo da própria vida. Então fomos lá, eu passei o dia atrás dele, clicando. Só não tirei fotos dele tomando banho, porque ele não quis e tive que respeitar. Mas começamos com o acordar, que obviamente na foto está todo encenado, já que a janela está escancarada, o quarto cheio de luz, ele está de óculos e com a boca suja de leite com chocolate, que era o que ele sempre bebia no café da manhã. Depois continuamos com ele estudando, ou melhor, fazendo as tarefas da escola, depois almoçando a comidinha natureba com aquela cara de alegria que ele sempre fazia em frente ao prato cheio de arroz integral e agrião refogado, depois escovando os dentes na frente do espelho—que ficou uma foto criativa, admito. Fizemos o set do cotidiano, que depois eu colei em sequência num pequeno álbum, para guardar para todo o sempre, afinal a gente esquece detalhes com o tempo, e naquele tempo não havia blog nem foto digital, era tudo muito mais dependente da sua memória, boa ou ruim, natural ou ginkobilobada.

fatos da foto:
Estava friozinho, pois ele estava dormindo com o acolchoado de lã de carneiro da minha infância. Minha mãe mandou fazer um pra cada filho, os dos meninos azul, os das meninas vermelho. O Gabriel herdou o meu.

Tinhamos voltado da Bahia fazia pouco tempo, pois o Gabriel está com as fitinhas do Bonfim no pulso e atrás da cama dá pra ver um pedaço do berimbau que ele veio carregando paulistamente no avião.

Filho de peixe. Ele dormia de camiseta, como o pai e a mãe. Somos uma família que nunca teve pijamas. E ele fazia o que eu faço até hoje, dormia com o cabelo molhado e com uma toalha no travesseiro e depois acordava com aquela cabeleira do zezé, com tufos super ondulantes só de um lado da cabeça.

litros, litros e mais litros

Acho que nunca bebi tanta água na minha vida, nem nos meus tempos de nadadora assídua. Com esse calor seco, reidratar é imprescindível e eu acordo e durmo bebendo água. Durante minhas horas de labuta isso irrita um pouco, pois provoca mais idas ao wanderley. Hoje, além dos quarenta e um graus celsius, está um fumacê horrível provocado pelos incêndios que, como todos já devem ter visto nos noticiários, estão castigando o norte da Califórnia. Nós estamos sentindo a calamidade pela névoa amarela e ardida que envolveu o nosso céu. É um cheiro tão forte de madeira queimada, que me faz ter vontade de chorar.

Ontem, jantando sozinha na mesa da sala, olhei para o quintal e vi através da porta de vidro a criaturinha delicada ali perto dos arbustos de lavanda. As perninhas finas, como as do Pernalonga, as orelhonas pontudas esticadas, os olhinhos meigos e o focinho mexendo pra lá e pra cá. O gato Roux já começou a bufar com a visão da lebrezinha, que permaneceu impávida, sem perceber que uma humana e um felino a observavam com diferentes intenções. O Roux mudou até de posição, depois de janela, para poder ver melhor. Eu parei de comer, parei de ler a revista que estava me acompanhando na saladinha de pepino com queijo feta e fiquei olhando com uma cara de parva sorridente apatetada até a lebrezinha dar um pulinho e desaparecer da minha vista tão rapidamente que nem vi pra onde.

Com esse calor miserável, senti muita pena da lebre pernalonga e orelhuda lá fora. Parei tudo que estava fazendo e fui até o quintal onde arrumei uma vasilha bem no meio do piso de tijolinhos e enchi de água fresca. O bichinho vai desidratar, ele precisa de água!

Mais tarde, contando o episódio pro Uriel, ele me disse que esses animais se viram muito bem e que chupam a água dos matinhos e plantinhas. De sede eles não morrem. Especialmente naquela selva que é o meu quintal.

La Sorpresa de Bertha [18/07/99]

[* relato de uma festa mexicana que fui, num dia de verão no século passado.]
Tive um sábado diferente, porque o Uriel está viajando e fui convidada por uma amiga para uma festa hawaiiana de aniversário mexicano. Fui, porque recebi o convite feito com tanta alegria e entusiasmo que não pude dizer não. Além do mais minha outra opção de lazer era boiar na piscina, de novo, e então optei pela novidade.
Me arrumei rapidinho, sem requintes, com um vestido longo preto nesse meu jeitão minimalista, embora tenha colocado uns brincos antigos que tenho, e esperei pela minha amiga, que chegou toda colorida e sexy de sarongue curto e tamancos de Carmem Miranda.

Ela foi dirigindo até Winters—uma das cidades-gueto dos mexicanos, onde a festa iria acontecer. Lá nos encontramos com três irmãs dela, nos aboletamos numa van bacanosa e fomos, matracando e rindo, para ‘la fiesta’. Eu de preto e as irmãs Rosalba, San Joana, Irene e Mari todas coloridas, de colares, anéis, pulseiras de ouro, maquilagem caprichada e ‘tacones altos’ brancos.

Fomos os arrozes da festa. Chegamos e a anfitriã ainda estava passando aspirador no carpete azul turquesa dos cômodos da casa. Ajudamos um pouquinho, papeamos um pouquinho e ficamos encantadas com a decoração no quintal, com tendas e mesinhas ao lado da piscina, tudo super bonitinho, com enfeites hawaianescos por todos os cantos. Logo apareceu um D.J. de bigodinho, que colocou o som pra rolar na caixa—’suave, suave, besa me suave’—cantava a sensação latina do momento, um rapazola porto-riquenho chamado Elvis Crespo. Devoramos nachos com salsa ‘picantíssima’ e tomamos refrescos e margaritas geladíssimas!

Bem mais tarde chegou a aniversariante, Bertha, que fazia 40 anos. Todos se amarfanharam na garagem pra gritar ‘sorpresa!!’. Foi tudo muito bem planejado. A Bertha ficou chocada, chorou, abraçou todo mundo, emocionou-se. Até eu fiquei com lágrimas nos olhos, de tão comovente que foi a surpresa. E fiquei parada lá, sem saber nem mesmo o que dizer, porque não conhecia a Bertha, nem absolutamente ninguém, além das irmãs Muñoz. Eu era a mais perfeita ‘bicona’, além de ser a única não vestida em trajes hawaiianos.

Com a Bertha recuperada da emoção, fizemos a fila pra comida. Muita comida. Diversas saladas, vários tipos de arroz, uns frangões e carnonas assada. Pão pra acompanhar. E mais salsa picante. Comemos, comemos, bebemos, bebemos, conversamos muito e até recebi elogios ao meu portunhol. Eita gente simpática!

Os mexicanos são todos uma grande família. É meio assim como a gente. Todos se conhecem, são comadres, cunhados, primos, amigos de infância. Eles imigram e trazem o avoilo e a avoila, as tias e tios, os vizinhos, daí se agrupam e vivem felizes no estrangeiro sem sentirem-se estrangeiros. Uma façanha cultural.

Depois de muito comer e ‘chismear’, rimos com a farra da piñata, aplaudimos a Bertha abrir os ‘regalos’, cantamos ‘feliz cumpleaños’, comemos ‘pastel’ com flan, nos despedimos de todos com muitos abraços e dizeres de ‘muchas gracias!’ e fomos embora, comentando de tudo e todos. Eu ri muito, prestei muita atenção nas conversas e tive um dia muito bom, riquíssimo e suavissimo, gracias, gracias, besos, besos!

esse papo já tá qualquer coisa

Minha rotina depois do jantar é subir pro meu quarto, ligar a tevê sempre no mesmo canal e clicar no guia pra ver o que está passando ou o que vai passar e assim poder planejar se vou assistir algo no canal ou colocar um dvd. Depois entrar no banheiro, sempre acompanhada por um dos gatos—se for o Misty eu tenho que abrir a água de uma das pias, se for o Roux vou ter que ficar conversando um pouco com ele, que vai miar com uma voz esganiçada que nos faz dobrar em riso. Tomo o meu banho, faço toda a rotina de escovação de dentões e hidratação de corpão, volto para o quarto e vou ler meus livros e ver meus filmes. Ontem já tinha decidido que não iria ver o filme que estava passando no TCM, o meu canal vitalício—The Joy Luck Club. Eu já vi e revi esse filme, inteiro ou em partes, inúmeras vezes. E todas as vezes eu me debulho em lágrimas. Não tem jeito, o filme é um clássico tearjerker pra desopilar o fígado e lavar a alma. Então quando saí do banho, já pensando qual seria o dvd que iria escolher pra assistir e de olho no livro que estou lendo, sentei na cama ajeitando as costas nas muitas almofadas e pow—não consegui mais descravar o olho do filme, que já estava pra lá da metade. E lá fui eu outra vez, chorar de dar bafão, de assustar os gatos, daqueles choros com gemidos, dolorido, que parece que os dentes vão cair e a cara vai estourar, que me deixou esbugalhada, cansada, fungando e de olhos ardendo. Quando o filme terminou com o encontro das irmãs, meimei! meimei!, eu já estava um farrapo humano, suspirando com uma cara aparvalhada. Fui dormir.

O resultado do chororô da noite foi uma cara matinal de pinguça, agravada por uma dor de cabeça que veio galopante e me deu um baita de um coice no crânio. Estou acordada há quase quatro horas e ainda sinto as sequelas da miserável. Somente o Blues poderá salvar este famigerado dia. Escrever também ajuda.

Estou pensando no futuro, no que vou fazer amanhã e em novembro. O dia vai ser quente, mas está nublado e esfumaçado, um ar pesado e poluído devido aos incêndios que se alastram pelo norte do estado. Isso tudo desanima, até de cozinhar e comer. Tenho me dedicado às receitas simples, rápidas e fáceis. Minha cozinha está cheia de produtos fresquinhos de verão, mas eu não ando entusiasmada. Os deliciosos tomates maduríssimos viram uma simples salada ou são combinados com alho e manjericão numa panela de pasta de rodelinha. Chegou um maço tão gigante de manjericão na cesta orgânica, que fui obrigada a fazer um pesto. Usei uma mistura de nozes e pecans, que era o que eu tinha, Torrei as nozes e as pecans e fiz como manda a receita clássica. Usei um pouco da água do cozimento da pasta pra diluir o pesto, dica da Marcella Hazan que já adotei. No outro dia fui às compras e fiz couscous com cranberries secas e pinoles. Mais um rango simples, servido com salada, porque não ando muito inspirada. E há muitas batatas. Batatas amarelas, brancas e roxas, que chegam toda semana, junto com as folhas verdes, que eu decidi impôr férias, então retiro da cesta lá mesmo na fazenda e coloco numa cesta onde acredito as pessoas doam o que não querem pra uma tal de Kara. A cesta de verão é realmente colorida, com muitos tipos de abobrinha, tomates e algumas frutas. Nesta semana chegaram figos, roxos e verdes, que foram devorados em minutos.

O website da UC Davis traz uma reportagem bacana sobre sustentabilidade e nela vocês poderão ver um pouquinho da fazenda orgânica dos estudantes, de onde vem a minha cesta semanal. Em Planting the Seeds of Change, clique no audio slideshow da direita, Student Farm lessons.

um pau pra toda obra

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Vocês já pararam pra pensar que alguns utensílios de cozinha são clássicos. Nós só precisamos ter um exemplar de cada e nem é absolutamente necessário que eles sejam bonitos, que estejam acompanhando o último grito da moda & design, que sejam feitos com o melhor material, talhados em modelos ultra-modernex e cheios de incrementações tecnológicas. Porque o trabalho que eles realizam independe de visual, de material, de luzinhas piscando e cores fosforescentes.

Outro dia tirei meu rolo de macarrão da jarra onde ele sempre fica e ao invés de só fazê-lo trabalhar desengonçadamente [mea culpa, admito], olhei pra ele com uma atenção incomum. Ele é um rolo de macarrão completamente sem glamour. Lembrei que ele foi uma das primeiras coisas que comprei para a minha casa californiana. E adquiri rapidamente porque é imprescindível que toda casa, mesmo as que ainda nem tenham panelas, tenha um rolo de macarrão. Comprei o meu numa garage sale que alguém nos levou. Comprei o rolo de macarrão, usado e meio rachado, junto com uma caneca rústica de cerâmica azul, que aindo tenho e que foi por anos a minha favorita. O rolo de macarrão vem trabalhando incansável por anos e anos, sem nunca dar problema, sem me deixar na mão, abrindo toda e qualquer massa para torta ou massa para pizza, com uma funcionalidade excepcional.

Meu rolo de macarrão é um utensílio de segunda mão, de madeira comum, com um pequeno racho, um pouco desengonçado no manuseio [mea culpa, admito], com uma cor desbotada, mas sempre botando pra quebrar eficientemente no serviço que lhe foi designado.

jazz it up

Bob Dylan na rádio paradise, furando onda no sonho, café sem açúcar, miçanga mania, limões crescendo na árvore, água azul cristalina, móbile de galinhas na janela da cozinha, vento refrescante no rosto, picolé de frutas tropicais, pilhas de papéis, linha azul turquesa, pêssegos saborosos, Nando Reis é um titã, menta chocolate secando, cestinha de pano listrado, telefonema feliz de Paris, lista de coisas pra fazer, gargalhadas a dois, sorvete de creme, mensagem com boa notícia de Campinas, chinelo de dedo, pequena viagem, alface com azeite, muitas revistas, foto nova no porta-retrato, cinco moedas de um centavo, cheiro de grama e terra, gato espiando na porta, colares coloridos, camiseta sem manga, querer é poder, postal da Grécia, lavanda, filme do Hitchcock, uma rosa vermelha no vaso, oitenta e sete graus. [num junho em 2004]

Não foi desta vez, outra vez

Meu marido pode ser considerado um obstinado Sir Lancelot em busca do Santo Graal quando se trata de encontrar a pizza perfeita, ou a melhor pizza de Sacramento. Há anos ele busca por esse tesouro escondido em alguma esquina de algum bairro da capital do estado da Califórnia. Já fomos à muitas pizzarias na cidade, sempre na esperança de que ali iremos comer a melhor pizza, mas nunca realizamos tal façanha. De qualquer maneira, meu darling Lancelot não desiste nunca e no potluck dos blogueiros de Sacramento ele não perdeu a chance de fazer o seu invariável questionamento: onde comer a melhor pizza? Uma das garotas do Sac Foodies indicou uma pizzaria chamada Luigi’s.

No domingo, fui fazer um exame em Sacramento na hora do almoço e quando saimos da clinica, resolvemos ir checar a tal pizzaria. Eu sabia que ele não iria sossegar enquanto não fosse até lá verificar se a pizza estava à altura da recomendação de uma foodie.

O Luigi’s Pizza Parlor fica numa esquina num bairro bem desprivilegiado da cidade. É um lugar pequeno, que serve pizza sem muita frescura desde a década de cinquenta. Pedimos uma meio queijo, meio linguiça portuguesa e sentamos numa das mesas simples do lugar, ansiosos pela experiência. As opções de bebida eram refrigerante ou cerveja. Algumas pessoas estavam lá só bebendo cerveja. O menu incluia também alguns tipos de pasta e sanduiches. O Uriel ficou um pouco decepcionado logo que viu que o forno não era a lenha. Mas eu me animei quando vi dois senhores abrindo a massa e preparando as pizzas com esmero. Eu estava sem poder comer desde manhã e já tinha visões de bolinhas flutuantes quando a pizza finalmente chegou na nossa mesa. Veredito: não é a melhor pizza de Sacramento! A massa estava ótima, fininha, bem seca e crocante. O molho não era dos piores, mas também não se sobressaiu. O problema maior foi a escolha de adicionar linguiça portuguesa, que realmente foi uma mancada nossa—ou melhor, minha, pois fui a autora da idéia, talvez neblinada pela fome. Comemos, mas não tivemos uma epifania na primeira mordida. Foi uma experiência mais uma vez ordinária.
Notamos uma clientela bem eclética na pizzaria. Na mesa ao lado da nossa sentaram-se três meninas negras, vestidas iguais e falando sem parar no celular. Não pude deixar de notar uma delas, que era extremamente bonita e poderia ser uma modelo, se tivesse a chance. Elas riam muito e falavam o tempo todo. Mas o lugar tinha muito barulho, produzido por uma tevê gigantesca onde passava notícias de esportes e por uma jukebox onde tocava sucessos da Motown. Não estava dando pra ouvir o que as meninas falavam, mas uma delas se virava toda hora e dizia pra nós—I apologize! [eu peço desculpas] Eu estava boiando total, fiquei pensando será que estou encarando muito, porque às vezes eu encaro sem perceber, ainda mais que fiquei realmente encantada com a beleza de uma delas. Mas não tinha nada a ver comigo, pois no final uma delas disse—I apologize! Is too much cursing for you? [é muito palavrão pra vocês?] Eu respondi sorrindo que não era problema algum, pois nem estávamos prestando atenção. Embora eu não tenha realmente notado nenhuma linguagem chula que elas provavelmente estavam usando na conversa, não pude deixar de notar uma coisa chocante que uma delas fez. Além de salpicar a fatia de pizza com aquele queijo ralado vagaba que é muito comum nas pizzarias daqui, esbugalhei meus olhos abismada quando vi ela espremer um tantão de maionese no prato e depois molhar a pizza ali e nhack! Foi a minha vez de &%$#@*@$%!!