foi um dia bem cansativo

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Comecei o dia mal humorada, pois tinha 8996534 coisas pra fazer e meu filho avisou que só apareceria ao meio-dia, pois tinha aula de akidô. E meu marido saiu pra trabalhar como se fosse um dia normal [dele] e só apareceu quando os convidados já estavam aqui. Tive seis pessoas para o brunch, mais nós e a família da minha irmã, então fiquei bem esbaforida. Felizmente minha querida irmã me ajudou a cortar todos os ingredientes para a moqueca e quando os convivas chegaram eu já estava preparando o brunch e limpando a meleca que a cafeteira resolveu aprontar, vazando liquido e pó por toda a bancada. Coisas assim sempre acontecem nas horas inapropriadas. Mas o brunch foi gostoso, todos comeram bem, fiz panquecas, três omeletes de forno, cornbread, salmão, além dos queijos, pães, morangos, geléias, café, vinho, chá, sucos. ufaaaa!

Às três da tarde peguei minhas cestinhas com toda a “gear” para preparar a moqueca e fui para a International House com a minha irmã-assistente. Preparei a cozinha, montei os ingredientes na bancada, felizmente tive o bom senso de levar uma panela de arroz e outra de moqueca pra cozinhar enquanto eu falava. As pessoas foram chegando e se aboletando na cozinha. Quando comecei a falar, me apresentei, disse quem era, de onde era, citei meu blog, e algumas pessoas já exclamaram—ah, te vimos no jornal! Pois é, a fama me persegue! Fiquei um pouco nervosa, tremi levemente, mas falei bem, expliquei bem e todos tiveram uma visão razoavel da panela no fogão, viram como é fácil fazer uma moqueca. Quando terminei de falar, a moqueca que eu trouxe montada e o arroz estavam prontinhos e todos puderam provar um pouco. Foi um sucesso absoluto! Eu custo a crer o quanto essa moqueca fica boa e agrada a todos. A outra panelona de moqueca que fiz durante a aula foi vendida inteira, nao sobrou uma lasca de peixe e só se ouviu elogios. Ela chegou atrasada e concorreu com uma feijoada completa, então dá pra ter uma idéia de como esse prato de peixe faz sucesso. A prefeita de Davis estava no evento e entrou na minha aula, comeu a minha moqueca e elogiou, depois tirou fotos comigo. Eu não sabia que ela era a prefeita—a total purfa! O evento foi um tremendo sucesso, com muita gente nas palestras e comprando comida, que teve uma venda recorde. A diretora da I-House estava com um sorriso histérico congelado na cara. Ela ainda não tinha tomado tento que TUDO que envolve o Brasil atrai muita gente e é sempre um sucesso. Esse evento não foi diferente.

A sogra do Gabe com o namorado também foram ao evento e entraram em algumas palestras. Voltamos para casa, bebemos café no quintal e eles foram embora. Estava uma noite tão agradável que resolvemos comer a pizza lá fora. As crianças dormiram e ficamos até onze da noite bebendo vinho e conversando no quintal. Foi um dia cheio e cansativo, principalmente pra cozinheira!

*Murphy é padrasto e apareceu pra fazer outra sacanagem comigo. Tiramos muitas fotos do brunch e minha irmã se empenhou tirando fotos da minha aula de moqueca. Não sei explicar o que houve, mas perdi TODAS as fotos. Gone! Estou até agora inconsolável….

but the world goes ‘round

Histórias do cotidiano de uma pessoa comum têm que ser repetitivas. Não tem como escapar do ciclo – como as estações, os aniversários, as comemorações oficiais, os xis marcados nos calendários, as festas, as marés ou as fases da lua. Tudo vem e vai, vem e vai, vem e vai. É uma boa explicação e até uma reflexão para entender porque estou sempre escrevendo sobre os mesmos assuntos ou mostrando fotos tão parecidas.

Todo ano eu faço aniversário e publico os números dramáticos em letras garrafais, depois esfria, as folhas das árvores ficam amarelas, vermelhas, douradas e caem, acendemos a lareira, o gato quase queima os bigodes, assamos um peru que dividimos com a família no dia de agradecer, fazemos compras, ficamos com dor no lombo varrendo folhas, começa a chover, eu me acovardo da piscina, tiro fotos dos enfeites de Natal, publico um cartão e desejo tudo de bom para todos, fico aliviada quando o ano se inicia, como nove sementes de romã, reclamo que não pára de chover, reciclo, recrio, me animo com a chegada da primavera, encho o saco da humanidade com as minhas fotos de flores e, principalmente, rosas. O jasmim abre, capino a horta, planto tomates, as pestes chegam devagarzinho. O Gabe faz anos, faço o meu próprio breakfast no dia das mães, reclamo que esta ficando muito quente, nado diariamente, não tiro as havaianas legítimas dos pés, arranco mais mato, detono as pestes e colho tomates, o Ursão viaja, viaja, viaja e eu reclamo mais um pouco, as aulas e o ano recomeçam na UC Davis, eu aguardo ansiosamente uma brisa de outono, faço compras, combino uma social com os amigos, asso um bolo, vou dançar o Blues, penso no meu aniversário que já está chegando, jesus como este ano voou!

Por isso, estou parando um pouco de me incomodar com a repetição dos meus assuntos, pois a vida é terrivelmente repetitiva e não é assim que é bom?

My Many Colored Days

Verde. Plantei mais salsinha e tomilho. Vermelho. São tantas rosas que desisti de colocá-las em vasos, vou deixá-las enfeitando os meus jardins. Azul. Olha o céu! Finalmente abriu o sol. A previsão da meteorologia estava certa. Agora a prima é vera! Branco. Esperei ansiosamente pelo carro do Fedex. Preto. Não consigo mais ler o jornal. Todos os dias é um susto e uma tristeza na primeira página. Amarelo. Logo vão recomeçar as viagens do Ursão. Rosa. E eu que pensava que essa cor não me vestia bem. Hoje sou Mrs. Rosa. Cinza. Uma mala grande nunca é suficiente. Violeta. Uma pastilha de menta com gosto e cheiro de flor. Laranja. Tenho pilhas de coisas para ler e não suporto vestir os óculos. Degradê. Os números têm cores, os dias da semana e meses têm cores, as letras do alfabeto têm cores, você nunca reparou nisso?

Dia de preguiça e papo-furado

Fez um tempo horrível na semana passada e final de semana. Chuvarada incessante e frio, parece brincadeira, quase no final de abril. Desencavei umas blusas de lã, que já tinha sido guardadas pro próximo inverno. O aquecedor da casa ligou numa dessas manhãs frias. Deu até um desânimo. Mas hoje olhando a previsão do tempo, constatei que essa deve ter sido a última bufada que o inverno deu na nossa cara. Hoje máxima de 23ºC, quinta 26ºC e no final de semana 29ºC! Minha irmã chega aqui em Davis na quarta-feira e já tenho um barbecue meio planejado para o sábado, pois sexta é aniversário do Gabe.

Já começo a pensar na comida. Vou ter duas crianças aqui por duas semanas. Do que eles gostam? O que eles comem? Pra mim, ter crianças em casa envolve algumas mudanças na lista de compras, porque eles comem coisas que nós normalmente não comemos. Mas pelo que a minha irmã me disse, o Fausto e a Catarina comem de tudo.
Sábado no Farmers Market, um friooo, um tempo ruim, fui às compras empunhando a minha sacolinha e cestinha. O negócio de cidade pequena é que você não consegue ir à lugar nenhum sem cruzar com algum amigo ou conhecido—e eu tenho muitos amigos e conheço muita gente! No Market não tem jeito, eu levo o dobro do tempo fazendo compras, pois sempre encontro alguém. No sábado encontrei minha ex-chefe com o marido e um casal de professores que conheci outro dia. Minha ex-chefe estava prestes a ter um colapso físico causado pela obesidade, quando teve uma crise da meia-idade e mudou absolutamente tudo na vida dela: emprego, rotina, relacionamentos e alimentação. Ficou natureba, frequentadora de academia e perdeu sei lá—muitos, muitos quilos. Ficou magérrima e agora, invés de se lambuzar de junk food como fazia antes, come produtos fresquinhos e orgânicos! Um exemplo a ser seguido por muitos. Na saída do mercado, quando compro o peixe, reencontrei o casal de professores e ela disse—você sabe o que é comida boa! Estávamos comprando as mesmas coisas nos mesmos lugares, então respondi com uma piscadela—você também sabe, hein!

Fui comprar uma garrafa de Brandy pra fazer o pudim de croissant no sábado à noite, quando o pessoal despenca nos supermercados da cidade pra comprar snacks e booze para o final de semana. Quando passei minhas comprinhas pelo caixa, incluindo a garrafa de mé, o rapazinho que me atendeu perguntou com uma cara folgazona— o Brandy é pra hoje ou pra amanhã? Mas tem cabimento uma pergunta dessas? Olha bem pra minha cara rapaissszzzzzz! O Brandy é para uma receita—respondi.

Julia comprando verduras

O nome dela é Joanne e ela é amiga antiquíssima da sogra do meu filho. Ela nos recebeu para um thanksgiving na casa dela já faz alguns anos. Naquela ocasião Joanne cozinhou um menu vintage dos anos 50, usando livros da época, que eu folheei numa linda biblioteca que ela tem na cozinha. No papo de hoje, também na cozinha, bebendo champagne e falando de comida, ela começou a contar que o marido tinha sido AMIGO da Julia Child e que tinha TODOS os livros dela. Como ele cozinhava muito e usava os livros o tempo todo, eles estavam todos manchados de vinho, molhos, e começaram a despencar. Ela então descobriu uma pessoa que fazia encadernação e mandou reformar os livros todos. Como surpresa para o marido, ela procurou a Julia Child e pediu que ela autografasse os livros com a dedicatória — “com carinho, para fulano de tal, o melhor cozinheiro do mundo!” e Julia replicou que nem pensar que ela iria escrever “o melhor cozinheiro do mundo”, e escreveu somente “com carinho, para o fulano”, afinal de contas não é qualquer um que pode ter esse título de melhor do mundo, além DELA e mais alguns privilegiados! Joanne também contou que apesar de viver no sul da Califórnia, Julia tinha uma irmã, que ainda está viva, morando em Sausalito e estava sempre aqui pelo norte, onde podia ser vista às vezes comprando legumes e verduras no supermercado local. Joanne também fofocou que Julia bebia, também em cena no seu programa de tevê, por isso ela fazia tanta trapalhice, como derrubar coisas no chão. Eu queria saber mais sobre a Julia Child, mas a conversa rumou pra outras direções, e não consegui mais retornar. Mas depois do almoço eu e a Joanne fomos xeretar a biblioteca da sogra do meu filho, e encontramos muitos exemplares dos livros da Julia, vários deles repetidos, em edições vintage e originais, publicadas nos anos 60, quando ela fazia o seu inovador programa culinário na televisão, The French Chef.

No meio da couve-flor tem a flor, tem a flor

Que além de ser uma flor tem sabor…ôô

O inverno voltou, com ventania. Choveu florzinhas, que caiam de todas as árvores, espalhando uma densa camada de pétalas delicadas pelas ruas. Choveu granizo que, como toda chuva de granizo, atraiu as pessoas às portas e derreteu em minutos. Ventou muito, fez frio e fez sol, confundindo os passantes, que nunca sabem como se vestir apropriadamente nesses dias de transição.

O jantar foi uma fatia de pizza e um kiwi. Corri. Banho. Maquiagem. Brincos que só saem da caixinha em raras ocasiões.

Foi meu único show da temporada de inverno. Digam que foi sorte, ou pauzinhos sutilmente mexidos a meu favor. Eu não ando trabalhando muito no Mondavi Center, porque à noite estou sempre cansada, e quero tentar caminhar e tentar cozinhar, ler, ver um pedaço de filme. Mas me enlistei para trabalhar na apresentação do Gilberto Gil.

Tudo me parecia uma miragem— numa noite fria de primavera em Davis, o ícone da Música Popular Brasileira que embalou nossos anos de adolescência e inicio de vida adulta, bem ali no palco, cabelos grisalhos longos em tranças, túnica e calça branca, cantando Maracatú Atômico. Foi um show longo, delicado e bonito. Fui dormir tarde e estraguei o meu dia seguinte. Mas quem disse que não valeu a pena?

o outro lado

Denny’s, Applebee’s, IHOP, Lyon’s, HomeTown Buffet, Red Lobster, Carrows, Chevy’s, Chili’s, Chipotle, Sizzler, Outback, Fresh Choice, Marie Callender’s, The Old Spaghetti Factory, Olive Garden, Bakers Square… Uma pequena lista de rede de restaurantes que têm algumas coisas em comum: bom preço, pratos fartos e comida massificada. Uma fonte fidedigna [um insider] me contou que nessas redes tudo é congelado e preparado industrialmente, nada, absolutamente nada é feito na hora, from scratch. Tudo vai do freezer para o forno, de pacotes, caixas e esquemas de preparo antecipado pra agilizar e baratear o processo. Quando você vê do balcão o cozinheiro preparando o seu prato ali na hora, e come tudo fresquinho, orgânico, local, preparado com os melhores ingredientes, não dá mais pra enfrentar essa massificação, que infelizmente já virou modelo de comida americana para exportação.

Mas numa bela tarde de domingo o inusitado acontece. Eu queria beber um chocolate e comer umas torradas francesas. Era o nosso café de fechamento do finde, que sempre fazemos em casa, mas o Uriel quis inovar e fazer na rua. Pensamos em ir no Ciocolat, que é uma casa de chá muito boa a três quarteirões de casa. Mas no meio do caminho fica uma Bakers Square, e então eu tive a idéia de girico de tomar nosso café lá. O Uriel foi contra, mas eu teimei!

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Pedimos o cardápio de café da manhã às cinco da tarde. O restaurante estava cheio de velhinhos já jantando. Nesses lugares quem manda é o cliente. Se você quer tomar café da manhã na hora do jantar, será feita a sua vontade. Pedi um prato com as french toasts, que era o que eu queria, mas que de quebra trouxe ovos mexidos e bacon. Uma xícara de chocolate quente, que veio num copão de papel de um litro. O chocolate, um pozinho misturado no leite. Os ovos, saídos de uma caixa de omelete pré-misturada. As french toasts, congeladas. O bacon, pré-frito e requentado no microondas. Pra acompanhar maple “fake” syrup. TUDO, TUDO era industrializado. NADA, NADA tinha gosto de comida caseira, feita na hora. O Uriel com aquela cara de “tá feliz agora??” e eu simplesmente chocada por estar ali, comendo aquela comida plastificada.

Na hora de pagar a conta, fiquei olhando a vitrine das famosas tortas da Bakers Square: açúcar, açúcar, açúcar, açúcar, açúcar, toneladas de açúcar, e chantily falso cheio de conservantes, massa das tortas cheia de gordura vegetal, ou margarina. E por falar em margarina, veio uma bolotona de algo amarelado no meio das minhas french toasts e eu perguntei pro garçon, o que é isso? E ele, é manteiga! MANTEIGA??? Tá boa, hein santa?!

um pão na minha sopa

Foi há tantos anos, eu nem era casada, tinha acabado de entrar na faculdade de psicologia, conhecera um grupinho odara e tinha iniciado uma daquelas terapias inovadoras e alternativas que abundavam na época. Essa era importada da Califórnia e chamava-se Fisher-Hoffman. No primeiro dia me senti incrivelmente perdida e no intervalo para o almoço – que nesse dia teve – fui levada por uma garota para uma república de estudantes hiponguissimos, daquelas onde não tinha geladeira, o sofá era um colchão forrado de panos indianos e os armários eram caixotes de maçã empilhados. A menina ferveu uma água e abriu um envelope de sopa Knorr ou Maggi, daquelas bem ruizinhas sabor canja de galinha. Preparou e serviu em dois pratos, um pra mim, outro pra ela, acompanhados por uma bisnaga de pão francês da fornada de ontem da padoca da esquina. Estávamos sorvendo a sopa e conversando quando chegou um outro habitante da república, um indivíduo realmente espaçado, que na boa, enquanto conversava comigo e com a menina, partia pequenos pedaços do pão que estava na mesa com as mãos, molhava NA MINHA SOPA e comia. Se eu tinha qualquer ilusão ou sonho hiponguitico naquela época, ele deve ter morrido ali mesmo, com aquela magnífica demonstração de displicência. Tive outras experiências absurdetes com comida no grupo do processo Fisher-Hoffman, mas essa foi a mais memorável.

Zen and the Art of Cats Maintenance

Enquanto limpo o banheiro dos gatos reflito sobre a importância de uma areia de boa qualidade para cristalizar bem os xixis, encroquetar bem os cocôs, manter o cheiro suportável e deixar o meu trabalho mais fácil. Com a pá que também é peneira, vou cavocando a areia cheia de granulados azuis e colocando as bolotas fedorentas dentro de vários sacos de supermercado, um dentro do outro. Limpo o que é preciso limpar concentrada e relaxo dando risada com o fulano xereta que vem colocar a cara na caixa aberta e checar curiosamente o que estou fazendo. É um trabalho detestável, mas que eu faço com cuidado e dedicação. E acaba virando um momento de meditação, quando eu posso refletir sobre alguns fatos da vida. Como por exemplo, quando pensamos que estamos sendo espertos economizando dinheiro comprando uma coisa de qualidade inferior, achando que ninguém vai notar, que não vai fazer diferença, que é tudo a mesma coisa – mas não é! Areia pro banheiro dos gatos tem que ter qualidade, senão forma poeira, espalha pela casa toda, intoxica o ar numa fedentina insuportável, o bloco de xixi esfarela e a limpeza fica muito mais difícil e chata. Pode-se também usar o momento da limpeza do banheiro dos gatos para refletir sobre a impermanência de tudo, de como fazemos uma coisa hoje e temos que refazê-la amanhã, ou de como sempre alguém acaba limpando a sujeira do outro, mesmo que o outro seja um animal. O cristal azul quebra a frieza da areia cinza, o cheiro inebria, a textura hipnotiza, a pá que também é peneira faz desenhos circulares, os pedregulhos fecais são escuros e inertes, como, exatamente como, num pequeno e zen jardim japonês.