tudo por um sorvete de figo

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Culpa da Fafah, que deixou um comentário mencionando um tal sorvete de figo. Minha mente obsessiva entrou em modalidade ziriguidum. Não sosseguei enquanto não fiz o sorvete. Felizmente estamos em temporada de figo. Felizmente em moro num estado onde os figos abundam. Felizmente eu tenho acesso à uma árvore de figos. Felizmente pra Fafah também, pois se eu não conseguisse fazer o tal sorvete de figos, certamente ela iria receber mensagens ameaçadoras das minhas lombrigas mafiosas.

Para fazer o sorvete de figo foi super simples. Envolveu apenas algumas etapas que foram facilmente superadas. Primeiro fui dirigindo até a estação experimental de vegetable crops da UC Davis, onde tem uma figueira de ninguém dando sopa e muitos figos. Esses não são dos figos roxinhos, mas da variedade calimyrna, que é verde. Fui até a figueira munida de luvas e cesta, me espichei toda pra colher as frutas mais madurinhas—a árvore estava lotada, então já sei que ainda vou poder voltar lá mais vezes. A estação experimental fica no meio de um poeirão, com greenhouses de um lado, campos de milho e outros legumes do outro. Tem que ir de sapato fechado e tomar cuidado pra não pisar em figos podres e depois pisar na terra e pedregulhos. E tem que lembrar de checar as solas do sapato antes de entrar no carro.

Munida de muitos figos madurinhos, rumei para casa onde
eles foram lavados e despolpados—alguns devorados animalisticamente ali na frente da pia mesmo. Depois fiz uma mistura de 2 xícaras de creme de leite fresco, 1 xícara de leite integral, 3/4 de xícara de açúcar e 2 colheres de chá de essência de baunilha. Misturei bem com o batedor de arame, até o açúcar dissolver completamente. Acrescentei a polpa de vários figos, mexi bem e coloquei na sorveteira.

Olha, não vou nem tentar contabilizar aqui em público a quantidade absurda desse sorvete que eu devorei, enquanto murmurava palavras elogiosas e prazeirosas degustando o creminho gelado impregnado do sabor e das sementinhas de figo. Obrigada pela inspiração Fafah. As lombrigas de pança cheia mandam lembranças!

um desastre sem precedentes

Coloquei a massa da pizza para dar uma pré-assada ligeira e peguei o ônibus espacial para Saturno. Quando regressei à Terra, a massa tinha torrado muito mais que o grau regulamentado pelo FDA. Removi a placa amarronzada da forma e coloquei em cima da pia, já quase dando tudo como perdido. But I ain’t no quitter, no sir! Olhei bem dos dois lados da arga-massa e vi que o centro ainda estava com uma cor razoável, achei que dava pra salvar. Quebrei as partes periféricas e sobrou um centro arrendondado, que emplastei com molho de tomate e salpiquei com bastante queijo mussarela. Coloquei por dois minutos no microondas só pra derreter o queijo e não comprometer a massa. Daí levei ao forno e liguei o broiler, só para dar aquela cara bronzeada para o queijo. Quando abri o forno, três minutos depois, a pizza estava pegando fogo—sim, em chamas! Foi uma correria histérica pra retirar e apagar a forma crepitando em labaredas. Fumacê, gritaria, abalo emocional, frustração.
E agora, melhor ninguém fazer perguntas, tá? Circulando, circulando! Ninguém viu nada, não aconteceu NADA, capito?

as boas compras—ninguém é de ferro!

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Quando participei daquela yard sale onde levei o bolo de figos da Elvira, não vendi quase nada—eu estava vendendo pela Brazil in Davis. Mas imaaaagineee só se eu iria voltar pra casa sem comprar nada! Sou uma gastona, uma compradora compulsiva. Mas pelo menos essas coisinhas foram baratotais. Na verdade nem comprei tudo. A linda colher de pau e a latinha francesa eu ganhei. A toalhinha foi $0,50 cents, o livro $0,25 cents, a cesta foi $1,00 pataca e ainda tem um bowl de cerâmica belíssimo, que não saiu na foto, mas me custou apenas $1,00 green buck e estou usando praticamente todos os dias.

esganada

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ou, lust for life, ou, vivendo como se não houvesse um amanhã, ou, será que um dia me arrependerei disso?

Comigo é tudo aqui & agora. Eu não poupo, não economizo, não sou do tipo moderado. Se tem gostosuras, eu como. Se tem bebidinhas, eu bebo. Sabonetes cheirosos e caros vão pro uso. Perfumes são espirrados aos montes, sem comedimento. Roupas compradas hoje são usadas hoje mesmo, ou o mais tardar amanhã. Sapatos são gastos conforme a vontade e a necessidade. As iguarias são devoradas, coisas novas e diferentes compradas, a grana é pra gastar, não consigo passar vontade.

Eu sou assim esganada, não guardo dinheiro, não guardo nada, todas as roupas que eu tenho são para serem usadas, não tenho nada especial reservado numa caixinha dourada, minhas bijous simplórias são guardadas em latinhas de pastilhas e caixas de sabonete, não tenho ouro, nem prata, nem roupas de seda. Como e bebo até passar a vontade, faço as coisas que quero fazer, mesmo quando uma vozinha me aconselha o contrário. Sou espontânea, sincera e arrebatada. Adoro comprar e dar presentes. Choro na hora que o choro borbulha, escandalosamente, não importa onde eu esteja. Dou risada na hora que o riso explode, posso estar onde for. Passo vergonhas monstruosas por causa disso, mas nem penso em tentar me controlar. Não dá.

Quando olho para a vida de pessoas com poupança no banco, vida organizada, tudo meticulosamente planejado, me sinto um ser selvagem, que só se preocupa em satisfazer as necessidades básicas, sem pensar muito no depois. Na verdade, nem é tanto assim, mas é quase.

O homem do garfo

Me contaram que ele adora comer. Mas não parece, quer dizer, eu não vejo ele comendo, nem andando pelo local com bolachinhas nas mãos e a boca cheia de farelo. Vejo sim ele segurando uma caneca de cerâmica artesanal sempre cheia de café com leite. Mas a caracteristica principal dele é ser engraçado pacas! Me contaram também que ele é o “punster” do local, tem sido por mais de vinte e cinco anos. Eu saquei isso rapidinho, antes mesmo de alguém me dizer qualquer coisa, pois toda vez que ele aparece na minha frente eu começo a rir. É a entonação da voz, as palavras usadas e, é claro, o humor peculiar. Isso é uma coisa que já vem embutida no DNA, ninguém se transforma numa pessoa espirituosa e sagaz, tem que ter nascido com os genes.

Então noutro dia, no meio de uma reunião, ele começou a contar o causo mais delirantemente divertido que eu já ouvi nos últimos meses. Era um roteiro de filme pastelão, totalmente Buster Keaton, onde ele fica preso na biblioteca pública à noite. Foi depois de um encontro mensal do clube dos aviadores da região. Quando tudo terminou ele resolveu ir ao banheiro. Ninguém notou a ausência dele e foram embora, trancaram a porta e jogaram a chave na caixa do correio. E ele ficou lá dentro. Todo mundo chorava de rir com o jeito que ele contou a história, que mesmo se tivesse sido contada por uma pessoa comum teria sido engraçada. Eu ria em dobro, pois tinha notado um detalhe extra que ninguém notou: enquanto ele falava empolgadamente segurando a tal xícara de café com leite, UM GARFO de metal prateado saltava à vista, sobressaindo-se enquanto fazia companhia para algumas canetas e lápis, no bolso da camisa.

Ashima Ganguli fez o jantar

Contar sonho em blog é pior que fazer lista, o famoso enche linguiça. Mas nem todo sonho é cinematográfico ou tem um tema culinário, então vou deixar meus brios de lado e dizer que perdi hora pela manhã por causa de um sonho desses. Eu sonho muito, desde que era criança, e lembro de todos os micro detalhes quando acordo. Mas nem sempre meus sonhos são agradáveis ou pândegos, geralmente eles conseguem mudar o meu humor ou estragar o meu dia. Meu mundo onírico tem muitas semelhanças com filmes como os de Tim Burton ou do Terry Gilliam. Nesta manhã, porém, sonhei um misto de Woody Allen com Mira Nair. Na realidade o Uriel convidou um colega professor e sua esposa para jantar aqui em casa no próximo sábado. Eles são indianos e vegetarianos. O Uriel mencionou a possível presença de um dos filhos. São dois já adultos, génios da computação. Cogitamos convidar também o Gabriel. E fiquei pensando no que vou cozinhar, um cardápio brasileiro veggie. Fui dormir e sonhei que estávamos em casa num sábado qualquer, relaxados e despreocupados, quando de repente bateram na porta. Era o casal indiano, mais os dois filhos. Os filhos eram mini-adultos se comportando [horrívelmente] como crianças mimadas. O casal era Ashoke e Ashima Ganguli, personagens do filme The Namesake [Nome de Família] da Mira Nair. Pânico total, não por eles serem o Ashoke e a Ashima, mas por terem vindo jantar na nossa casa no dia errado! Eu fiquei paralisada, enquanto a Ashima tomava as rédeas e dizia, não te preocupas, eu te ajudo. E se pôs a cozinhar na minha cozinha, que ficou perfumada de cheiros indianos e cheia de fumacê de algumas frituras que ela fazia nas panelas. Vi ela dissolver um molho vermelho, fritar samosas, fazer chapatis. Eu estava envergonhadíssima, pelo fato de estar despreparada e não ter muitos ingredientes disponíveis. Mas Ashima nem tchuns, e continuou improvisando e fazendo rangos e mais rangos. Em breve corri desajeitadamente para arrumar a mesa e nos sentamos para degustar uma fartura de pratos feitos pela minha convidada. O resto do sonho se desenvolveu como sketches de programa humoristico, onde personagens que faziam vizinhos ou conhecidos riam da minha situação enternecedora: convidou Ashoke e Ashima Ganguli para jantar e foi Ashima quem cozinhou.

Meu passado me condena

Aniversários são datas empolgantes para pessoas que gostam e sabem como assar um bolo. Pra mim sempre foram datas de sacrifício, desgaste, estresse e humilhação. No aniversário de dois anos do meu filho inventei de fazer um bolo de chocolate. Não tive ânimo de buscar uma foto para ilustrar a tragédia, que pode muito bem passar sem a imagem constrangedora de uma amassarocado de cor marrom, torto e desnivelado, lambuzado e melecado de brigadeiro mole e pegajoso e salpicado aleatóriamente com balinhas coloridas de goma. Felizmente ninguém fez nenhum comentário e até que comeram fatias do desmilinguido bolo. O importante é que o Gabriel aproveitou muito a sua festinha e saiu em todas as fotos com o seu sorrisão feliz. Depois dessa fiquei anos sem fazer bolo por muito tempo, se bem que a atmosfera inebriante dos aniversários ainda me fez cair em algumas armadilhas. Anos atrás resolvi que tinha que superar esse trauma e sentimento de incapacidade. Munida de uma infalível receita da minha melhor amiga, a Marthinha Heleninha Kostyraa, fiz num cuidadoso passo-a-passo um bolo de aniversário, mesmo não sendo aniversário de ninguém. Fiquei tão abobalhada com o resultado positivo, do que posso chamar de meu primeiro bolo, que fiz a receita novamente para o aniversário de uma amiga. Meus arroubos bolísticos são bem raros. Hoje eu sei que consigo fazer um bolo de aniversário semi-decente, se me concentrar e usar uma receita detalhada e testada. O duro é quando resolvo inventar moda, como fiz no aniversário de trinta e cinco anos do Uriel. Eu deveria ter queimado a prova do crime, mas resolvi confessar abertamente—o passado me condena.

o cafona

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O grande equívoco gastronômico do século 20—melão com presunto. Uma aberração que virou uma mania internacional e um símbolo de chiqueresa e fineza durante praticamente duas décadas. Fiz uma cara de repugnância quando serviram melão com presunto no café da manhã de um bed & breakfast onde me hospedei uma vez no Rio de Janeiro. Sei lá, não fui com as fuças daquilo. Mas com o tempo vamos aprendendo a relevar e a memória dos horrores da mesa vai se apagando, até que resolvemos reinventar ou dar uma segunda chance para o indigníssimo prato. No caso do melão com presunto, bati definitivamente o martelo com o veredito de culpado. O delinquente deve ser condenato ao ostracismo, sem direito a apelação.
Outras comidas infâmes cujas receitas foram adaptadas, viraram moda e foram consideradas chiques, depois amaldiçoadas e finalmente resgatadas e ressuscitadas em nostálgicos revivals: estrogobofe de carne, frango ou camarão com molho de catchup e creme de leite—felizmente não inventaram o gobofe de porco—cocktail de camarão, aspic de legumes, salpicão de frango com abacaxi, surpresa de atum, hors d’oeuvre de salsicha, queijo e azeitona, pastinha de sopa de cebola com creme de leite, crepe suzette, charlotte russe, fundue de chocolate, eteceterá, eteceterá…

O sabor de cada um

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A inconveniência dos dias quentes é a grande desculpa para que eu jogue as panelas e frigideiras para os ares, ignore minhas 687906543 mil fontes de receitas e me acomode no conforto da simplicidade e da improvisação. Essa é uma excelente oportunidade de saborear os alimentos na sua maior intensidade. Imaginem uma refeição onde cada prato contém apenas um ingrediente, maximizado e concentrado, onde nada mais que uns frugais temperinhos influem no resultado final. Pra mim isso é a essência do verão.

Dois peitos de franguete orgânico temperados com suco e raspas de um limão verde, pimenta vermelha em pó, sal grosso e uma dose de tequila, e assados na churrasqueira. Duas abobrinhas amarelas, cortadas ao meio, retirada as sementes, temperadas com sal, pimenta do reino e azeite, a assadas na churrasqueira. Salpicadas com ciboulettes picadinhas antes de servir. Uma salada de folhas verdes e ervas, temperada com sal, pimenta do reino, azeite e suco de limão. Milhos amarelos e tenros cozidos na água e sal. Uma baguete de pão francês fresquinho com manteiga caseira. Sobremesa: melão em fatias, framboesas e red currants frescas.

Comemos como se estívessemos diante de um banquete pantagruélico. Foi uma orgia de sabores puros e simples, que pudemos degustar sem interferências ou intrusões. Cada sabor, único. Nenhum alimento foi dominado, nenhum se subjulgou. Foi uma refeição equilibrada, sem distinções ou privilégios, onde cada sabor se sobressaiu por suas próprias qualidades. Tudo isso é uma ótima desculpa pra não cozinhar, não é? Ôoo, se é!

minha cozinha social

Tenho memórias de muitas cozinhas, tanto nas diversas casas que morei durante a infância e adolescência, quanto nas minhas moradas de pessoa jovem casada com filho. Na minha primeira casa de pessoa jovem casada com filho, a geladeira era bem pequena, o chão era cor de ferrugem e as paredes tinham azulejos decorados com tons de beige e marrom. A pia tinha um tampo de mámore cor de gelo e era pequena e baixa para a minha altura. Eu sempre ficava com a barriga molhada enquanto lavava coisas. O fogão era o mais chique, presente de casamento que destoava de tudo mais. Nessa cozinha pequena eu fiz muita comida ruim, joguei muita comida fora, lembro de um frango inteiro indo pro lixo, pois achei que o cheiro estava estranho. Nessa cozinha eu fazia as papinhas de legumes sem carne pro Gabriel e ele comia sentado num cadeirão. Um dia eu fui pra universidade e esqueci no fogo uma leiteira com água esquentando uma mamadeira. Estava no meio da aula quando me deu um click. Voei aos passos triplos pelas ruas, correndo como uma enlouquecida. Cheguei em casa esbaforida e cega de pavor e encontrei a panela ainda no fogo, chiando. A base da mamadeira derreteu e a leiteira ficou imprestável, mas a casa não pegou fogo. Ali uma vez eu cozinhei feijão numa das centenas de infrutiferas tentativas de fazer um feijão bom. Deixei a vasilha esfriando em cima da mesa e o Gabriel foi lá e virou tudo no chão cor de ferrugem. Era tarde da noite, o guri acordado aprontando todas, um disco da Yoko Ono tocando e eu lavando o chão, louca da vida e rindo ao mesmo tempo, porque as crianças às vezes fazem a gente rir nas horas mais insólitas. Era um prédio de quatro apartamentos por andar, um de frente pro outro, as portas da frente e as cozinhas. Da janela da minha cozinha eu via a cozinha do vizinho, que era um jogador do Guarani Futebol Clube chamado Banana. Apelido Banana, pois acredito que ele deveria ter um nome normal como Sérgio Wanderlei ou Márcio Roberto. Pois naquele ano o Guarani estava na crista da onda e o Banana estava deslumbradão e pimpão com a possibilidade de “make it big”, ganhar muitos milhares de Cruzeiros, ficar famoso, sair na capa da revista Contigo. Enquanto eu cozinhava minhas gororobas destinadas ao lixo, as papinhas do Gabriel ou lavava as louçinhas, ouvia o Banana bradar lá do outro lado do edifício, pra mulher dele que cozinhava, o que ele iria fazer com a grana que estava entrando. Abraçava a mulher, olhando de soslaio pra ver se eu estava ali na minha cozinha para poder ouví-lo—MULHER, PREPARE-SE POIS VOU TE COMPRAR UM ANEL DE DIAMANTES! Um diamante é para sempre, mas a onda de sorte e prosperidade do Guarani e do Banana não parece ter durado muito.