if you’re snappy and you know it, wash your hands

Sempre que passo pelo dispositivo com toalhinhas desinfetantes que fica na porta de alguns supermercados, meu super-ego dominador e maníaco sente-se completamente vitorioso e realizado. Confesso aqui publicamente que aprovo essa idéia das pessoas poderem desinfetar seus carrinhos e cestinhas.

Anos atrás eu convivi com uma germ free freak. Ela era obcecada ao ponto do irracional. Para descrevê-la exatamente, eu teria que caricatura-la vestida de super herói com um tubo de toalhinhas e outro de spray desinfetante pendurados um de cada lado do seu cinto de super-utilidades. Ela era a paladina da limpeza, a líder na incansável guerra contra os germes e bactérias. Ela me irritava. Eu sempre pensava—onde vamos chegar com isso? à uma sociedade totalmente esterilizada, todos vestindo roupas anti-germes, luvas, máscaras, espirrando desinfetante em tudo? como vamos sobreviver à uma simples gripe num mundo imaculado como esse?

Apesar disso, eu tenho as minhas neuras. E uma delas é a de lavar as mãos frequentemente. Pode ser um pouco exagerado, mas não é por medo de germes, é simplesmente por nojo. Vocês já pensaram na quantidade de fluído corporal que é espalhado copiosamente a cada segundo nos ambientes de uso público? Maçanetas e puxadores de portas, barras de ferro nos ónibus e metrô, portas de banheiros, bancos de sala de espera, telefones, eteceterá? Eu penso nisso e me previno. Lavo minhas mãos quando posso. E acredito que esse hábito meio exagerado me ajuda a não ficar sempre doente, com gripes e resfriados, como acontece com meio mundo que eu conheço.

Por isso aplaudo silenciosamente a fabulosa idéia de poder limpar o guidão do carrinho ou a cestinha que vou carregar no supermercado. Não aprovo de maneira alguma essa tendência histérica de nos transformar em obcecados, mergulhando tudo o que tocamos em baldes com cloro. Mas putsz grila, você já pensou na imensidade de fluídos corporais alheios, ressecados e praticamente invisíveis, com que convivemos desavisados e insuspeitos todo santo-dia?

passa-tempo

Porque estamos surfando outra ondaça de calor, o que faz a minha cozinha ficar bem improdutiva, somado à tonelada de trabalho que empilha-se no meu desktop, decidi convidar todos para um passeio arqueológico pelas catacumbas de ChuKruntkhamun (King Chukrutut). Divirtam-se.
Love me Tender—uma receita querida, como lembrança do Rei Pelvis.
Gadgets Galore—um desfile de utilidades & inutilidades imprescindíveis.
Minhas Madeleines—reminiscências proustianas de uma Guimarães Rosa.
Sopa Cremosa de Cogumelos—a receitinha que encantou o meu irmão.
Pistacho, Pistacho—fotos reveladoras.
Oi!—porque fotos com o Roux sempre alegram o ambiente.

eu não acredito em dona Benta

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Eu não acredito em saci pererê, nem na mula sem cabeça, ou no boto cor-de-rosa, nem na bruxa de oz, e muito menos na dona Benta. Como vou acreditar numa mulher que não existe? Que dá seu nome para um livro sem autores. Que é também marca de farinha. E avó de personagem de ficção. Faz-me o favor, hein?

Eu tenho o livro da dona Benta e já fiz algumas receitas, mas se vocês forem parar pra analisar aquilo é uma compilação de receitas de domínio público, sem muito detalhe, porque sem autor, não se pode dar bandeira.

Quis fazer um bolo [outro] de milho pra gastar a milharada que se empilha de maneira crescente na gaveta da geladeira. Quando vi essa receita pensei imediatamente—tá pra mim! Bate tudo no liquidificador e assar. Iuuru! Mas quando comecei a misturar os ingredientes, fiquei procurando a farinha. Não ia farinha. Tudo bem. Mas só com ovo, leite e creme de milho não ia dar consistência de bolo. E não deu.

Outra coisa irritante no livrão da dona Benta é a displicência das receitas. Nenhuma tem temperatura de forno, nem tempo de forno. É assim, põe lá e assa. Coisa pra gente batuta, não pra cozinheiras descabeladas como eu.

O bolo virou um belo pudim. Não ficou nem um pouco ruim e eu recomendo que se coma frio e no dia seguinte. Paciência é tudo nessa vida. Usei o melhor ovo, o melhor leite, o melhor milho, a melhor manteiga, o melhor açúcar. E assei sem saber por quanto tempo num forno médio. Sabe assim, nem muito quente, nem muito morno. Tudo muito etéreo, como o universo encantado da dona Benta.

o pão das nossas vidas

Já estava escuro, mas ainda estávamos sentados na grama bebericando vinho e conversando. Foi quando ela chegou e me contou a história mais bonita, de como andava fazendo pães—um por dia, todos os dias. Ela descreveu o processo, de como começava com os primeiros passos logo pela manhã. Misturar os ingredientes, sovar, sovar, sovar, sovar, deixar crescer, assar, o perfume impregnando a casa e o final, com o melhor pão de todos, o mais simples. A receita: água, farinha, fermento e sal. Com gestos e sorrisos ela explicou como fazer pão traz satisfação, restaura as energias, complementa e dá prazer. Sempre que converso sobre a arte de fazer pão, me lembro da epifania que tive lendo Thoreau. Nunca mais me esqueci da sensação envolvente de calor e conforto que aqueles parágrafos de Walden me proporcionaram. Uma impressão que ficou para sempre e que volta e meia é despertada como um grande bafejo de inspiração.

snifff

Tive uma certa inveja de uma pessoa que conheci anos atrás. Não me lembro exatamente porque, mas ela tinha perdido o olfato. Quando fiquei sabendo disso, imaginei as possibilidades de uma existência sem precisar e poder sentir cheiros. A idéia me conquistou.

Só pra ilustrar, eu tenho uma cara de Ana Magnani que incluí aquele nariz dramático caracteristico. Eu acho que a napa influí bastante na minha habilidade de cheirar, pois muitas vezes tamanho é documento. O nariz não é feio e combina comigo, pois não sou num tipo mignon. Mas o problema é que somado ao narigão, eu tenho um olfato super-hiper sensível e sinto o cheiro de absolutamente tudo.

Muitas vezes estou reclamando de um fedor qualquer e o Uriel está olhando pra mim com aquela cara de patzo, como que não está entendendo o motivo de tanta algazarra. Ele não sente os mesmos cheiros que eu sinto.
E o mundo é um povoado extremamente fedorento. Tem dias que eu penso na mulher sem olfato e desejo ardentemente ser como ela. Assim eu não precisaria cheirar tanto cheiro repugnante. Eu sinto o ar empestiado de bosta de vaca quando o vento sopra de um determinado jeito e traz pro meu lado a caatinga dos estábulos da UC Davis. E é tanto chulé, sovaqueira, bafão. Já passei pelo amargura de trabalhar com alguém que retocava o perfume de gardênia a cada meia hora. E com outro alguém que não depilava o sovaco e não usava desodorante por questão religiosa ou cultural e conviveu dois longos verões comigo. Cheiro de xixi de gato, de cocô de gente, de bodum, de lixo, de comida podre, de naftalina, de gente que cheira estranho—pois não tem gente que cheira estranho? E cheiro de mofo, de revista velha, de garage sale, cheiro de pum, cheiro de cachorro molhado, cheiro de carpete de restaurante, de sabonete vagabundo, de foto velha, de casaco guardado no armário.

Meu olfato é tão aguçado que eu sinto o cheiro das máquinas, dos pistachos, dos computadores, dos laboratórios nas roupas do Uriel. Muitas vezes é tudo tão insuportável, que eu arriscaria perder a capacidade de sentir o cheiro da brisa, da chuva, da terra, do sol, do pão assando e das frutas, flores e plantas, só pra viver confortavelmente na ignorância do quanto esse nosso mundo é fétido!

*este texto foi escrito em 2001 para o The Chatterbox e reciclado para ser publicado aqui.

**disclaimer: eu gosto de escrever e quando tenho uma idéia que acho legal desenvolvo e transformo num texto. acho que dá pra perceber que um texto é apenas um texto, não? eu não quero perder o olfato, nem intenciono fazer uma operação pra isso. tenho muita compaixão pelos que sofrem de alguma incapacidade física, mas isso é um texto, apenas um texto.

Comida em movimento

Vi uma cena que achei que nunca veria: um rapaz pedalando uma bicicleta pelo campus e almoçando ao mesmo tempo—prato numa mão, garfo na outra, pés pedalando, pedalando, boca mastigando, mastigando.

Posso considerar isso uma evolução no campo da fast food e um aperfeiçoamento nas habilidades dos praticantes do prato ambulante. Antes só precisava ser capaz de caminhar com um certo equilibrio para manter o prato e o garfo em posição e seguir em frente, e isso até eu faço. Mas comer em cima de uma bicicleta em movimento exige um talento notável, coisa pra profissionais do circo.

one-track mind

Acontece frequentemente comigo, porque eu estou sempre obcecada por algum assunto. Ninguém precisa realmente ficar sabendo qualé o babado. Mas essa é outra característica do tipo bitolado: não conseguir ficar calado quando se trata do seu assunto favorito. Anos atrás eu falava sobre blogs para uma platéia paralisada com aquele sorriso amarelo na cara e um ponto de interrogação na testa. Dava pra perceber que estavam todos pensando sériamente, já em estado de pânico, em fugir correndo pra bem longe daquela pessoa que com certeza falava sobre alguma doença infecciosa e contagiosa—blog? coisa boa que não pode ser.

Me dediquei com afinco à fazer um sorvete de baunilha. Não qualquer baunilha, mas a baunilha fresquinha do Taiti, que eu cortei ao meio e raspei, esquentei por uns minutos no melhor creme de leite fresco e orgânico que pude encontrar e deixei em infusão na geladeira até o dia seguinte. Preparei o melhor sorvete de baunilha que pude preparar para levar ao chá de bebê de uma pessoa muito fofa, que vai ter sua filhinha no meio de setembro. Todo mundo levou uma coisinha, comprada ou feita em casa, nem tudo from scratch, mas tudo preparado com amor e carinho. Eu cheguei carregando um cooler com duas variedades de sorvete de baunilha. Não qualquer baunilha, mas aquela baunilha fresquinha do Taiti. Fiz um mais doce, outro menos doce e com a adição de uma colherzinha de chá de pasta de baunilha.

O problema não é o que eu preparo, mas a minha total obsessão por tudo o que eu faço, o que inclui o tal blog de culinária. Estou ficando seriamente tapada. Vejam só, eu só falo sobre COMIDA. Em qualquer encontro ou evento social, lá estou eu falando sobre comida. Eu falo sobre comida até com o meu marido, que não sabe fritar um ovo, mas sorri gentilmente e até dá palpites. Com ele tudo bem, estou em casa. Mas em outros lugares, preciso ir com cuidado, porque eu acabo entediando as pessoas, especialmente as que não cozinham e não estão nem aí pro assunto de comida.

Fui ao chá de bebê e já cheguei explicando que tinha feito um sorvete de baunilha, mas que não era com qualquer baunilha, mas sim a baunilha fresquinha do Taiti. E pra quem fez cara que não entendeu, eu entrei em detalhes: não tinha usado o extrato liquido, mas sim a fava, fresquinha, do Taiti. Depois tive obviamente que frisar que era tudo orgânico e que a receita era do David Lebovitz. As caras que me olhavam enquanto eu descrevia os detalhes sorriam educadamente, mas demostravam sinais visíveis de que o meu assunto não estava fazendo muito sucesso.

Se eu tiver a oportunidade, vou falar abusivamente sobre comida, com detalhes dos ingredientes, dizer que é tudo orgânico—essa parte é imprescindível, e se sobrar tempo vou dizer que a receita está no meu BLOG, um blog de culinária, preciso sempre sublinhar. Se alguém morde a isca e pergunta onde, eu já disparo rapidinha a frase apoteótica—DÁBLIU-DÁBLIU-DÁBLIU CHUCRUTE COM SALSICHA [TUDO JUNTO] PONTO COM.

a hora e a vez do bolo

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Quando me dá aquela vontade de comer algo gostoso lá pelas três da tarde, eu caminho até a Coffee House da UC Davis e invisto $1.25 numa fatia de bolo. Não é qualquer fatia de bolo, mas um bolo, aquele bolo, o bolo especial, que pra mim é bem parecido com o bolo feito em casa—feito por alguém com mão boa pra fazer bolo. Eles não têm nada de especial, são branco, com poppy seeds, ou com limão, com purê de maçã, de chocolate, receita especial da tia de alguém, sempre com uma cobertura de açúcar e manteiga, que eu cuidadosamente romovo com o garfo antes de comer. Eu adoro esses bolos, porque eles são feitos from scratch pelos estudantes que trabalham na Coffee House, com ingredientes locais e fresquinhos. Pra mim é sem dúvida o melhor bolo da cidade! A Coffee House tem um profile bem interessante, pois é administrada por estudantes, que fazem de tudo, desde organizar o cardápio, fazer a comida e vendê-la diáriamente para os milhares de outros estudantes que passam por lá. A CH consome toneladas de ingredientes fresquinhos adquiridos de business locais. A fazenda da UC Davis, onde eu pego meus legumes e verduras orgânicos semanalmente, é um dos fornecedores.
A hora do bolo é uma hora auspiciosa. Caminho até a Coffee House, escolho o bolo, volto caminhando, removendo a cobertura e devorando o bolo fofinho e macio, no mais popular estilo dos pratos ambulantes. Quando chego no meu prédio, com o prato vazio, apenas o garfo e o creme da cobertura amassarocado num canto, estou feliz, extremamente feliz!

para beber com os amigos

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Fomos ao restaurante italiano com os dois casais de professores espanhóis. Foi interessante ouvir os comentários deles sobre a comida. Sem empáfia nenhuma, somente com aquele conhecimento de quem viaja muito, por ter mais facilidade para viajar. Nós, habitantes do vasto continente americano, ficamos embasbacados com a possibilidade de dirigir por algumas horas e mudar de país. Aqui levamos o mesmo tempo para cruzar um estado. Os espanhóis podem facilmente comer comida italiana na Itália, o que é bem diferente de comer comida italiana aqui. Mas eles gostaram, overall. Eu sugeri um vinho zinfandel para acompanhar as massas, somente porque é uma variedade muito comum na Califórnia. Na hora da sobremesa, ao invés de pedir aqueles doces meia-boca de sempre, resolvemos pegar doces caprichados do Ciocolat e degustá-los em casa, acompanhado de alguma bebida. No meu esquemão, já fui sugerindo um café, um chá? As caras não disfarçaram um muxoxo. Ah, mas vamos tomar um Porto. As faces alegraram-se. Bebericaram Porto , Amarula e Pinga de Banana. Eu fui de Pastis e o Uriel de Ginger Beer [ele não bebe mais álcool]. Um encontro assim animado, no meio da semana, não é muito comum. Conversamos muito, o Roux tentou fazer amizade com todos, até com quem disse na bucha que não gostava de gatos [taí a prova de que ele é uma criatura não muito inteligente]. Falamos até de política. O casal mais velho chegou em Davis pra fazer seu doutorado durante o Summer of Love—quarenta anos atrás. Ele nos contou algumas coisas engraçadas. Depois confessou que tinha três detalhes no seu currículo acadêmico dos quais ele não se orgulhava muito.
—meu diploma de graduação assinado por Francisco Franco; meu diploma de mestrado assinado também pelo Francisco Franco; e meu diploma de doutorado assinado pelo Ronaldo Regan!
—Ha Ha Ha Ha!
—Salud! Tin-tin! Cheers!

que se revela pela distinção

Reunir é bom, aproxima mais os colegas de trabalho, especialmente porque estamos divididos em dois grupos e sitiados em locais diferentes. No meio do campus fica o pessoal da web, onde eu me incluo. E no que chamamos de fazenda, fica o pessoal da publicação, os escritores técnicos, que preparam todo o material que sustenta o website. Por isso temos uma reunião bimestral, que eu estou incumbida de organizar, quando podemos nos sentar para discutir os pequenos enroscos dessa transição do papel para a web. O negócio é que eu peguei uma total antipatia desse evento. Fico tremendamente exausta com os debates extra-super-micro-hiper minuciosos sobre coisas muitas vezes óbvio ululantes pro grupo da web, mas que pro pessoal da publicação é um bicho de sete cabeças. Uma das escritoras é especialmente chata. Ela me causa temor, porque é sempre a do contra, a que acha entrave nas situações já resolvidas e tem as dúvidas mais non sense. A reunião for desmarcada duas vezes por causa dela. Quando finalmente nos sentamos em volta da mesa da sala de conferências, ela já foi avisando que detestava esses encontros matinais e por ter madrugado, desculpava-se, mas teria que tomar seu café ali mesmo na nossa frente. Eu já fiquei de cabelo em pé—ela vai comer durante a reunião? Essa é uma atitude muito comum nos ambientes de trabalho aqui na norte América, mas eu não consigo tolerar nada mais que xícaras de chá, garrafas de água ou latinhas de diet Pepsi. Por ser uma estressadinha, já fui acumulando uma irritação extra, pela iminência dos sluuuurppp, sleeeerrp, crackcrokcrunck e shurrrllffppff durante as discussões infinitas. Meu ânimo, já sóbrio, submergiu num crescente e desgostoso pesar.

Acho que ninguém realmente reparou. Só mesmo eu, porque estava de olhão em cada movimento, me preparando para o pior. Ela tirou uma garrafa térmica enorme de dentro de uma bolsa que estava no chão e encheu uma caneca também térmica com café num movimento quase tão gracioso como o de um balé. Não se ouviu um “chi”. Depois, num movimento ainda mais discreto, que nem eu que estava olhando vi, uma vasilha de plástico apareceu sobre a mesa. Nela, uma boa quantidade do que eu concluí ser iogurte natural misturado com pedaços enormes do que me pareceu ser pêssego—eu tentava não encarar muito. Uma colher saiu de não sei onde e ela fez seu desjejum durante a reunião, sem chamar a atenção, sem fazer barulho, sem se lambuzar, sem sujar nem respingar nada, nem falar com a boca cheia de comida, nem mesmo o batom cor de chocolate perdeu o brilho. Tudo muito impecável, com muita classe e finesse, num comportamento exemplar de comer em público.

*Se outros pudessem seguir esse bom exemplo….