um ano sem safra

Leitores antigos do Chucrute podem estar coçando o queixo e se perguntando por que eu ainda não comentei absolutamente nada sobre as colheitas de verão no meu quintal: as nectarinas e os tomates. Bom, desta vez não tivemos safra e vou explicar detalhadamente os motivos.

Este ano o Uriel resolveu podar a árvore de nectarinas, que estava com galhos muito compridos tendo que ser amparados por vigas de madeira, porque o tronco não é ainda robusto o suficiente para sustentá-los. Com a poda—que eu achei exagerada, mas ele disse ter sido necessária—perdeu-se muitas flores e com elas foram-se os frutos. As que sobraram sofreram ataques contínuos, primeiro por uma dessas doenças que danificam as folhas, depois pelos habitantes alienigenas do meu quintal. Normalmente somente os audaciosos e agressivos blue jays davam suas bicadas nas frutas, mas neste ano a invasão de criaturas famintas foi devastadora. Tivemos visitas constantes de esquilos, lebres e ratos selvagens, mandando bala em tudo que encontraram pela frente. As poucas nectarinas que sobreviveram à poda e à doença, frutificaram e cresceram para serem completamente devoradas pelos seres invasores. Eu ainda consegui ver algumas penduradas na árvore, parcialmente mordidas e depois só encontrei caroços espalhados pelo chão do quintal. O mesmo aconteceu com os dois pés de pêssegos, cujas poucas frutinhas desapareceram como num passe de mágica.

esquilo-freak

—mãos ao alto aí, mocréia! e vai passando todos os tomates pra cá, rapidinho, rapidinho, perdeu prayboy, perdeu, perdeu!

Mas o maior estrago e a maior frustração aconteceu na horta, com os tomateiros. Plantei quatro pés, compro mudas orgânicas de heirlooms e fico na maior expectativa. Este ano plantei também dois pézinhos de berinjela, uma japonesa a outra branca. Consegui colher uma berinjelinha e alguns tomatinhos pera. O resto não deu tempo nem de amadurecer. Um tomate verde que eu via ali num pé, no outro dia já não estava mais. Fui ficando realmente irritada, frustrada e desolada, pois não quero assassinar criaturas no meu quintal e não tenho tempo de ficar vigiando pra pegar meliantes no flagra. O ideal seria colocar uma tela em volta das plantas, mas não vi nenhuma possibilidade de fazer isso num espaço tão pequeno como o da a minha horta. Depois de chorar lágrimas de ódio pelos tomates sumidos e pelos tomateiros semi-destruídos, eu simplesmente desisti, joguei a toalha, deitei tudo a perder e enfurecida declarei aos berros no meio do quintal—VÃO EM FRENTE, COMAM TUDO, A HORTA FOI DOMINADA E CONQUISTADA, VOCÊS VENCERAM, FOFURAS MALDITAS!

good bye dear tomato
good bye dear tomato

Casquei fora e deixei tudo lá, matagal crescendo, tomateiros cheios de galhos quebrados, pés de berinjela destruídos, nem a menta chocolate conseguiu fazer bonito neste ano. Enquanto eu não tomar coragem pra pegar em armas, explosivos e venenos, ou a bicharada não encontrar outro quintal para se fartar, me rendo. Talvez no próximo ano eu tenha mais sorte.

açúcar com sabores

sugar flavorQuando fiz esse sorvete de morango com lavanda, tive a idéia de refazer o açúcar que gastei. Não tem nenhum segredo, é só misturar mais ou menos uma xícara de açúcar da sua preferência com uma colher de sopa de flores de lavanda, misturar bem e guardar. Eu já faço o açúcar de baunilha há muitos anos, reaproveitando as favas usadas em receitas, que eu seco e coloco direto no açúcareiro ou no pote onde guardo o açúcar. Faço com vários tipos de açúcar— o demerara, o mascavo, a rapadura e o branco comum. Da baunilha e lavanda foi um pulinho para fazer o açúcar de limão [e de laranja em breve] e o de gerânio rosa. O de limão foi só raspar as casquinhas bem fininhas [eu uso um ralador microplane] e deixar secar de um dia para o outro, então misturar com o açúcar: uma xícara de açúcar e raspas de um limão. E o de gerânio foi só lavar as folhinhas, deixar secar rapidamente e fazer camadas no potinho: folhas e açúcar intercalados. Ficam açúcares perfumadíssimos para se usar como quiser, adoçando chá, limonada, fazendo calda, no sorvete, no chantilly, no bolo, eteceteráeteceterá.

gazpacho de berinjela

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Da edição de julho de 2009 da revista Bon Appétit saiu esse gazpacho diferente, feito com berinjela. Usei duas unidades pequenas dessas simpáticas rajadas grelhadas na churrasqueira, que é onde eu faço a maioria nos legumes durante os meses calorentos do verão. Ficou uma sopa muitíssimo saborosa e interessante, nós aprovamos.

Serve 8 pessoas
2 berinjelas grandes cortadas ao meio
5 colheres de sopa de azeite de oliva
4 tomates grandes e maduros cortados em quatro
2 cebolas médias picadinhas
2 dentes de alho picadinhos
3/4 de colher de chá de cominho em pó
1/8 de colher de chá de pimenta cayenne
3/4 xícara de iogurte integral
1/2 xícara de suco de limão
1/4 xícara de tahini [pasta de gergelim]
2 xícaras de água
Azeite extra na hora de servir

Pré-aqueça o forno em 325ºF/ 162ºC. Pincele as berinjelas com azeite e salpique com sal e pimenta. Coloque as berinjelas com a parte cortada para baixo numa forma forrada com papel alumínio. *Eu pulei esse processo, fazendo na churrasqueira. Asse até que a beinjela fique macia. Deixe esfriar, remova a casca e as artes com mais sementes. Coloque a polpa cozida numa vasilha e reserve.

Bata os tomates no liquidificador ou no processador. Coe para remover as semente e reserve.

Aqueça o azeite numa panela robusta e refogue a cebola e o alho ate ficarem dourados. Acrescente o cominho em pó e a pimenta cayenne. Junte o iogurte, o suco de limão e o tahini. Misture bem, desligue o fogo. Junte a berinjela assada. Bata em partes o refogado de berinjela com o suco de tomate no liquidificador. Junte água até conseguir a expessura desejada—eu deixei mais grossa. Acrescente sal a gostom, coloque tudo numa sopeira e leve à geladeira. Pode fazer no dia anterior. Mantenha refrigerado. Na hora de servir acrescente mais azeite individualmente, ao gosto do freguês.

carbonara com abobrinha

carbonara-abobrinha_1S.jpg

Ovos crus no molho—essa era a razão pela qual eu nunca tinha cogitado preparar um macarrão carbonara. Receitas pipocavam aqui e ali, mas nunca tive vontade de fazer ou provar essa mistura que me provocava mais desconfiança do que apetite. É que tenho algumas divergências com os ovos. Vocês já sabem, não suporto a idéia de misturar ovos com carne, tenho nojo do cheiro e detesto a gema. Basicamente, considero esse ingrediente um tanto repugnante. Mas essa receita, que estava na segunda edição da revista do Jamie Oliver, me interessou muito por causa da adição da abobrinha. E além do mais—concluí—os ovos cozinham rapidamente quando adicionados ao macarrão quente, não é? Então decidi me aventurar. O meu primeiro carbonara ficou bem gostoso. Comemos, mas não adoramos. Achei que fica um prato bem pesado. Agora já testei, okay. E a receita já ficou registrada, okay. Mas não acho que vou refazê-la tão cedo.

Serve duas pessoas
2 ovos grandes
300 ml de creme fraiche [*usei sour cream]
25 gr de queijo parmesão ralado bem fininho
2 colheres de chá de azeite
60 gr de pancetta cortada em cubos [*usei bacon]
1/4 de cebola roxa em fatias
1/2 abobrinha amarela cortada julienne ou ralada
1/2 abobrinha verde cortada julienne ou ralada [*usei só a amarela]
Casquinha ralada de 1 limão
Ervas frescas picadas para servir

Cozinhe o macarrão em bastante água salgada fervendo. Numa vasilha bata os ovos como o creme fraiche [ou sour cream], adicione o parmesão e uma pitada de pimenta do reino moída na hora. Aqueça o azeite numa panela robusta e frite a pancetta [ou bacon] até ficar bem crocante. Adicione as fatias de cebola e frite por mais dois minutos. Adicione as abobrinhas à mistura de pancetta e cebola, frite até murchar. Quando o macarrão estiver cozido al dente, escorra. Junte o macarrão à mistura de abobrinha e desligue o fogo. Junte a mistura de creme fraiche e ovos, misture bem para incorporar. Sirva imediatamente, acompanhado de mais parmesão ralado fininho, as raspinhas de limão e as ervas picadinhas. *Misturei parte das raspas de limão no creme com ovos.

[nunca te vi, sempre te amei]

É possível que San Diego nunca entrasse na minha lista de cidades para visitar, caso minha amiga Brisa Carter não morasse lá. Temos conversado, conversas longas, já há muitos anos e embora estejamos separadas fisicamente por uma mera viagem de avião de uma hora de duraçao, nunca tivemos uma oportunidade de nos encontrar. Mas um dia a oportunidade finalmente apareceu, quando o Uriel me convidou para acompanhá-lo numa viagem para um congresso em San Diego. Fui sem nenhum plano ou expectativa de grandes turistagens pela cidade. Deixei tudo nas mãos da Bri.

San Diego
San Diego San Diego
San Diego
San Diego
San Diego San Diego
San Diego

Foram quatro dias de conversas contínuas. Eu visitei a cidade sim, mas fomos fazendo as coisas enquanto batíamos aquele papo bom, completando todas as histórias que tivemos preguiça de contar por escrito. Um calorão absurdo engolfou a cidade e fizemos tudo sob um bafão úmido, que nos deixou suadas, descabeladas a amarfanhadas. Quem não viu, perdeu: as duas amigas matracas de chapelão e óculos escuros, saias molhadas de ficar sentadas por horas na grama orvalhada, bebendo vinho e água e tagarelando sem parar.

Achei San Diego linda, com muitas paisagens de cartão postal, praias de areia fofa, uma delas muito especial, onde os cachorros nadam. É uma cidade espalhada, com ruas largas, calçadas imensas, pouca sombra, mas muito bem cuidada, salpicada de esculturas de artistas locais, cheia de tradição e história.

Mas eu não vou escrever sobre a cidade, nem sobre os pontos turísticos ou paisagens lindas que vi. Quero escrever sobre nosso sábado à noite com Brisa e KC e de como nos arrumamos e combinamos de ir jantar fora, num restaurante italiano escolhido à dedo pelo KC. Sentamos no quintal, na companhia dos cachorros, bebericando drinks e engrenamos num bate-papo tão confortável e divertido que esquecemos da hora. Quando percebemos, os restaurantes já tinham fechado. Ainda tentamos pegar uma pizzaria aberta, mas não conseguimos. Decidiu-se então que o KC iria fazer um macarrãozinho e rumamos comprar alguns ingredientes. Antes paramos na praia de Ocean Beach, onde me encantei pelos muitos pontos iluminados pelas fogueiras de vários grupinhos fazendo luau. É tudo super mega organizado, as fogueiras são montadas num fire pit feito de concreto e não se pode fumar na praia. Mas o melhor ainda estava por vir. Tiramos os sapatos e fomos, pisando na areia macia, até a água. Eu nunca entrei nem nadei no oceano Pacífico, porque aqui no norte da Califórnia a água é tão absurdamente congelante que mal aguento mergulhar os pés. Se a água não dá caimbra, o vento faz doer os ouvidos. Praia aqui é pra ir de cachecol e casaco e ficar só apreciando a vista. Quando a onda na Ocean Beach finalmente alcançou meus pés, mal pude acreditar que aquela água agradável que refrescou meus dedinhos era a do Pacífico. Eu poderia nadar ali sem problema, como fazia uma menininha de maiô cor-de-rosa que pulava ondinhas bem ao nosso lado, naquela noite deliciosa de verão.

San Diego
San Diego San Diego
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San Diego San Diego
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Com os pés croquetados pela água do mar e areia da praia, fomos ao supermercado pegar uma garrafa de licor Hpnotiq e alguns tomates frescos. Logo vi que não iria dar para vestir os sapatos, mas a Bri me tranquilizou—não tem problema, vamos descalças. Não me lembro qual foi a última vez que andei descalça pela rua, porque isso deve ter acontecido há muitos, muitos, muitos, muitos anos mesmo. Fizemos nossas compras, conversando e rindo pelos corredores do supermercado, com os pés descalços e ainda meio encroquetados. De todas as coisas que vi, senti, comi, bebi, de tudo o que fizemos, esse vai ser o momento da minha viagem a San Diego que vou guardar para sempre na minha caixinha em forma de coração: andar descalça com a Brisa, depois de pisar na areia e lavar os pés na água do mar.

vou ali e já volto

Vou tomar a liberdade de enviá-los, sem guia, para as catacumbas do Chucrute. Podem explorar, sem medo, pois lá só tem coisa boa. Enquanto isso eu vou sair numa micro-férias. Divirtam-se e até breve!
ler.jpgMy many colored days
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