[houve uma vez um verão]

Eu tenho uma certa tendência para o exagero. E com relação às frutas que adoro, não apenas o exagero, mas também a cobiça e a ganância. Quando vejo a abundância de certas frutas, simplesmente me descontrolo. E foi exatamente isso o que aconteceu no final do verão do ano passado, quando comprei todo o figo que pude carregar, mas que obviamente não consegui comer. Lembro de um dia em que comprei houve-verao-figo_3Sfigos em três bancas diferentes no Farmers Market. Numa delas, vendo figos e mais figos empilhados na minha cestinha, a mocinha vendedora comentou desoladamente—ah, você já comprou figos? E eu heróicamente resolvi levar mais duas cestinhas dela, pra não fazer desfeita, nem causar constrangimentos, usando uma justificação perfeita—vou fazer geléia. E foi o que fiz, não só porque queria mesmo fazer uma geléia, mas porque precisei fazer a tal geléia para não desperdiçar tanta fruta deliciosa. Não lembro exatamente se cozinhei os figos com limão ou com baunilha, só sei que rendeu bastante e um pote da geléia de figo ainda estava na geladeira enquanto eu arrumava as malas para viajar para o Brasil em outubro. Como nunca nessa vida eu iria correr o risco de deixar uma geléia caseira feita com figos frescos e orgânicos acabasse criando mofo dentro da geladeira, passei rapidamente o pote para o freezer. Viajei e esqueci.

Outro dia, dando uma geral no meu freezer—porque você sabe que mesmo congelados tem prazo de validade, né—descongelei a geléia e decidi fazer um sorvete com ela. Também porque ando achando que esses sorvetes feitos com geléia funcionam muitíssimo bem e ficam super cremosos. Foi assim que terminei com um pote de sorvete de figos, uma doce reminiscência do último verão.

1 xícara de geléia caseira de figos
2 xícaras de half and half
[ou use 1 xícara de leite integral e 1 xícara de creme de leite fresco]
1 splash de brandy
Bater tudo no liquidificador e colocar na sorveteira. Depois de pronto, guardar no congelador, num pote de vidro até a hora de consumir.

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NOMA

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NOMA, que significa Nordic Food, é um restaurante dinamarquês que surpreendeu o mundinho gastronômico no ano passado quando desbancou o molecular e trend setter espanhol El Bulli do primeiro lugar na lista dos melhores do mundo. Já este ano o NOMA não causou nenhum choque ou espanto, apenas manteve-se firme no primeiro lugar.
Na cozinha do NOMA, o chefe René Redzepi usa apenas ingredientes locais, da região nórdica, o que transforma todos os pratos servidos no restaurante numa experiência única. O melhor restaurante do mundo tem também o livro mais lindo do mundo, publicado pela editora Phaidon. O livro traz um diário do chefe e uma lista com todas as regiões, os fornecedores locais e os ingredientes incríveis, muitos deles selvagem. Ele também disponibiliza muitas receitas, que na minha opinião infelizmente são infazíveis numa cozinha simples e amadora como a minha, ainda mais estando localizada no outro lado do planeta sem acesso aos mesmos ingredientes que o chefe usa. Mas folhear o livro bem devagar e admirar as lindas fotos já é um imenso prazer.
A Phaidon disponíbiliza um vídeo com Redzepi, onde ele descreve e demonstra como é a cozinha do NOMA. O que esse chefe faz nesse restaurante é praticamente um antídoto contra essa cafonice de se ficar gastando um dinheirão pra usar ingredientes importados, todo mundo preparando e comendo as mesmas coisas—tudo super previsível, sem imaginação, além de completamente insustentável.

bolo de whiskey e chocolate

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Saí do trabalho tão energizada na sexta-feira, que ao invés de ver um filme na tevê, ler um livro ou revista, ou simplesmente não fazer nada, cheguei em casa e limpei a geladeira, fiz jantar [normalmente comemos fora nesse dia da semana] e assei este bolo de chocolate e whiskey. O bolo demorou pra ficar pronto e como tinha que esfriar completamente para desenformar, fomos dormir com a casa cheirando a chocolate e só fomos provar uma fatia no café da manhã do sábado. Eu adoro cozinhar com booze e se você também tem essa preferência, vai gostar muitíssimo deste bolo. Eu já tinha tido uma outra experiência com um bolo batizado no passado. Foi com esta receita de bolo de cacau & vinho que também ficou outstanding.

1 xícara de cacau em pó
[use o puro e sem açúcar–não use o Dutch-process]
1 e 1/2 xícara de café preparado
1/2 xícara de whiskey [pode ser bourbon]
2 tabletes [226 gr ou 1 xícara] de manteiga sem sal
2 xícaras de açúcar
2 xícaras de farinha de trigo
1 e 1/4 colher de chá de fermento em pó
1/2 colher de chá de sal
2 ovos grandes
1 colher de chá de extrato puro de baunilha

Coloque a grade do forno no meio e pré-aqueça em 350°F/ 176ºC. Unte uma forma bundt com manteiga e polvilhe com cacau em pó. Reserve.

Numa panela pequena aqueça o café, o whiskey, a manteiga cortada em cubinhos e o cacau, batendo com um batedor de arame até a manteiga derreter completamente. Remova do fogo e deixe esfriar por 5 minutos.
Enquanto isso coloque na vasilha da batedeira a farinha, o fermento e o sal. Numa vasilha separada bata os ovos com o extrato de baunilha. Junte a mistura de ovos à mistura de chocolate. Com a batedeira em velocidade baixa, misture a farinha e vá acrescentando o liquido de chocolate bem devagar, até que fique bem combinado. A massa vai ficar bem fina e com bolhas. Vá raspando os lados com uma espátula, pra toda farinha se incorporar. Coloque a massa na forma untada e asse por 50 minutos. Remova do forno e deixe o bolo esfriar completamente antes de desenformar. Pode salpicar com açúcar de confeiteiro, para dar um toque decorativo. Este bolo fica bem denso e aromático, com uma leve piscada de whiskey.

almoço para três

Este foi um almoço de domingo em família, o que não é extremamente comum por aqui. Mas quando isso acontece, quero sempre caprichar. Embora nesse dia não tenha dado tempo de fazer nenhuma sobremesa, o rango principal ficou bem sortido e saboroso. Fiz um peixe, um prato com batatas e outro com as estrelas da estação—os aspargos, que só reguei com azeite, salpiquei com salo marinho e raspas da casca da laranja vermelha e levei ao forno [alto] até ficarem bem molinhos, mas não muito.

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As batatas, que cortei em rodelas sem descascar, também foram ao forno [alto]. É só adicionar um limão cortado em fatias bem finas, temperar com sal marinho, pimenta do reino e azeite e assar até as batatas ficarem bem tenras. Dá pra servir quente, morno ou até mesmo frio.

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Para o peixe, usei uns filés de linguado e preparei seguindo esta receita da Amanda Hesser, com manteiga e laranjas vermelhas [blood orange]. Ficou bem gostoso e acho que nem teve sobras.

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3/4 xícaras de caldo de legumes ou de frango [usei de legumes]
1/4 xícara de vinho branco
1/4 xícara de suco de laranja vermelha [ou laranja comum]
1 colher de sopa de suco de limão
1 echalota picada
7-8 grãos inteiros de pimenta preta
1 quilo de filé de pescada
5 colheres de sopa de manteiga sem sal
Sal e pimenta do reino moída na hora a gosto

Numa panela misture o caldo, o vinho, os sucos de laranja e de limão, a echalota picada e os grãos de pimenta. Leve ao fogo médio e quando ferver coloque os filés de peixe nesse liquido, com a ajuda de uma espátula larga. Cozinhe o peixe por uns 3 minutos, remova, coloque numa travessa e mantenha num lugar aquecido.

Aumente o fogo e deixe o liquido reduzir em 1/4 de xícara, por mais ou menos uns 12 minutos. Remova do fogo e vá adicionando as colheres de manteiga, uma de cada vez, e batendo com um batedor de arame. Tempere com sal e pimenta , jogue o molho sobre o peixe na travessa e decore com gomos de laranja vermelha cortados em pedacinhos. Sirva imediatamente.

bolo de laranja e pistacho

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Este bolo de laranja, azeite e pistacho foi fácil de fazer e de comer. Desapareceu tão rápido, que se eu não tivesse tirado fotos iria até duvidar de ter realmente feito algum bolo assim. Fiz apenas metade da receita, pois a original faz dois bolos. Se quiser fazer a metade como eu fiz, siga as medidas em asteriscos. Eu usei as laranjas vermelhas [blood orange] porque tinha algumas sobrando e queria gastar. A cor da polpa e do suco dessa laranja é fenomenal.

4 ovos, gema e claras separadas [*2 ovos]
325 gr de açúcar [*163 gr]
200ml de azeite de oliva [*100 ml ou 1/2 xícara]
1 colher de chá de extrato de baunilha [*1/2 colher de chá]
400 gr de farinha de trigo [*200 gr]
1 colher de chá de fermento em pó [*1/2 colher chá]
3 laranjas, casca raspada e suco espremido
[*usei 2 laranjas vermelhas pequenas]
Um punhado de pistachos descascados

Pré-aqueça o forno em 355ºF/ 180ºC. Unte duas formas redondas de 20 cm com azeite [*ou apenas uma forma, se for fazer meia receita, como eu fiz].

Bata as claras em neve em picos firmes. Reserve.

Bata os ovos com o açúcar e a baunilha até formar um creme. Acrescente o azeite gradualmente, sem parar de bater, até obter uma massa bem lisa. Mais ou menos uns 2 minutos na batedeira elétrica.

Junte a farinha e o fermento à mistura de ovos e manteiga, adicione as raspas e o suco da laranja e mexa bem até ficar tudo bem incorporado. Por último junte as claras em neve, incorporando bem com uma espátula.

Coloque a massa na forma untada, salpique os pistachos por cima e asse por uns 30 minutos. Remova do forno, deixe esfriar e sirva.

Mildred Pierce

Mildred Pierce é um melodrama clássico dirigido pelo Michael Curtiz em 1945 e estrelado pela divina Joan Crawford, que na época estava com a popularidade em pouco em baixa. O filme começa com um crime e a história é contada em flashback. Mildred é casada desde os 17 anos com um marido corretor de imóveis, tem duas filhas e uma vida simples. Ela faz e vende bolos para juntar uma grana extra. O marido, pulador de cerca, casca fora logo no inicio do filme, deixando a pobre Mildred não só numa situação financeira delicada, mas naquela condição desconfortável de “largada”.

Mildred Pierce Mildred Pierce
Mildred Pierce Mildred Pierce
Mildred Pierce Mildred Pierce
Mildred Pierce Mildred Pierce

Mas Mildred não se faz de rogada e sai à procura de um emprego. Como a única coisa que ela sabe fazer é cozinhar, servir, limpar, arrumar mesa, acaba de garçonete num restaurante durante o dia e fazendo tortas na cozinha da própria casa, com a ajuda da empregadinha, para fornecer ao restaurante e ajudar no orçamento. Mildred não dorme, não come, não descansa. Tudo porque sua filha mais velha Veda [Ann Blyth] precisa ter tudo do bom e do melhor. Mildred não conta para a garota que trabalha como garçonete.

Mildred Pierce Mildred Pierce
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Mildred Pierce Mildred Pierce

Joan Crawford com seu rosto rígido e olhos esbugalhados é a epítome da determinação e do sacrificio, a mãe que faz o possível e o impossível pelas filhas. Quando a mais nova morre de pneumonia, Mildred fica devastada, mas não desiste nos seus planos de abrir um restaurante. Ela compra uma propriedade de um ex-ricaço e também se envolve romanticamente com ele.

Mildred Pierce Mildred Pierce
Mildred Pierce Mildred Pierce

O restaurante de Mildred se torna um sucesso. Ela mesma serve mesas, frita o frango e só descansa depois de anotar todos os detalhes financeiros do dia. Mas apesar de toda riqueza e sucesso, a filha Veda nunca está cem por cento contente. Ela quer mais e mais e rejeita as origens humildes e o trabalho honesto e braçal da mãe.

Mildred Pierce Mildred Pierce
Mildred Pierce Mildred Pierce
Mildred Pierce Mildred Pierce

Tudo o que Mildred toca vira ouro e logo ela tem uma cadeia de restaurantes espalhados pela região. Mas a vida amorosa da magnata está no limbo e a filha Veda continua gastona, arrogante, ambiciosa e sem escrúpulos. Os embates entre mãe e filha são dramaticos e novelescos.

Mildred Pierce Mildred Pierce
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Mildred Pierce Mildred Pierce

O filme trouxe um Oscar de melhor atriz para Joan Crawford e é até hoje um marco da melodramaturgia noir. Divertido de assistir, especialmente para se prestar atenção nos detalhes das cozinhas da Mildred, na casa e no restaurante. Comida é o que não falta nessa rocambolesca história.
O buxixo agora é com o remake de Mildred Pierce, transformado numa mini-série pela HBO, com Kate Winslet como Mildred e Evan Rachel Wood como Veda. Eu li que a reconstituição de época—os anos 30 no sul da Califórnia, é perfeita e preciosa nos micro detalhes. E também que a série mostra todo o sexo que fica totalmente abafado pela moralidade rígida da época do filme. E não seria uma grande idéia se a série disponibilizasse um food blog com as fantasticas receitas da Mildred?