A falta de pontualidade dominante na convivência entre as pessoas virou praticamente um pet peeve pra mim. Minha sina de ser deixada esperando é inexorável. Tenho muitos episódios nos arquivos da minha vida social. Mas o pior foi sem dúvida um que aconteceu quando eu habitava as planícies canadenses. Minha sogra estava nos visitando e para entreter a donzela eu organizei mil cházinhos, jantares, encontros, pequenos regabofes. Foi quando eu convidei esse casal mezzo brasileiro/mezzo canadense para jantar. Preparei o rango, a mesa, e sentamos na sala, eu e a minha sogreta, esperando pelos convivas. Meu marido não participou dessa, olha a sorte do gajo, porque naqueles anos ele era um enlouquecido estudante de PhD. Meu filho também cascou fora, foi fazer algo com os amigos. Ficamos lá, nora e sogra, esperando a tal família. Meia hora, uma hora, uma hora e meia, começei a pensar que o carro da turminha deveria ter rodopiado no gelo e caído no rio, matando a família inteira. Só uma coisa dessas pra desculpar um atraso de uma hora e meia. Liguei pra casa deles tremendo, pensando que também podiam estar todos mortos devido à um vazamento de gás na casa. Outra boa desculpa para o atraso de uma hora e meia. O marido canadense atende o telefone todo esbaforido. O que vocês estão fazendo, não vem jantar com a gente, a comida já está fria e seca? Ah, respondeu o husband, decidimos mudar uns móveis de lugar e fazer uma arrumação geral na casa, esquecemos do jantar! Bom, depois disso tudo perdeu a graça, Eles não estavam mortos, mas morreram pra mim. Vieram jantar a comida fria e ressecada, chegaram tão tarde que tiveram que ir embora rápido. Não deu nem pra falar o jargão, é cedo ainda, porque não era. Minha sogra ficou bravíssima. Eu fiquei putíssima. Nunca mais convidei essa gente pra nada. Se tivesse, mereceria receber um espancamento de chicote em praça pública, por ostentar tanta falta de noção e vergonha na cara.
seis
Outro convite, feito desta vez pela Elvira, que quer saber seis regras de etiqueta que eu sigo. Estou bem combinada com a lista dela:
- comer em família ou com amigos sempre à mesa, sem televisão ligada por perto, no máximo uma música ao fundo, nada muito alto, para não interferir na conversa.
- as panelas ficam no fogão. à mesa vão somente as travessas.
- fico bem irritada quando marco um jantar e as pessoas chegam atrasadas. pontualidade pra mim é sinônimo de boa educação.
- quando num jantar ou festa alguém traz um vinho ou outra bebida, eu abro e sirvo. acho deselegante guardar o regalo e servir outra coisa, especialmente se esta for de qualidade inferior. a não ser que o presente seja um vinho Sanguê De Bóa comprado por $1,99 na mercearia, caso que já aconteceu comigo. daí eu guardo pra temperar carne no dia-a-dia.
- sou uma libriana com vênus em virgem, então sou bem exigente com a arrumação da mesa, que deve estar sempre harmoniosa. cores harmoniosas, formas harmoniosas, equilíbrio.
- detesto ver garrafa de refrigerante, caixa ou galão de suco em cima da mesa. refrigerante tem que ficar na geladeira, e o suco, assim como a água, vai na jarra. só garrafas de vinho têm permissão para ficarem na mesa.
uma tradição italiana
Lívia ajudando o pai na fazeção da macarronada |
Sexta-feira vou buscar meu irmão no aeroporto de San Francisco. Ele está no Texas à trabalho e vai dar um “pulinho” até a Califórnia só pra ver a irmã dele! Eu tenho dois irmãos—os dois cozinham. Este que está chegando é o responsável pela sobrevivência da grande arte de fazer macarrão em casa, que é a tradição que vem passando de geração em geracão no lado materno da minha família.
Minha mãe aprendeu a fazer a massa de macarrão com a minha bisavó, uma imigrante italiana aportada em São Paulo no começo do século vinte. Por muitos anos fui eu a menina girando a manivela da máquina, ajudando a fazer a massa amarela ficar fininha, fininha. Depois foi a vez do meu filho Gabriel que girava a manivela enquanto a avó pegava a massa do outro lado. Muitas crianças da família giraram a manivelinha. Hoje quem gira é a Lívia, enquanto o pai dela prepara a massa. Por mais incrível que pareça, não sou eu que estou carregando a tradição pra frente. Meu irmão é hoje o dono da máquina, que ele usa todo final de semana para preparar a massa, que depois será temperada por um fabuloso molho de tomates feito em casa e devorada por toda a família—ou la famiglia, como diz meu pai, que descende de portugueses, mas já foi totalmente seduzido e dominado pela italianada. Quando eu ligo lá nos domingos logo depois do almoço, ele diz —só faltou vocês aqui e um cantor de operetas para animar mais o nosso almoço, pois o resto estava completo: macarronada, frango assado, muito vinho, adultos conversando aos berros, crianças correndo pela casa e a cachorrada latindo!
cinco
Fui convocada pelo João Pedro Diniz do Ardeu a Padaria para citar cinco coisas que eu gostaria de provar pela primeira vez ou voltar a comer antes de morrer.
Pois eu quero:
Comer e beber em Portugal – porque sou uma Guimarães
Comer e beber na Espanha – porque sou uma Rosa
Comer doces na Turquia – porque meu irmão me disse que lá comeu os melhores
Comer pizza na Itália – porque eu preciso saber
Comer pitanga, jaboticaba e fruta do conde no Brasil – porque só assim posso voltar à infância
guardanapos
Respondendo a pergunta da Lys: SIM, eu uso guardanapo de pano todos os dias em todas as refeições. Aboli o guardanapo de papel já faz alguns anos. Fiz isso naturalmente, porque acho os de pano mais bonitos, mais confortáveis e mais ecológicos. Uso no dia-a-dia, mesmo se estou sozinha. Tenho uma coleção enorme deles e dos aros – os napkin rings, que eu também adoro. Um porta-guardanapo de papel que eu tinha, tranformei em porta cartas, que fica na bancada da cozinha. Guardanapos de papel agora só para picnics no parque!
esse rango sai ou não sai?
Eu amo os animais. Passei isso pro meu filho, que tem uma compaixão incrível e um jeito com os bichos que é de cair o queixo. Ele e a Marianne também têm dois gatos, o Tim e o Sequel. Aqui em casa eu dou risada da hora em que acordo até a hora em que vou dormir por causa dos meus gatos, Misty e Roux. Bicho é o melhor desestressante que existe. Se você está de mau humor, preocupada, chateada, com aquela cara de bunda, eles te desarmam com um pulinho, uma cara engraçada, uma estrepolia qualquer. Aqui o gato que me tranforma numa perfeita boba é o Roux, que é super carinhoso e anda atrás de mim o tempo todo. Se eu estou por perto ele nem dorme, pois precisa estar presente e atento à todos os meus passos, embora ele finja muito bem que não está nem aí. Meus gatos não gostam de colo, nem de ser agarrados, mas têm cada qual as suas particularidades simpáticas de personalidade. Hoje o Roux sentou-se à mesa, como que esperando o rango, e ficou lá com essa cara caruda e me fez rir por mais de meia hora. Eu nunca vou precisar tomar Prozac na vida!
a mesa nua
Eu adoro a minha mesa da sala de jantar, porque ela tem história. Ou histórias, porque conta também a de como ela chegou à mim. Eu estava procurando uma mesa há meses e só via coisas cafonas e caras. Um dia resolvi olhar uma loja de móveis usados que tem aqui em Davis. O dono compra containers em leilões, então nunca se sabe as tralhas que vão aparecer por lá. A loja é imensa e atolada de coisarada. Dá a impressão de um junkyard. É difícil até de achar e olhar o que interessa. Fui lá sozinha um dia. Vi uma mesa interessante. Voltei lá num outro dia com a sogra do meu filho, que é uma antique dealer, pra ela avaliar a mesa pra mim. Chegamos lá e a tal mesa tinha desaparecido. Olha daqui, olha de lá, vi essa linda mesa rústica, linhas simples, pés simples, nada de rebuscagem. A Reidun olhou os micros-detalhes, até se enfiou embaixo dela pra investigar os insides. Deu cartão verde, a mesa estava em excelentes condições. Não só isso, o preço estava uma barganha e ela até me deu uma estimativa da idade da peça – feita entre os anos 20 e 40. Comprei!
Quando o dono foi entregar a mesa, confirmou a estimativa da Reidun. A mesa foi feita em Berkeley, Califórnia, nos anos 20. Portanto, tem mais de 80 anos. Ela é linda, robusta, charmosa e acomoda até 12 pessoas. Sou hoje a feliz proprietária dessa peça cheia de marcas e ranhuras, feitas por outras famílias no decorrer desses oitenta anos.
Por causa da beleza rústica dessa mesa, as toalhas de pano cairam em desgraça aqui em casa. Uso as minhas somente na mesa que tenho no quintal e que é feia pra burro. Na mesa da cozinha uso placemats porque é mais prático para o dia-a-dia e na mesa da sala de jantar muitas vezes já ousei não usar nada, apenas colocar os pratos sobre a madeira escura. Pra mim aquela madeira tem que ser mostrada e exibida. Pois não tem toalha de linho mais bonita que os nuances e ranhuras daquela esplêndida peça de carvalho.
welcome!
Recepção simpática – um casal de fazendeiros indicando o caminho, uma taça de um italiano pinot grigio & verduzzo acompanhado de queijo asiago, queijo cremoso também italiano com pasta de tomate seco no pãozinho – não se pode beber de estômago vazio – mais vinho, desta vez californiano, zinfandel e barbera do Sonoma county.
uvalândia
Na região do Napa tudo gira em torno dessa fruta. Uvas e videiras são praticamente onipresentes na paisagem. Essas videiras carregadas de uvas madurinhas e docinhas – eu comi uma – eram cerquinhas dividingo os lotes no estacionamento do Copia. Fica lindo, uma coisa realmente diferente. Depois as uvas secam, viram passas ali no pé, como já vi em algumas vinícolas, porque acho que ninguém colhe.
cenas de cinema
Uma parte que eu realmente gostei no Copia foi na exposição permanente, uma salinha que passava clips de filmes com cenas de comida, jantares com amigos, famílias, o clássico Thanksgiving. Charles Chaplin tem várias cenas com comida nos seus filmes – a da sola de sapato e dos pãezinhos dançantes em The Gold Rush por exemplo, são simplesmente memoráveis. As solas de sapato devoradas no filme por Chaplin e Mack Swain, eram feitas de licorice, um doce borrachudo de cor arroxeada que era muito popular – talvez ainda seja. A cena dos pãezinhos espetados nos garfos imitando pés dançando foi repetida por Johnny Depp no singelinho Benny & Joon.