Para perder o apetite
Estava escrevendo uma novela sobre como cheguei a ver três episódios do No Reservations com o Anthony Bourdain, no Travel Channel. Deletei tudo e decidi ir direto ao que interessa: achei o programa divertido, honesto, e educativo, assistirei outros, se tiver a oportunidade, mas infelizmente não tenho a mente aberta de um gourmet, ao contrário, tenho uma visão bem limitada sobre o que considero coisas comíveis.
Num hotel finíssimo no Japão, gueixas serviram um café da manhã cheio de coisas muito gosmentas, muito purulentas e muito estranhas à Bourdan. Até ele hesitou. Em Cingapura o guia local mostrou o que seria uma iguaria caríssima e especialíssima—uma espécie de caranguejo carnívoro, que parecia mesmo um besouro jurrássico, importado das catacumbas do Sri Lanka. O bicho se alimenta de carne humana, de defuntos. For Christ’s sake, QUEM quer comer as vísceras de um monstro desse? Bourdan não comeu. Em Shangai me apavorei com várias coisas, entre elas o stinky tofu, peludo e cheio de mofo, que Bourdan comeu torcendo o nariz e depois disse que não gostou. Mas a pior cena foi a com um monte de peixes sendo colocados num wok cheio de óleo quente. Nada demais, se não fosse pelo fato dos peixes estarem VIVOS!
Em Cingapura, antes de devorar um balde de sopa de ossos com um molho viscoso vermelho, se lambuzar todo e chupar o tutano dos ossinhos com um canudinho, Bourdan fez uma massagem avaliativa e terapêutica num quiosque de Shiatsu num shopping center. Ali mesmo eu perdi o apetite, vendo closes de ranhuras, calos, unha encravada, unha com fungo e outros detalhes cascudos do pé do afamado chef. Certamente aquilo foi o aperitivo perfeito para o que estava por vir..
Gostei imensamente da experiência cultural proporcionada pelo programa do Bourdain, que me mostrou que comem-se coisas incrivelmente variadas por esse mundão afora. Algumas dessas coisas me provocaram naúseas, tristeza e contorcionismos bucais e faciais. Eu não comeria, mas não deixa de ser comida prar quem o faz.
kohlrabi
O kohlrabi é um legume delicioso, apesar da aparência um pouco estranha. Ele pode ser comido cru, em saladas ou em crudités, e também cozido em refogados ou no vapor. Até as folhas são comestíveis. Eles aparecem na versão de casca verde clara ou roxa. Por dentro é sempre igual, se comido cru a textura é crocante. Eu adoro!
frogurt de damasco e sálvia
Exagerei um pouco na compra de frutas no sábado, porque tudo estava tão reluzente e colorido, realmente chamativo. E como nunca guardo frutas na geladeira, temos que ser rápidos no gatilho quando há muita fruta e alguns dias quentes. Por causa disso decidi que uma parte dos damascos iriam virar sorvete. Já sabendo que damascos combinam muito bem com sálvia, fiz a mistura da fruta com a erva. A receita é a mesma do frogurt de manga com menta—parte de iogurte natural, outra parte de kefir, mel a gosto, os damascos frescos descaroçados e picados e folhas de sálvia fresca picadas, tudo batido no liquidificador e jogado na sorveteira. Só não abuse da sálvia, pois o sabor dessa erva pode ficar dominante. Esse frozen iogurte fica refrescante, azedinho e aromático. Muito bom acompanhado de bolachinhas fininhas de manteiga.
goodies box
O Uriel já vem desenvolvendo há alguns anos umas colheitadeiras para alguns produtores daqui da Califórnia. As máquinas foram projetadas para colher com precisão pêssegos, pistachos e azeitonas. Por isso, de vez em quando aparece por aqui um monte de azeitonas verdes, ou de pistachos crus, ou sacos cheios de pêssegos. De vez em quando também os produtores mandam um agradecimento, porque aqui é muito comum esse hábito de dizer thank you pra tudo. Desta vez um deles preparou uma caixa, que eu achei bem legal. Ela veio cheia de produtos da Califórnia, alguns deles envolvidos no trabalho que o Uriel faz, como as azeitonas e os pistachos. Nada ali foi novidade. Tudo eu já conheço, porque eu sou uma ávida consumidora dos produtos locais. Mas gostei da idéia de agradecer mostrando como o trabalho dele vai contribuir para melhorar a qualidade do produto final.
Na caixinha de agradecimento vieram uns cookies gourmet gigantes, com amêndoas, pistachos e frutas secas, que não estavam lá muito fotografáveis. Veio também mel, azeitonas recheadas com alho, chocolates recheados com pistachos [nós cortamos pedacinhos para experimentar], ameixas secas cobertas com chocolate, e manteiga de amêndoa que é a minha favorita. Adoro essa delicia local. Aliás, outro dia eu li que a Califórnia é responsável por quase oitenta por cento da produção mundial de amêndoas. Impressive!
migas com verdura e feijão
Comi um prato de migas com verdura e feijão na casa da sogra da minha irmã em Portugal e fiquei encantada. Quando a Elvira publicou a sua receita de migas de broa com grelos e feijão frade, marquei para fazer, tentando repetir a experiência que tive por lá. Como a Elvira explica, as migas são um prato de acompanhamento. Pra mim não tem problema nenhum transformá-las no centro da refeição. Adaptei alguns ingredientes e talvez por isso não tenha ficado idêntico ao prato que comi lá na Dona Rosa. Mas ficou muito gostoso mesmo assim. Vou tentar ainda uma próxima vez, usando uma verdura mais macia e um pão com textura mais parecida com a broa de milho, que esfarela, ao contrário do pão rústico que eu usei e que permaneceu intacto. Os grelos eu substituí pelas folhas de dino kale, também conhecida por cavolo nero, que são folhas verde escuríssimas e bem mais robustas que outros tipos de verdura.
fish, chips & love
Essa primeira versão de Waterloo Bridge é a minha favorita. No dramalhão da segunda versão de 1940, tudo é muito esterilizado e embelezado. Os protagonistas Vivien Leigh e Robert Taylor são lindos, arrumadinhos e limpinhos com cara de superstar. Se alguém for um pouquinho avoado, capaz de nem perceber que a boneca de porcelana Vivien Leigh cai na vida, isto é, se prostitui, quando pensa que o engomadinho Robert Taylor passou desta para melhor.
No Waterloo Bridge de 1931 todas as cartas são colocadas com franqueza na mesa, a realidade é nua e crua, sem firulas, sem cortina de fumaça ou idéias subjetivas. A personagem de Mae Clarke é pobre, se prostitui quando não está trabalhando como corista, é amarfanhada e suja e está faminta. O jovem soldado ingênuo, Douglass Montgomery, conhece a mocinha durante um bombardeio. Eles vão para o apartamento dela, que é um muquifo. Ela não tem nem uma moeda para colocar na máquina de gás e acender o fogão e ele oferece, não só a moeda, como também de buscar comida. Na Londres bombardeada durante a Primeira Grande Guerra, o “take out” era peixe frito e batata frita embrulhados em folhas de jornal. Ele traz o rango, ela arruma a mesa, colocam o peixe e as batatas numa travessa, ela faz um chá, ele traz também um filão de pão, que corta enquanto conversa com ela. É uma cena longa, ela dividida entre o encantamento pelo soldado e a prevenção natural de quem tem uma vida dura nas ruas. Eles comem, ela mastiga de boca aberta. Ele é muito singelo e fofo e se oferece para pagar o aluguel atrasado dela e comprar um vestido que ela queria. Ela se ofende. Assim nasce um romance, que só quem assistir ao filme vai poder saber como vai terminar.
* Bette Davis também dá as caras nesse filme, numa reles ponta. Nada com um dia depois do outro, hein?
freezias
aquela torta de maçã
Todo sábado, quando vou para minhas comprinhas no Farmers Market, eu passo por uma banquinha que vende pães, sopas e vejo umas tortas de maçã. Eu não costumo parar nessa banca, cuja vendedora é uma americana que já viveu em Paris, França. Ela faz uns pães bonitos, as sopas são sempre populares nos dias frios e na época do Thanksgiving ela faz umas tortas lindas que parecem ter saido de um desenho animado. No resto do ano, as tortas que ela vende são bem simples. Mesmo assim eu sempre olho pra elas com olhos purpurinantes, porque elas me parecem tão bem feitas e tão deliciosas. Só que até hoje eu nunca tinha comprado nenhuma, porque sempre penso—ohwell, essas tortas são ridiculamente fáceis de se fazer em casa!
Mas fazer que é bom, nada. Então neste último sábado extremamente baforento, que não abria a menor possibilidade nem de pensar em assar nada em forno nenhum, não tive a desculpinha de sempre para seguir em frente e esnobar as lindas tortas. Comprei uma!
Engraçado como criamos receitas imaginárias para comidas que vemos por ai. Nessa torta eu jurava que tinha uma camada de creme entre a massa e a fruta. Que nada, é só mesmo uma massinha bem fina, com as fatias grossas de maçã por cima. Deu pra perceber que as frutas tinham sido regadas com limão e salpicadas com açúcar, pois estavam um bocado doces. Muito mais fácil de fazer do que a minha imaginação tinha fantasiado. Isso se um dia eu realmente chegar a fazer.
dip de feijão preto
O plano original era fazer o black beans hummus da Ana. Mas quando eu comecei a colocar os ingredientes no food processor, um espírito Pepe Legal baixou na minha cozinha e na sequência o hummus foi se transformando num dip com requebros de mariachi.
Feijão preto, raspinhas e suco de um limão verde [a lima], chives-cibouletes picadinhas, flocos de pimenta vermelha, sal marinho grosso e alho picadinho refogado no azeite—usei o alho e um pouquinho do azeite. O resultado ficou bem interessante. Servi o dip com umas chips feitas com feijão e azeitonas que comprei no Co-op. A marca me chamou a atenção imediatamente e a qualidade e sabor das chips realmente comprovou que a proposta do Food Should Taste Good é legítima.
