esse papo já tá qualquer coisa

Minha rotina depois do jantar é subir pro meu quarto, ligar a tevê sempre no mesmo canal e clicar no guia pra ver o que está passando ou o que vai passar e assim poder planejar se vou assistir algo no canal ou colocar um dvd. Depois entrar no banheiro, sempre acompanhada por um dos gatos—se for o Misty eu tenho que abrir a água de uma das pias, se for o Roux vou ter que ficar conversando um pouco com ele, que vai miar com uma voz esganiçada que nos faz dobrar em riso. Tomo o meu banho, faço toda a rotina de escovação de dentões e hidratação de corpão, volto para o quarto e vou ler meus livros e ver meus filmes. Ontem já tinha decidido que não iria ver o filme que estava passando no TCM, o meu canal vitalício—The Joy Luck Club. Eu já vi e revi esse filme, inteiro ou em partes, inúmeras vezes. E todas as vezes eu me debulho em lágrimas. Não tem jeito, o filme é um clássico tearjerker pra desopilar o fígado e lavar a alma. Então quando saí do banho, já pensando qual seria o dvd que iria escolher pra assistir e de olho no livro que estou lendo, sentei na cama ajeitando as costas nas muitas almofadas e pow—não consegui mais descravar o olho do filme, que já estava pra lá da metade. E lá fui eu outra vez, chorar de dar bafão, de assustar os gatos, daqueles choros com gemidos, dolorido, que parece que os dentes vão cair e a cara vai estourar, que me deixou esbugalhada, cansada, fungando e de olhos ardendo. Quando o filme terminou com o encontro das irmãs, meimei! meimei!, eu já estava um farrapo humano, suspirando com uma cara aparvalhada. Fui dormir.

O resultado do chororô da noite foi uma cara matinal de pinguça, agravada por uma dor de cabeça que veio galopante e me deu um baita de um coice no crânio. Estou acordada há quase quatro horas e ainda sinto as sequelas da miserável. Somente o Blues poderá salvar este famigerado dia. Escrever também ajuda.

Estou pensando no futuro, no que vou fazer amanhã e em novembro. O dia vai ser quente, mas está nublado e esfumaçado, um ar pesado e poluído devido aos incêndios que se alastram pelo norte do estado. Isso tudo desanima, até de cozinhar e comer. Tenho me dedicado às receitas simples, rápidas e fáceis. Minha cozinha está cheia de produtos fresquinhos de verão, mas eu não ando entusiasmada. Os deliciosos tomates maduríssimos viram uma simples salada ou são combinados com alho e manjericão numa panela de pasta de rodelinha. Chegou um maço tão gigante de manjericão na cesta orgânica, que fui obrigada a fazer um pesto. Usei uma mistura de nozes e pecans, que era o que eu tinha, Torrei as nozes e as pecans e fiz como manda a receita clássica. Usei um pouco da água do cozimento da pasta pra diluir o pesto, dica da Marcella Hazan que já adotei. No outro dia fui às compras e fiz couscous com cranberries secas e pinoles. Mais um rango simples, servido com salada, porque não ando muito inspirada. E há muitas batatas. Batatas amarelas, brancas e roxas, que chegam toda semana, junto com as folhas verdes, que eu decidi impôr férias, então retiro da cesta lá mesmo na fazenda e coloco numa cesta onde acredito as pessoas doam o que não querem pra uma tal de Kara. A cesta de verão é realmente colorida, com muitos tipos de abobrinha, tomates e algumas frutas. Nesta semana chegaram figos, roxos e verdes, que foram devorados em minutos.

O website da UC Davis traz uma reportagem bacana sobre sustentabilidade e nela vocês poderão ver um pouquinho da fazenda orgânica dos estudantes, de onde vem a minha cesta semanal. Em Planting the Seeds of Change, clique no audio slideshow da direita, Student Farm lessons.

um pau pra toda obra

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Vocês já pararam pra pensar que alguns utensílios de cozinha são clássicos. Nós só precisamos ter um exemplar de cada e nem é absolutamente necessário que eles sejam bonitos, que estejam acompanhando o último grito da moda & design, que sejam feitos com o melhor material, talhados em modelos ultra-modernex e cheios de incrementações tecnológicas. Porque o trabalho que eles realizam independe de visual, de material, de luzinhas piscando e cores fosforescentes.

Outro dia tirei meu rolo de macarrão da jarra onde ele sempre fica e ao invés de só fazê-lo trabalhar desengonçadamente [mea culpa, admito], olhei pra ele com uma atenção incomum. Ele é um rolo de macarrão completamente sem glamour. Lembrei que ele foi uma das primeiras coisas que comprei para a minha casa californiana. E adquiri rapidamente porque é imprescindível que toda casa, mesmo as que ainda nem tenham panelas, tenha um rolo de macarrão. Comprei o meu numa garage sale que alguém nos levou. Comprei o rolo de macarrão, usado e meio rachado, junto com uma caneca rústica de cerâmica azul, que aindo tenho e que foi por anos a minha favorita. O rolo de macarrão vem trabalhando incansável por anos e anos, sem nunca dar problema, sem me deixar na mão, abrindo toda e qualquer massa para torta ou massa para pizza, com uma funcionalidade excepcional.

Meu rolo de macarrão é um utensílio de segunda mão, de madeira comum, com um pequeno racho, um pouco desengonçado no manuseio [mea culpa, admito], com uma cor desbotada, mas sempre botando pra quebrar eficientemente no serviço que lhe foi designado.

arroz verde-amarelo

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Para uma porção de arroz já cozido, restos de antontem, prepare um refogado no azeite com meia cebola pequena picada, uma espiga de milho, os grãos raspados com a faca, e um punhado de vagens verdes picadinhas. Deixe refogar até o milho e a vagem amolecerem, mas não muito, mantendo um pouco da sua crocância. Salgue a gosto. Junte cubinhos de queijo gorgonzola e deixe derreter, junte o arroz cozido, mexa bem, desligue o fogo, tampe, reserve. Deixe descansar por uns minutos e então sirva. Salpique queijo parmesão no prato se quiser, ou não salpique se não quiser. Eu não salpiquei, mas achei que deveria ter salpicado.

purple coleslaw

Se a vida [via fazenda orgânica] lhe oferecer um repolho, faça com ele um coleslaw. Se o repolho for roxo, faça então um purple coleslaw. Para realizar essa façanha você vai precisar de:

um repolho roxo ralado fininho no mandoline
uma maçã ralada fininha da mesma maneira
uma abobrinha amarela pequena idem
figos secos picados em cubinhos
um pouquinho de folhas de orégano fresco picadinhas
misture tudo e tempere com um molho feito com:

suco de um limão amarelo, flor de sal, azeite extra-virgem, mostarda dijon e creme fraiche

* esse coleslaw não ficou muito fotografável, mas passou pelo meu crivo de blogável, então aqui está!

gelado de pêssego [e amora]

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Eu sou cliente que dá preferência. Gosto de comprar de certos produtores no Farmers Market. Compro sempre os ovos de uma família simpática—e quando quero ovos tenho que ir cedo, porque eles vendem rapidíssimo. Gosto do casal japonês que vende folhas verdes pra saladas, e do japonês dos cogumelos, também volto sempre no moço engraçado das frutas, e na família onde o guri faz as contas todo atrapalhado. Compro as flores sempre do mesmo casal, que já me conhece e eu e ela sempre trocamos uma prosa. Curto comprar com a bonitona do azeite, a alemã dos pães, com as mocinhas da Capay, e com a sorridente cunhada da Deborah Madison, que vende as melhores geléias. E tenho a maior simpatia por um casal de senhores, onde eu compro tomates, nozes e figos, além dessa senhorazinha que vende as frutas menos bonitas, mas eu gosto de tudo que compro dela, e gosto especialmente dela, por uma razão vingativa. Tudo porque uma vez vi ela dando a maior bronca num fulano boçal que estava apertando as frutas. Grr, como eu odeio essa gente que aperta todas as frutas, escolhe, escolhe, escolhe, escolhe, escolhe, abre as espigas de milho, provam tudo e às vezes viram as costas e não compram nada, grrgrrr! E nesse dia ela falou por mim, falou o que eu gostaria de eu mesma ter falado—NÃO APERTE AS FRUTAS PORQUE ELAS ESTÃO MADURAS E SÃO MUITO DELICADAS, NÃO PRECISA APERTAR! O fulano fez uma cara de pateta ofendido e foi embora sem comprar. A senhorinha nem pestanejou com remorso. Melhor perder um possível cliente, do que aguentar aquela tortura de olhar esses tipos machucando as frutas. Bom, eu aprovei o que ela fez, gosto muito dela e pronto. Por isso no sábado fiquei feliz em revê-la no mercado, pois ela sumiu por umas semanas. Reapareceu vendendo uns deliciosos pêssegos amarelos, que são os meus favoritos. Comprei muitos, sem apertar nenhum, e com eles fiz um sorvete.

Estava descascando os pêssegos quando o Uriel apareceu na cozinha para xeretar e quando eu disse o que ele estava fazendo, ele sugeriu que eu acrescentasse um restinho das blackberries que salvaram-se da nossa trogloditice rústica, que nos fez devorar as frutinhas puras, sem creme, nem açúcar. Decidi abraçar a idéia dele e joguei lá umas dez blackberries, junto com uns seis pêssegos bem maduros descascados, mais 1/2 xícara de leite integral e 1 xícara de creme de leite fresco. Juntei mel a gosto e uma colher de sopa de licor de cassis, bati tudo no liquidificador e depois joguei na sorveteira. Sempre tenho o cuidado de ver que o liquidificador não transforme tudo num purê homogêneo, para deixar o sorvete cheio de surpresas pedaçudas. No teste de textura e sabor o crítico me deu um high five enquanto divulgava seu veredito extremamente positivo. As blackberries não foram suficientes para apagar o sabor intenso do pêssego, mas elas deram uma cor lindíssima ao sorvete.