Por sugestão do meu marido fomos ver juntos Julie & Julia. Eu queria muito ver esse filme na companhia dele, mas na estréia não deu pois ele estava viajando. Então quando ele propôs o cineminha na tarde do domingo, eu topei na hora. Rever esse filme não foi nenhum sacrificio pra mim e sinto que ainda vou assisti-lo mais vezes.
Exatamente como aconteceu no dia em que fui ver Julie & Julia pela primeira vez com o Gabriel, saimos atrasados—porque o cinema fica na esquina da nossa casa, então a gente abusa. Fiquei reclamando que estava em cima da hora e tal, mas o Uriel me garantiu que a cidade estava vazia naquela tarde de domingo e portanto o cinema também estaria. Pois qual não foi a nossa cara de espanto quando entramos na sala escura, com o trailer de um outro filme com a Meryl Streep já rolando, e vimos que ela estava apinhada de gente e só tinha cadeiras vazias lá na frentona. Sentamos no gargarejo mais uma vez. O Uriel ainda sugeriu pedirmos o dinheiro de volta e pegar a próxima sessão. Mas eu não quis nem discutir, me acomodei naquela posição semi-deitada, pescoção pra cima e pronto.
Foi muito engraçado a rajada de perguntas que o Uriel fez durante o filme, porque ele não é tão familiar com a Julia como eu [acho que] sou. E a Julie ele nem conhecia, me perguntou se ela realmente existia. Sim, existe, mas a verdadeira Julie não é tão singela e frágil como a Julie do filme. Até aí tudo bem, pois também duvido que a Julia fosse tão meigona cem por cento do tempo e não encarnasse uma jagunça vez em quando. Nos relatos de My Life in France Julia conta os turbilhões de chatices que aturou de sua companheira de jornada na publicação do livro, a Simca. Mas o filme só mostra os anos felizes da relação entre Julia e a geniosa amiga francesa. Se a vida fosse tão simples, como às vezes ela parece ser em certos roteiros de cinema.
Quando o filme terminou e as luzes se acenderam eu revelei aquela cara amassada com olhos avermelhados de quem tinha passado a noite em claro, consumindo substâncias ilicitas. Apesar de fingir muito bem fingido que o olho estava lacrimejante e o nariz estava fungante por causa de um recém-adquirido-ali-mesmo banal e comum resfriado, na verdade eu chorei em várias cenas durante o filme. Agora que admiti em público que sou uma manteigona abestalhada, vamos em frente.
Me digam se é possível sair de um filme como esse e não ir direto pra cozinha, tirar os livros empoeirados da Julia da estante e tentar fazer qualquer coisa no fogão, flipar uma panqueca, desossar um pato, flambar bananas, assar um suflê? Eu não precisei fazer tanto, pois já tinha uma receita engatilhada para fazer naquele domingo. Era mais uma da Food & Wine de setembro que não dava pra esperar. Tinha corrido no Co-op durante a semana para comprar duas laranjas, que já estão fora de época e portanto bem feiosas. A receita pedia ovos em temperatura ambiente, então pela primeira vez na minha vida me organizei para realmente tirar os ovos da geladeira com antecedência e não fazer os meus malabarismos e trapaças de sempre. Estava tudo pronto para preparar a receita dos popovers de laranja e eu voltei do cinema totalmente dominada pelo espirito da Julia, tão inspirada e animada que nem precisei de trilha sonora. Fui empurrando marido e gatos pra fora da cozinha e comecei a fazer o “mise en place” dos ingredientes.
—Uriel! cadê as duas laranjas murchas que estavam aqui?
—eu comi…
—como assim, comeu? as duas?
—sim, comi as duas pois eu estava muito sedento.
—mas elas eram pra fazer a receita que estou planejando fazer há dias!
—ah, eu não sabia.
—fui no Co-op especialmente pra comprar as laranjas! e agora?
—da próxima vez você põe um aviso—não coma essas laranjas!
Pois então, não tinha mais laranja. O que fazer? Como o espírito da Julia ainda estava comigo, resolvi peitar a parada e substituir a laranja pelo limão. Os limões do meu limoeiro estão despencando da árvore de tão pesados e voluptuosos e tenho colocado suco e raspinhas de casca de limão em tudo que faço. Os popovers seriam de limão então. Fiz tudo direitinho, como mandava a receita na revista. Só que não tinha forminha de muffin não-antiaderente, então usei as minhas de mini-popovers [e não era uma receita de popover?] com revestimento antiaderente. Os popover não poparam como deveriam popar e também não ficaram com um buraco no meio como estava na foto da revista. Mas eles ficaram muito gostosos, tanto na hora como no dia seguinte. Resolvi então seguir um dos grandes conselho proferidos no filme e na vida pela Julia Child—never apologize! E comi os bolinhos com a boca fechada.
faz 12 popovers
3 ovos grandes
1 colher de sopa de açúcar
1 colher de chá de raspinhas da casca de uma laranja [limão]
1 1/4 xícaras de leite
4 colheres de sopa de manteiga sem sal derretida
1 1/4 xícaras de farinha de trigo
1/2 colher de chá de fermento em pó
1/2 colher de chá de sal.
Pré-aqueça o forno em 425ºF / 220ºC e unte forminhas de muffin—de preferência das que não são anti-aderentes, com uma colher da manteiga derretida. Na batedeira coloque os ovos, o açúcar e as raspinhas de laranja [limão] e bata bem. Junte o leite e as outras três colheres de manteiga derretida. Numa outra vasilha misture a farinha, o fermento e o sal. Junte a mistura de ingredientes secos à liquida e combine bem.
Coloque a forma de muffins untadas no forno por 5 minutos, até a manteiga ficar amarronzada. Retire do forno e encha com a massa, somente até a metade. Volte ao forno e asse por 30 minutos, até eles crescerem e ficarem dourados. Remova do forno, tire os popovers das forminhas e sirva imediatamente com geléia de fruta.