O primeiro restaurante de sushi nos Estados Unidos abriu na região de Little Tokyo, centro de Los Angeles, sul da Califórnia, em 1960. Era um pequeno bar com seis banquinhos chamado Kawafuka. Logo em seguida surgiram outros dois outros restaurantes, o Eikiku e Tokyo Kaikan. Os sushi chefs do Tokio Kaikan, Ichiro Mashita e Teruo Imaizumi receberam os créditos pela criação do primeiro sushi cross cultural, adaptado ao paladar ociental—o California roll. Na época o atum fresco em Los Angeles era sazonal, disponível somente durante o verão. Os chefs começaram a pensar no que mais poderiam usar pra fazer os sushis. E encontraram uma abundância de abacates produzidos localmente. Fresquinhos e cortados em cubos, a polpa dos abacates têm uma oleosidade natural que se aproxima muito da textura do peixe gordo. Combinado com king crab, pepino e gengibre, o sushi California era servido para ser comido com as mãos. O novo sushi se tornou bem popular e serviu de estímulo para os clientes ocidentais do restaurante, enquanto iam desenvolvendo coragem para provar os sushis autênticos, com peixe cru. Durante os anos 70, o sushi ainda era considerado uma iguaria exótica. A popularidade veio somente nos anos 80, com o estrondoso sucesso da mini-série Shogun, que colocou o país numa mania coletiva por coisas japonesas. Hoje, o sushi já entrou no cardápio oficial norte-americano e Califórnia virou sinônimo de sushi vegetariano. Não poderia ser mais apropriado!
Categoria: histórias
who wants to live forever…
A inquilina da minha guest house veio pagar o aluguel no domingo e me pegou, como ela sempre me pega, fazendo o rango. Ela tem 21 anos e está no seu junior year na UC Davis. Eu já a conhecia antes dela virar minha inquilina. Ela não cozinha, o que pra mim é até certo ponto um alivio, pois a cozinha da guest house é minuscula e tem que investir num esquema para se cozinhar lá. Mas toda vez que ela vem pagar o aluguel ou só perguntar algo ou me falar algo, nós conversamos sobre comida. Ela me acha no mínimo o máximo porque eu cozinho e acha que eu sou uma mulher de sucesso porque eu tenho um blog de culinária. Ela é muito engraçada e fala umas frases engraçadas, sempre elogiosas e carinhosas, ela é bem querida. Às vezes eu convido ela pra puxar um rango. No meu aniversário ela veio e comeu a brandade de bacalhau, que ficou um pouco sem sal, então ela colocou—sem brincadeira—uma colher de SOPA de flor de sal no meio do prato. Uma vez ela me perguntou—você sabe que existem comidas prontas que você pode comprar e colocar no microondas? Minha resposta foi uma sonora gargalhada! Foi idéia do Uriel iniciar o processo de desova do bolo de laranja com tâmaras que ficou muito doce pro nosso gosto. Ele ofereceu o bolo pra ela, que aceitou prontamente, então eu cortei quatro fatias gigantes e embrulhei numa folhona de papel aluminio, enquanto explicava que o bolo só estava um pouco doce pra nós, mas era coisa fina—usei os melhores ingredientes, ovos fresquíssimos, manteiga orgânica, as tâmaras são locais e estão na temporada, tudo que eu uso é da melhor qualidade. Ela fez aquela cara de encantamento que ela sempre faz quando eu falo de como eu cozinho e nas coisas que eu acredito, e enquanto segurava cuidadosamente o pacote de bolo soltou mais uma das suas pérolas—oh, vocês comem tão saudável, você e o Uriel vão viver pra sempre!
Passe-me uma das coxas do brontossauro, por favor?
No alvorecer da década de oitenta, vivenciei por uns meses algumas situações desconcertantes geradas pela minha participação no processo Fisher-Hoffman. Eu era uma adolescente natureba e fazia a minha comida separada, sem carne, em casa. Essa trabalheira extra e estresse com a minha família não era motivada por nenhuma convicção filosófica, somente pela minha reação natural à uma ojeriza que sempre senti pelos produtos animais, que naquela época incluía também leite e ovos. Eu não entendia muito bem o que era ser vegetariano, porque eu não me considerava oficialmente uma. Mas algumas das pessoas no meu grupo do Fisher-Hoffman—que comigo somavam oito almas a procura de suas ilusões perdidas, eram vegetarianas declaradas. Um casal era bem radical, daqueles que moíam o próprio trigo e faziam aquele pão sólido como uma pedra, que só eles mesmos conseguiam comer. O cara era um agrônomo, ganhou até um prêmio para jovens cientistas por um projeto inovador que ele desenvolveu. E patrulhava com relação às carnes, às farinhas brancas, ao açúcar. Eu concordava com tudo, porque concordava mesmo. Naquela altura do campeonato eu já tinha feito minha passagem pela Raposa Vermelha e tinha lido o Sugar Blues do William Dufty, os livros de macrobiótica do George Ohsawa e já tinha adquirido o meu livro de cozinha favorito, que era a tradução para o português do livro do Ed Brown, The Tassajara Cooking.
Um tempo depois do final do processo eu fui com o Uriel, que ainda era meu namorado, a uma festa de casamento de uma das pessoas do meu grupo do F-H. Nunca vou me esquecer de uma cena que vi durante o almoço que foi oferecido aos convidados. Lá estava o casal que não comia carne de jeito nenhum, que fazia o próprio pão e advogava a vida ultra-super natureba devorando avidamente coxas imensas de peru assado, que era um dos pratos servidos no almoço. Aquela visão dos vegetarianos totalmente possuídos pelo espírito de Fred e Wilma Flintstone ficou cravada para sempre nos arquivos da minha memória.
the pizza revolution
Quando o chef austríaco Wolfgang Puck abriu o Spago, seu restaurante na Sunset Boulevard de Hollywood em 1982, ninguém esperava que o centro do menu fosse a pizza. Com um poderoso forno à lenha italiano instalado em frente ao bar, o restaurante foi um sucesso instantâneo. Puck inovou o cardápio de pizza da América, colocando sobre os discos de massa ingredientes como camarões frescos de Santa Barbara, prosciutto, scallops, queijo de cabra de Sonoma, alcachofras, berinjelas, flores de abobrinha, ou qualquer tipo de produto fresco que por ventura o chef achasse no mercado do dia. A pizza mais famosa do Spago era a recheada com salmão defumado, caviar, cebola roxa e creme fraiche aromatizado com dill.
O restaurante Spago atraia foodies e celebridades. Frequentadores assíduos eram Billy Wilder, Warren Beatty, David Bowie e Jack Nicholson, que sentavam-se às mesas cobertas por toalhas impecavelmente brancas onde talheres de prata da Christofle e pratos imensos da Villeroy & Boch eram arranjados com classe e harmonia.
thank you, miss carousel
Estava lendo um thread no forum do chowhound sobre um outro assunto quando alguém comentou um procedimento adotado pela rede de supermercados Safeway um tempo atrás. Esse supermercado já irritava com algumas chatices. Primeiro na explícita cara de saco cheio dos empacotadores quando você pedia sacolas de papel. A pergunta vinha em forma de uma quase imposição—is plastic okay? Não, não é okay, eu quero papel. E lá vinha o carão. Hoje melhorou e eles aceitam bem as sacolas reusáveis que os clientes por ventura tragam de casa e até tentam vender as deles.
O segundo caso é a dos funcionários chatonildos que interrompem a sua concentração pelos corredores pra perguntar—are you finding everything okay? Grrr! Se eu não estivesse, iria tomar a iniciativa de perguntar, né? Não sei de onde esse pessoal de marketing tira essas idéias geniais de integração com o cliente.
Mas o que se comentava no chowhound era outra coisa irritante, que felizmente eles pararam de fazer. Na hora de entregar a nota fiscal, o caixa olhava o seu nome, que vem impresso nela porque todo mundo usa o cartão de descontos onde registra nome e telefone, e lascava o forçado—thank you Mr.fulano, have a nice day! Esse negócio de falar o nome das pessoas numa cidade super multicultural deu xabú, pois muitos nomes são difíceis de pronunciar e ninguém tem a obrigação de saber como dizer perfeitamente Mr. Bruschtscosvisk, ou Ms. Uphadayaya, ou Mrs. Arroyo-López-Ramirez. No meu caso virava e mexia dava uma confusão porque Rosa parece ser primeiro nome, Guimarães forgetabouit ninguém consegue pronunciar, então às vezes eles me chamavam de miss Fernanda.
Mas parece que os clientes reclamaram tanto dessa estratégia pseudo simpática intimista, que o gerenciamento da rede resolveu voltar atrás e desobrigar os caixas desse lero-lero. Eu vou pouquíssimo ao Safeway, mas bem que da última vez que estive lá reparei na ausência daquele titubeamento final—ahn, thank you miss, miss, miss… Fernanda?
o estado do que é recorrente
São situações difíceis de se explicar. No inverno, por exemplo, eu sinto frio. Muito frio. Eu tremo, eu suo no sovaco de tanto frio. Tenho frio nos pés, no pescoço e nas mãos. Demoro pra esquentar. É um horror, todo inverno, todo inverno. Outra coisa é que todo dia eu sinto fome, especialmente no período entre nove e doze e cinco e sete. É uma fome irritante, que me faz descontrolar e comer coisas idiotas como um sanduíche de peanut butter ou só a peanut butter com a colher. Nessas horas eu também devoro pizzas e pão e queijo e banana. É um horror, não consigo me conformar! E tem ainda esse negócio esquisito de toda noite eu ficar cansada, sentir sono, querer deitar e dormir. É uma coisa mais forte do que eu. Minha cama tão aconchegante, macia e quentinha me chama—vem, vem, vem. Eu não consigo resistir. Deito, me estico e durmo muitas horas. É um horror, toda noite é a mesma história, toda noite, toda noite!
caçarola musical
Quando o sofisticado e excêntrico Jeremiah Tower tomou posse como chef da cozinha do restaurante Chez Panisse em meados da década de 70, ele imediatamente determinou—chega de Led Zeppelin tocando nesta cozinha, de agora em diante só ouviremos música clássica enquanto trabalhamos.
Eu acredito que ouvir música na cozinha deve ser um fato unânime e universal. Todo mundo ouve alguma coisa enquanto corta cebolas e refoga o molho. Eu sempre tive uma boombox na bancada da cozinha, onde ouvia meus cds. Mas como já mantenho o meu laptop na cozinha há um bom tempo, acabo ouvindo música nele. Ouço os cds que copiei pro computador ou as rádios do iTunes ou websites ecléticos como o Pandora. Eclético é também a melhor palavra pra definir meu gosto musical. Eu ouço muita coisa diferente. Algumas coisas muito diferentes, como hits dos anos 20 e 30.
Eu cresci ouvindo todo tipo de música, providenciadas pelo meu também eclético pai, que comprava de tudo e nos expôs à uma variedade enorme de estilos musicas. Meu pai ouvia de Mozart, a Nina Simone, a Jimi Hendrix. Mas ele se concentrava muito mais na música clássica, que eu passei a infância escutando. Fui amplamente exposta, mas não desenvolvi gosto pelos clássicos. Como também nunca fui a maior fanzoca da MPB. Eu sempre gostei mesmo foi de old Blues, old Jazz, Bob Dylan, a música negra norte-americana em geral e o bom e velho Rock ‘n’ Roll. Eu sou uma pessoa totalmente Led Zeppelin e iria ser forçada a pedir demissão se por acaso trabalhasse na cozinha do Chez Panisse durante o reinado clássico do chef Jeremiah Tower.
Monday Monday, [not] so good to me
Não bastasse eu estar soterrada de trabalho há meses, sem tempo para muitas leituras durante o dia, fazendo malabarismos e correrias para poder manter esse Chucrute ativo durante a semana, agora temos a noite chegando às 5 horas e a cesta orgânica abarrotada de folhas verdes. Infelizmente eu preciso dormir oito horas por noite, para poder funcionar e produzir no dia seguinte, senão poderia usar essas horas pra fazer outras trocentas mil coisinhas que eu quero fazer e não consigo.
Segundas são sempre punk pra mim, mas se durante o verão eu pegava a cesta e lavava rapidamente os legumes e frutas, ainda me sobrava tempo e luz para bolar fotos, pensar em receitas. Agora, com a noite chegando tão cedo e a cesta praticamente monocromática, com uma abóbora para destoar do vasto espectro de tonalidades de verde, não é mais a mesma coisa. Fico muito mais cansada e com a impressão de que já é muito mais tarde do que parece.
E como usar esse monte de verde? Chegou outra acelga do tamanho de uma melancia. E mais mações de espinafre, alface, rúcula, boc choi, red russian kale e cebolinhas verdes de tamanho descomunal. Com as sobras da geladeira, que incluiam outros verdes de alho poró e salsão, mais alguns nabos, fiz um caldo. Usei todos os verdes possíveis e ainda sobrou muita coisa. Enquanto fazia o caldo e lavava as mil e uma folhas verdes, coloquei uma abóbora cortada ao meio e sem as sementes para assar no forno—sim, eu tenho mania de assar tudo nessa época do ano.
A abóbora assada virou uma sopa, que ficou realmente boa. Refoguei a parte branca e picada de um alho-poró num pouco de azeite. Quando a abóbora ficou molinha, removi a polpa com uma colher e coloquei no copo do liquidificador, onde bati com um pouco de caldo de legumes—não usei muito, pois quis uma sopa bem cremosa e que não precisasse cozinhar mais. Juntei ao creme de abóbora, uma xícara de um queijo branco cremoso, russian style. Joguei esse creme de abóbora, queijo e caldo de legumes sobre o refogado de alho-poró. Temperei com sal, deixei ferver, desliguei o fogo e servi.
nhoc…
Besta sou eu, que fico tomando meus chazinhos e petiscando meus snacks saudáveis de frutinhas e bolachas integrais, enquanto meus colegas sorvem litros de café com toneladas de açúcar e devoram chocolates de todo tipo, biscoitos amanteigadas e salgadinhos industrializados. Tento manter minha pose blasé de gente superior, que não se auto-polui com porcarias. Mas despenquei do pedestal natureba no minuto em que mastiguei a terceira colher cheia de sementinhas de romãs. Um terrível gosto amargo inundou a minha boca, se misturando ao adocicado da fruta e me dobrando numa careta de surpresa e desgosto. Fiquei confusa por alguns segundos, fazendo aquela cara de pléé. Quando coloquei a lingua pra fora, dela caíram sementes de romã mastigadas e uma joaninha—das vermelhinhas com pintinhas. Não tive condições de ver se ela ainda estava viva.
As joaninhas são fofas—não só porque elas são bonitinhas, mas também porque elas fazem parte do time do bem, os good guys, que ajudam a combater as pragas na agricultura. Você pode comprar um saquinho cheio delas e espalhar pelo seu jardim, que além de enfeitá-lo, as joaninhas vão comer qualquer tipo de pulgão que por acaso esteja infestando suas rosas e plantas. Lindas e úteis. Mas não são comestíveis.
f-i-a-s-c-o
Foi pro lixo uma xícara e meia de organic whole ground buckwheat flour, um tablete da melhor manteiga orgânica, uma gema de ovo caipira, açúcar orgânico com baunilha, uma caixa de figos orgânicos frescos, uma xícara de creme fraiche e duas colheres de chá de água de rosas francesa. A massa queimou a ponto de esfumaçar—não deu pra comer, não deu, simplesmente!