A grande Julia Child na sua pequena cozinha francesa.
Categoria: celebridades
mangia!
Barack & as tortas
it’s a good thing!
tchin-tchin!
rubis & catchup
Na edição de fevereiro de 1981 da revista Food & Wine, uma enquete perguntava à alguns famosos da época qual tinha sido a sua refeição romântica mais memorável. A melhor resposta, na minha opinião foi a do Andy Warhol—comendo um hamburguer com fritas num MacDonald’s com a Paulette Goddard, porque ela estava usando seus rubis e eles combinavam com o catchup. Ha ha ha ha! Genial!
cooking with Zelda
Quando a editora Harper & Brothers pediu para a escritora Zelda Fitzgerald contribuir com uma receita para o Favorite Recipes of Famous Women, ela escreveu—”Veja se há bacon e se houver, pergunte à cozinheira qual a melhor panela para fritá-lo. Então pergunte se há alguns ovos, e se houver tente persuadi-la a cozinhar dois deles poché. É melhor não tentar fazer torradas, pois elas queimam facilmente. Também, no caso do bacon, não coloque o fogo muito alto, ou você terá que sair da casa por uma semana. Sirva, preferivelmente, em pratos de porcelana, embora pratos de ouro ou madeira possam ser usados, se estiverem à mão.”
as cozinhas de M.F.K. Fisher
Quem conhece a grande escritora gastronômica M.F.K. Fisher vai entender o meu entusiasmo por este livro. Quem não conhece, precisa sair correndo [agora!] e ler pelo menos um texto dessa mulher. How to Cook a Wolf, An Alphabet for Gourmets, The Gastronomical Me, entre muitos outros livros da autora, são leitura imprescindível para quem gosta de culinária e gastronomia.
Já li muita coisa dela, mas corri pegar o livro da Joan Reardon—M.F.K. Fisher among the Pots and Pans [Celebrating her Kitchens] na biblioteca e depois de algumas páginas lidas, comprei o volume, pra ter na minha biblioteca. Neste livro, a historiadora de culinária faz um apanhado de todas as cozinhas onde Mary Frances cozinhou em toda a sua vida etinerária, entre a Califórnia e Provence. O livro começa com as casas da infância, onde Mary Frances começou suas aventuras na cozinha. No decorrer dos anos, ela muda de cidades e de países inúmeras vezes e em muitas ocasiões se viu cozinhando num fogareiro com apenas uma panela.
Reardon descreve, não somente as cozinhas, mas também as comidas que Mary Frances cozinhava e comia. O livro é uma delícia de ler, especialmente se você já estiver por dentro dos detalhes da vida da escritora, e não precisar entender muito bem os outros acontecimentos, fora da cozinha.
As ilustrações das casas e cozinhas de Mary Frances, feitas em aquarela, decoram o livro com detalhes de delicadeza.
Queria transcrever muitas partes do livro aqui—das toalhas de mesa de linóleo quadriculado, as porcelanas decoradas com flores cor de rosas e a comida que despertou os sentidos de Mary Frances ainda criança, até o diário que ela manteve na sua última casa, onde recebia hóspedes e visitas e anotava tudo o que ela servia e o que cada um comia.
Ela nunca fez aulas de culinária, cozinhava de maneira absolutamente simples, colocando os ingredientes frescos e sazonais em primeiro plano. Sempre recusou ser rotulada com jornalista ou autora de livros de culinária. E nunca se considerou uma criadora ou seguidora de receitas, uma professora ou interprete das escolas francesas. Mary Frances era uma sensualista. Ela acreditava apenas no prazer imenso proporcionado pelo ato de comer e beber.
»tudo sobre M.F.K. Fisher que já rolou por aqui.
meu encontro com a Anna Thomas
Na sexta-feira eu estava ouvindo a minha programação regular da NPR pela manhã, quando anunciou-se uma entrevista com a Anna Thomas. Eu sou fanzoca dessa autora há muitos anos. Tenho dois livros dela, o segundo The Vegetarian Epicure e o The New Vegetarian Epicure, que carrego comigo há tantos anos, que já nem lembro quantos exatamente. Os livros dela são pequenas jóias, não só pelas receitas, mas também pelo cuidado da impressão, fontes, layout e ilustração. Adorei ouví-la ao vivo pelo rádio e me impressionei demais com a simpatia, a maneira casual e descontraída com que ela falou com o entrevistador. E para completar, anunciou que iria estar em Sacramento no domingo para um book signing na livraria The Avid Reader.
Tive que otimizar meu dia, desistir de fazer algumas coisas, para poder nadar, preparar um almoço simples e zarpar para Sac, encontrar pessoalmente a Anna Thomas e pegar um autógrafo dela no seu novo livro dedicado à sopas.
Saí atrasada, sabendo que aqui tudo começa pontualmente e já me odiando pela possiblidade de perder um só minuto de qualquer que fosse a atividade com a Anna naquela livraria. Não sei por que, mas achei que teria um tipo de palestra, como aconteceu com a Deborah Madison na Avid Reader de Davis em junho passado. Cheguei toda esbaforida, com bolsa, sacola, câmera e ela já estava sentada na mesa dos livros, conversando animadamente com os fãs, que se alinhavam numa paciente fila.
Na entrevista no rádio ela já tinha avisado que o evento teria amostras de uma sopa, receita do livro, e de um cornbread. Antes mesmo de sacar a câmera da sacola, perguntei se podia fotografar e causei uma micro comoção que terminou com a irmã da Anna vindo falar comigo. Super simpática, me perguntou se as fotos eram pra publição e eu disse que não, era para o meu blog pessoal—explica, explica, explica. Ela foi muito gentil e me pediu endereço do site, e-mail, ficha completa. Depois disso comecei a clicar, começando com o cornbread que pareceu delicioso, mas eu não provei porque tinha acabado de almoçar. Comprei meus livros e me prostrei na fila.
A Anna Thomas é sem dúvida a autora de culinária mais descontraída que eu já conheci pessoalmente. Sabe quando você se encontra com a vizinha na rua e ela te dá umas dicas do melhor lugar pra comprar aquele ingrediente especial e de quebra ainda te dá uma receita muito boa e prática, fica conversando super animada e te envolve de uma tal maneira, que você fica ali ouvindo mesmo sabendo que está perdendo a hora para algum outro compromisso.
Fiquei de orelhão pra ouvir o que ela estava dizendo pra outros fãs e meio que entrei na conversa, fazendo mil caras de concordância e balançando a cabeça afirmativamente durante todo o tempo em que ela doutrinou em favor de cozinhar os feijões secos para fazer as sopas e nunca usar feijão em lata. Participei passivamente de várias conversas até chegar a minha vez. A Anna te deixa tão à vontade que soltei a minha matraca ali na frente dela, falei que tinha ouvido ela no rádio, que tinha um blog, que não era oficialmente vegetariana, mas que minha comida era, disse até que ela era muito mais bonita pessoalmente do que nas fotos—e de fato é, não somente pela beleza física, mas porque ela tem uma vibração muito legal, de pessoa feliz.
Ela me contou que é amiga do David Leite, o porta-voz e divulgador da culinária portuguesa aqui nos EUA. Ela também me contou que nunca esqueceu da sopa caldo verde que tomou em Portugal numa das primeiras vezes que foi a Europa. E hoje usa muito a base do caldo verde para fazer as suas deliciosas sopas. Foram apenas alguns minutos ali conversando sobre comida com a Anna Thomas—eu acorcundada porque não consigo conversar em pé com uma pessoa que está sentada, preciso estar próxima, tête-à-tête—mas eu senti uma intimidade enorme com ela. Acho que todos sentem.
Depois que ganhei autógrafos nos meus livros, fui provar a sopa de feijão preto com butternut squash servida com um molho de pimenta e um pingo de azeite extra-virgem. Fiquei conversando com uma funcionária da livraria que nem perguntei o nome. Falamos de comida, de blogs, de livros, da Anna e da Julia Child, de ingredientes. Tomei a sopa, que estava muito gostosa, e me despedi suando. Estava um forno em Sacramento hoje, um dia nada apropriado para sopas quentes feita com ingredientes robustos. Na volta, perdi até a entrada mais comum que eu uso para chegar em Davis, de tão distraída que estava, pensando em simpatia, em alegria, em entusiasmo e paixão, em comida e sopas.
* já vi que no Love Soup tem um capitulo só de sopas frias—acho que ainda tenho tempo de colocar algumas em prática.
Julia comes to the rescue
Só não fui na primeira sessão do dia porque tinha que trabalhar. Combinei então com o Gabriel de pegarmos a das 7:20 pm. Ele zombou, dizendo que não teria ninguém na sala do cinema—somente um bando de velhinhas, ele afirmou. Chegamos em cima da hora e fomos avisados de que a sessão estava cheia, sobravam apenas algumas cadeiras nas fileiras da frente. Sala vazia, somente com algumas velhinhas, hein? Vamos assim mesmo, respondi prontamente. Nem pensar em esperar mais horas para ver Julie & Julia, o filme baseado no livro da Julie Powell e com o acréscimo de partes do livro biográfico e póstumo da Julia Child, My Life in France. Entramos na sala lotada, já com os trailer em ação e sentamos lá na frente, com aquela tela imensa distorcida e tivemos que praticamente deitar na cadeira até que os olhos se acostumassem com aquela imagem gigantesca na nossas caras.
O filme era tudo o que eu esperava. Adorei ver Julia Child finalmente personificada, num trabalho excelente de uma atriz do calibre da Meryl Streep e me identifiquei um pouco com a blogueira obstinada que, de uma certa maneira, trouxe Julia novamente para o nosso convívio. Depois do sucesso do blog projeto Julie & Julia e seguidamente do livro Julie & Julia, os dois volumes da obra prima de Julia Child, Mastering the Art of French Cooking, voltaram a ser abertos nas cozinhas de todo o mundo e Julia, nunca realmente ausente, voltou a fazer parte da nossas conversas em blogs e na vida real.
Quem leu os dois livros—como eu, vai perceber o filme num âmbito um pouco maior, pois nos livros há muitos detalhes deixados de fora no filme. Duas horas não são suficientes para contar com todos os micros detalhes as histórias dessas duas mulheres. Mas a diretora Nora Ephron fez um filme equilibrado, com um roteiro bem articulado que conta um pouco sobre a trajetória inicial da Julia Child e do projeto de Julie Powell.
É muito mais fácil se encantar com a história de Julia Child, que se inicia na Paris do final dos anos 40 e que culminou com a publicação de um livro que virou biblia da cozinha francesa para os americanos e a transformou num mito da cultura gastronômica mundial. Julia era única, inimitável, altona e desengonçada, com uma voz de marreca, casou-se tarde numa união extremamente feliz. Tudo o que ela fez foi meio que por acaso. Era perseverante, obcecada, dedicada, honesta. Sempre tive essa imagem dela, muito feliz no casamento com Paul, fazendo tudo com naturalidade e espontaneidade, sem objetivo nenhum de ser famosa, sem forçar a barra, desabrochando já na meia idade, realmente uma mulher de personalidade. Me identifico, sem pretensão, com muitas coisinhas do percurso da vida da Julia.
A identificação com Julie Powell vem pelo fato dela ser uma blogueira contando publicamente suas histórias na cozinha, incluindo sucessos e fracassos, e por ela projetar a mesma imagem que muitos de nós fazemos da Julia. Eu conhecia a Julia Child de vídeos e livros, mas não me inspirei nela, muito menos na Julie Powell para fazer o meu blog. Reconheço porém uma certa semelhança entre o que Julia & Julie fizeram e o que estou fazendo, porque cozinhar e blogar envolve muita dedicação, mas ao mesmo tempo exige um certo desprendimento. Na sala de cinema lotada de gente de todas as idades, eu pensava quantos ali cresceram vendo os programas de tevê, preparando ou apenas comendo as receitas da Julia. E quantos só descobriram Julia Child recentemente e decidiram abrir os livros e testar algumas receitas. Acredito que essa mulher grandona alegrou e enriqueceu a vida de muita gente, com seu didatismo e bom humor, sua figura carismática e divertida. Julia indiretamente salvou Julie do tédio, da frustração, da inércia. E acabou salvando outros também, de lambuja. Os que leram e se entusiasmaram pelo projeto, resgataram seus livros de receitas, ajeitaram os aventais e colheres de pau, abriram seus laptops e começaram a cozinhar e a também contar as suas próprias histórias.