a noite dos mortos-vivos

ou a bruxa escapou e está solta
ou a noite dos horrores pré-halloween

O resultado de querer correr uma maratona no final do dia, quando se deveria estar relaxada e sentada no sofá vendo um filme e bebericando de uma taça de vinho, foi um vidro de um litro do mais puro e saboroso azeite extra virgem, que veio como presente super especial dos amigos espanhóis de Córdoba, espatifado no meio do chão da cozinha. O resultado foi cacos de vidro por todos os lados, mancha imensa verde, oleosa e viscosa se alastrando e se infiltrando pelas ranhuras do chão de cerâmica, gatos dando pulinhos de curiosidade sem atentar para o perigo cortante iminente e uma mulher histérica chorando e praguejando com um rolo de papel toalha na mão, sem saber direito o que fazer.

Foi uma noite realmente assombrada, entremeada por outros tantos acidentes aterrorizantes, como o açúcar caro esparramado na bancada da pia, o remédio errado trazido da farmácia, o cansaço provocando dores nas costas e ainda o choque inesperado ao olhar no calendário e perceber que em dois dias será Halloween.

pear and blue cheese crostata

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Acho que tenho umas trinta páginas do The Kitchn guardadas, com receitas para fazer, artigos para ler, até aquelas maravilhosas tours de cozinhas fantásticas que às vezes aparecem por lá. Eu adoro esse website. Gosto mais dele do que do seu irmão mais velho, o Apartment Therapy. Essa receita de Pear and Blue Cheese Crostata publicada lá, estava marcada com prioridade. Então desde sábado que estou no making-of dessa torta. Djezuis Craist, nunca conheci ninguém mais atrapalhada do que eu vivendo neste planeta. Primeiro fiz a massa e quando fui fazer o recheio constatei a ausência de três pêras, ingrediente imprescíndivel. Comprei as pêras na terça-feira e fiz a torta. Preparei outra massa, porque achei que aquela que estava na geladeira não ia dar. Fiz uma receita enorme, com muitas pêras cortadas em pedaços muito grandes, que consequentemente não cozinharam direito. Comi uma fatia—que não estava ruim, e até tirei algumas fotos, que me ajudaram a comparar com a torta original e concluir que estava tudo errado. Fiquei desolada, irritada, inconformada. Comecei tudo de novo na quarta-feira. Acabei usando a massa que tinha feito no sábado, comprei uma variedade de pêra um pouco mais macia, que cortei em cubinhos bem pequenos. Dessa vez vingou. Ha-Le-Lu-i-Ha! Ficou uma delícia!
Massa:
1/2 xícara de farinha de trigo
1 colher de sopa de açúcar
1/8 de sal kosher [grosso]
1/2 tablete – 56 gr de manteiga sem sal bem gelada
1 colher de sopa de água gelada
No processador, pulse a farinha, o açúcar e o sal. crescente a manteiga cortada em cubinhos e pulse mais umas 15 vezes até ficar uma farofa. Adicione a água e pulse outra vez, até a massa ficar mais consistente. Amasse com os dedos formando uma bola, amasse num disco, embrulhe em plástico e coloque na geladeira por uma hora.
Recheio:
4 pêras pequenas e maduras
3 colheres de sopa de blue cheese esmigalhado
1/4 xícara de farinha de trigo
1/4 xícara de açúcar mascavo
1/4 xícara de avelãs picadas [ou nozes]
3 colheres de sopa de manteiga gelada
Corte as pêras em cubinhos. Estenda a massa numa folha de papel vegetal ou alumínio e coloque sobre uma assadeira. Coloque as pêras em cubinhos no centro da massa. Deixe uns 4 cms da massa em volta, para poder dobrar. Salpique o queijo esmigalhado sobre as pêras, aperte para eles entrarem entre as frutas. Dobre as bordas da massa, cubrindo parte das pêras. Numa vasilha misture a farinha, o açúcar mascavo e as avelãs picadas. Junte a manteiga e amasse com os dedos até formar uma farofa, que será espalhada sobre a crostata. Asse em forno pré-aquecido em 450ºF / 232ºC por 20 ou 30 minutos, ou até que a massa esteja bem dourada. Deixe esfriar, corte em fatias e sirva.

sopa de legumes [assados]

sopa de legumes assadosEsta sopa fica pronta num instante, se você já tiver os legumes assados. Eu tenho o hábito de assar coisas extras quando uso o forno ou a churrasqueira. Já tinha abóbora [butternut], pimentão vermelho e alho assados. Então foi só bater a abóbora, o pimentão e uma colherzinha do alho no liquidificador com um tanto de caldo de legumes. Colocar o creme batido numa panela, salgar a gosto e regar com azeite. Deixar ferver e servir.

Simca’s Cuisine

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Fiquei um pouco surpresa comigo mesma por nunca ter comentado aqui a minha leitura da biografia póstuma da Julia Child—My Life in France. Acho que isso aconteceu porque demorei pra engatar nos capítulos e depois fui lendo muito devagar, parando e recomeçando, terminando por ficar horrivelmente abalada pelo final do livro, quando ela descreve a decadência física do marido, concluindo que envelhecer é muito cruel. Quando finalmente fechei o livro, mais de um ano depois de tê-lo comprado no frenesi da novidade, chorei desesperadamente, de soluçar e sacudir o corpão inteiro, de assustar o gato, de molhar a roupa, de encher o buraco das orelhas com lágrimas, de doer o maxilar, de ficar com os olhos ardendo e inchados e de acabar com uma baita dor de cabeça. Esse livro me sacudiu, porque de uma certa maneira eu me identifico um pouco com o percurso da Julia Child. Ela viveu uma vida linda e plena, mas o fim é sempre o fim.

E é no My Life in France que a Julia conta todo o processo da produção dos dois volumes do best seller Mastering the Art of French Cooking, que ela escreveu com a colaboração de duas amigas: Louisette Bertholle e Simone Beck. Esses livros, cujo objetivo era divulgar receitas e técnicas da culinária francesa para o público norte-americano, levaram anos para ficarem prontos por causa do perfeccionismo das autoras, especialmente de Julia e Simone, que era mais conhecida como Simca. Louisette cascou fora assim que pôde, mas a colaboração entre as outras duas amigas ainda durou alguns anos. No livro, Julia conta como foi essa cooperação com Simca—um relacionamento nada suave, apesar da Julia ter uma grande consideração pela amiga francesa. Eu me irritei muito lendo as implicâncias e turrices de Simca no final da revisão do primeiro volume. E me compadeci de Julia durante a tortura e o calvário que foi o trabalho conjunto das duas pra o segundo volume. O relacionamento da Julia Child com essa amiga difícil fez com que ela subisse mais ainda no meu conceito, tal a sua paciência, dedicação e lealdade. Simca ficou pra mim como uma completa chatonilda de galochas.

Simca se ressentia de várias coisas, entre elas do destaque que a borbulhante e simpática Julia ganhava durante a divulgação do livro escrito pelas duas. Sendo Mastering the Art of French Cooking uma adaptação das receitas e técnicas francesas clássicas para o público norte-americano, Simca teve que lançar o seu livro com suas receitas especiais, com o seu jeito de fazer, que era o jeito francês e portanto o jeito certo. Simca’s Cuisine parece para mim o livro do desforro com luvas de pelica: desaforento embora gentil, onde ela coloca suas cartas altas na mesa—o verdadeiro livro da culinária francesa. Que na realidade é uma versão particular, com receitas que ela fazia em casa e heranças de família. Ninguém se importou muito com o livrinho da Simca, ocupados que estavam comprando, lendo e preparando receitas do livro da Julia Child [que era também da Simca, alguém lembrou?]. Simca’s Cuisine é um livro de receitas muito fofo e tudo parece incrivelmente simples e singelo. Mas muito cuidado mes amis, porque analisando cuidadosamente percebi que as receitas da Simca podem até ser um tantinho blasé, mas não são de maneira alguma descomplicadas.

tapenade

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Azeitonas verdes sem caroço
Azeitonas pretas sem caroço
Alcaparras conservadas no sal grosso*
[*deixe de molho e troque de água duas vezes, depois escorra]
Filés de Aliche/Anchovas
Azeite
Bata tudo no processador ou liquidificador. Sirva como quiser. O que sobrar, ponha num pote com tampa e guarde na geladeira.

SPQR

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Fomos à San Francisco encontrar com o nosso amigo Fernando e almoçamos com ele no SPQR, uma pequena osteria na Fillmore Street. As referências do restaurante eram as melhores possíveis—trocentas reviews ultra-positivas, cheias de elogios e salamaleques para o local que serve uma adaptação californiana de um menu romano. As reviews falavam de filas quilométricas na porta e esperas intermináveis, já que o restaurante não aceita reservas. Fomos com duas outras opções de back up, mas encontramos tudo razoavelmente vazio para um horário de almoço no domingo. O SPQR está instalado num prédio pintado de preto, sem placas piscantes anunciantes, o que nos fez passar por ele sem perceber que era ali o lugar. Lá dentro, num ambiente aconchegante e bem estreito, ficam as poucas mesas e um bar, de onde pode-se assistir aos preparativos do chef. A primeira coisa que eu reparei quando coloquei os pés dentro do SPQR foi que eles usavam as cerâmicas da Heath de Sausalito, a mesma que fornece as louças para o Chez Panisse—mais chique que isso não há!

O almoço estava muito bom. Pedimos um trio de antipasti que estava fantástico: uma salada de erva-doce com atum em conserva, ervas, pimenta e bottarga; cogumelos chanterelle com espinafre e pancetta; e mussarela bocconcini com tomates. O ponto forte do lugar parece ser os antipasti, porque a pasta, fatta in casa, me decepcionou um pouco. Deve ser por ter crescido comendo a melhor pasta feita em casa que sei muito bem a diferença entre uma pasta caseira e outra nem tanto. Mas esse pequeno detalhe não comprometeu. Eu comi um canelloni com linguiça de porco, ricotta, espinafre e pecorino, O Uriel comeu um rigatoni amatriciana e o Fernando um rigatoni aglio e olio. Eu fiquei um pouco atrapalhada com a carta e vinho, que só tinha italianos, e acabei pedindo um rosato que estava uma delicia. Decidimos não pedir sobremesa e fazê-lo em outro lugar, mas me arrependi de não ter provado as que eles ofereciam por lá. Fica pra próxima vez!

Panna cotta com romã

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Cheguei do trabalho na sexta-feira e—surprise, surprise—fui recepcionada por um sacão com mais umas vinte romãs gigantes em cima da pia da cozinha. Abri três delas e coloquei as sementes em containers na geladeira. Quis porque quis experimentar fazer uma panna cotta com elas. Usei a mesma receita clássica da Alice Waters que sempre uso. No fundo dos potinhos coloquei um pouquinho de pasta concentrada de romãs, depois um tanto das sementinhas frescas e cobri com o creme. Levei à geladeira por muitas horas. Adorei o resultado!

o minestrone de anteontem

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Outra sopa? Sim, outra sopa!
Felizmente existem sopas e saladas para alimentar pessoas preguiçosas e eternamente cansadas como eu. Tem dias—e esses dias parecem ser quase todos os dias—que só dá ânimo pra coisas fáceis, rápidas e de preferência feitas numa só panela. E na noite em que o minestrone figurou no menu, eu tive vontade de mastigar, de comer algo quente e pedaçudo. Nada mais prático então do que essa sopa super versátil, que não precisa de receita, ajuda a dar cabo de legumes e verduras acumulados e ainda fica reconfortante e deliciosa.
Nessa versão eu usei algumas fatias de um ótimo bacon, que cortei em cubinhos e fritei numa panela de ferro robusta. Depois acrescentei cebola picada, cenoura em cubinhos, abóbora em cubinhos, uma lata de feijão mulatinho cozido [pinto beans], alguns quiabos cortados em rodelas e um pequeno pimentão. Juntei um litro de caldo de cogumelos, um pouco de água e um outro pouco de vinho brano. Deixei cozinhar até engrossar, daí acrescentei um punhado de ORZO e sal a gosto. Deixei fervei, desliguei e acrescentei bastante salsinha fresca picada. Servi com fatias de pão rústico sweet batard.