Docteur Edouard de Pomiane

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Foi no An Omelette and a Glass of Wine da Elizabeth David que eu primeiro li sobre o Docteur Edouard de Pomiane. David adorava o medico francês, que se considerava polonês e que enfrentou a velha tradição da culinária francesa. Pomiane era um acadêmico que dava aulas no Instituto Pasteur e foi o primeiro a explicar a culinária em termos científicos. Após aposentar-se, ele dedicou o restante da sua vida à culinária. Pomiane escreveu dois livros que se tornaram muito populates—French Cooking in Ten Minutes e Cooking with Pomiane, ambos publicados nos anos 30. Os livros de Pomiane foram inovadores para a época, quando era um sacrilégio romper as tradições mantidas pela escola de Escoffier, que impunha que os cursos da refeição fossem servidos na ordem correta, sempre uma carne seguida de um peixe, zilhões de rococós. Pomiane facilitou a vida dos seres humanos comuns, que não têm o dia inteiro para gastar dentro de uma cozinha, mas mesmo assim querem comer bem e saudavelmente.
Pomiane tinha uma prosa divertida e escrevia falando com o leitor, como se ele também estivesse ali, vendo o que ele via. As receitas publicadas por ele na década de 30, quando o microondas não existia nem em sonho e ter geladeira em casa ainda era o luxo dos luxos, são ainda completamente praticáveis. Em French Cooking in Ten Minutes ele dá vários menus, que a primeira vista parecem saídos de um sofisticado restaurante francês. Mas ele realmente ensina como fazer cada prato em dez minutos. O primeiro conselho—quando entrar em casa, antes mesmo de tirar o casaco, coloque uma panela com água para ferver no fogão à gás, ele frisa. Pra que vai servir a água? Ele responde que não sabe, mas com certeza ela terá algum proveito, se não para colocar um dos itens do menu em prática, ao menos servirá para fazer o café.
Os menus de Pomiane incluem entrada, prato principal, salada, pão, queijos e frutas. Acompanha água e vinho. Nunca refrigerante. Tudo em pequenas porções, que satisfaz sem pesar no estômago, sem acrescentar quilinhos extras e sem furar o bolso. Ele usa alguns produtos enlatados, na falta do mesmo fresco. Na época de Pomiane ainda não existiam os produtos congelados.

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Onion soup

Saddle of hare with sour cream

Buttered beets

Green Salad

Cheese

Jam cookies

Pumpkin soup

Creamed salt cod

Buttered green peas

Cheese

Fruit

Ainda não fiz um menu inteiro. Mas sei que farei. No entanto já testei uma sopa de cebola. Não calculei o tempo pra ver se levou mesmo dez minutos, mas garanto que foi rápido e a sopa ficou deliciosa.
Onion Soup [em dez minutos]
Manteiga
1 cebola grande picada
1 colher de chá de farinha de trigo
Água fevendo [*olha aí a utilidade dela!]
Sal e pimenta a gosto
Pão amanhecido ou torradas
Queijo parmesão ralado
Leite quente, crème de leite fresco ou um ovo batido [* itens opcionais, mas eu escolhi usar o crème de leite]
Coloque um tanto de manteiga numa panela, deixe derreter e adicione a cebola picada. Cozinhe em fogo alto até a cebola ficar num tom amarronzado. Adicione a farinha e misture bem, adicione um pouco de água morna, depois jogue 2 xícaras de água fervendo. Deixe cozinhar por 8 minutos, adicione sal e pimenta. Coloque pequenos pedaços de pão amanhecido ou torradas num prato, salpique com queijo parmesão. Adicione a sopa, um pouco de crème de leite [ou leite, ou um ovo batido] e sirva.

[beware of the picky eater]

Na mesa do almoço na vinícola Quixote eu sentei em frente ao Hank Shaw, que poderia ser o italiano que ajudou o Michael Pollan a caçar o porco selvagem e encontrar os cogumelos em O Dilema do Onívoro. A única diferença é que Hank não é italiano e vive na região de Sacramento. Mas ele também planta seus legumes e verduras, colhe frutas silvestres e ervas comestíveis pelos campos e cogumelos na floresta, caça animais selvagens e prepara ele mesmo praticamente tudo o que consome, desde linguiças, passando pelas conservas e até o vinho.

Na mesa do almoço na vinícola Quixote havia um prato com ovos cozidos. Eram ovos das galinhas do vizinho, que foram trocados por serviços, não lembro bem a história. Eles foram cozidos à perfeição e nós alegremente nos servimos deles. Em frente ao Hank, que faz salada de ervas daninhas e queijo com o leite que ele ganha do amigo que tem uma vaca, come de tudo e é super frugal, eu removi cuidadosamente as gemas super amarelas do ovo das galinhas do vizinho, enquanto ele me olhava com um certo espanto. Você não vai comer a gema? Nas entrelinhas eu ouvi, você tem um blog de culinária e não come isso ou aquilo?

Realmente isso parece contraditório e até enganoso, pois como pode alguém que gosta de comida, não comer isso ou aquilo? Desfiei meu rosário pra ele—sim, sou uma chatonilda, não gosto de gema de ovo, nem de leite, nem de frutos do mar, nem de miúdos de animais e carnes estranhas, não como coelho, capivara, macaco ou cobra. Sobra a minha paixão pelos pães, pelos queijos, macarrão, pelas frutas, legumes, verduras, ervas, feijões, gosto também das azeitonas, dos peixes cozidos, como arroz, couscous, quinoa, lentilhas, ervilhas… Será que tenho um bom currículo pra ter blog de culinária? Ah, esqueci de dizer que também não encaro caviar nem foie gras. Mas como feliz um pratão de espinafre.

chili con naranja

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A Alison me deu a dica de uma receita do livo Joy of Cooking—Caribbean chili. Fiquei tri-animada com a idéia de um feijão temperado com citrus, mas comecei meio com o pé esquerdo, pois já sabia que não tinha alguns ingredientes, como a laranja ou o coentro. Mas mal sabia eu que a situação iria evoluiur para a ausência total de receita. Com meus poderosos óculos, curvada na bancada da pia, com a luz mais forte iluminando o livro, i-swear-to-god, procurei naquele índice micro-minúsculo por chili, por feijão, por feijão preto, por tudo que pudesse me indicar o caminho da verdade, mas não achei necas de pitibiriba.
Então resolvi fazer o chili com uma receita da minha cachola mesmo. Refoguei cebola picadinha no azeite, joguei o feijão flor de mayo já cozido com o caldo, mais um pouco de caldo de legumes. Piquei um tanto de gomos de tangerina [teria que ser laranja, mas], raspei cascas de uma laranja vermelha e um limão, mais o suco do limão, chili pepper em pó, cominho em pó e um pouco de noz moscada ralada na hora. Cozinhou até dizer chega. Acertei o sal, jogue salsinha picada [era melhor coentro]. Servi quentíssimo com um triangulo de corn bread. Comi demais—coisa que eu detesto fazer à noite.
O corn bread tirei do Joy of Cooking, já que estava com eles abertos [chequei a edição velha e a nova, atrás do tal chili]. Também não tinha uns ingredientes pra essa receita, mas nessa altura do campeonato nada mais importava, pois eu já estava irada e pronta pra rodar uma baiana e desafiar o Mario Batali no Iron Chef America.
skillet corn bread
Pré-aqueça o forno em 400ºF/205ºC. Unte uma frigideira grossa de ferro [skillet] com manteiga. Numa vasilha misture:
1 1/4 xícaras de cornmeal amarela * eu não tinha, usei a azul
3/4 xícara de farinha de trigo *o rato furou o saco, usei uma integral
2 1/2 colheres de chá de fermento em pó
2 colheres de sopa de açúcar *pode pôr até 4 se gostar mais doce
3/4 colher de chá de sal
Adicione então:
2 ovos batidos
2 ou 3 colheres de sopa de manteiga derretida, gordura de bacon ou óleo vegetal * usei 2 colheres de óleo vegetal
1 xícara de leite
Misture bem, eu joguei um pouco de queijo ralado, coloque na frigideira e ponha no forno. Asse por uns 20 minutos, até que a massa esteja firme como um bolo.

O guardião da farinha

Desde domingo à noite que o gato Roux estava de plantão na cozinha. Ele se posicionava em modo caçador ora no canto da máquina de lavar louça, ora no canto da geladeira. Alertei o Uriel que o gato certamente tinha visto algum bicho. Eu já estava na cama quando o Uriel veio me contar que tinha pegado a lanterna e viu o que estava intrigando o gato. Era um ratinho, disse ele, me fazendo reagir com um berro de pânico, só pra um segundo depois completar, um ratinho de pano! Rimos da piadinha engraçadinha aliviados—era apenas um ratinho de pano, daqueles que eu compro de meia dúzia, ha ha ha!
Mas o Roux continuou de plantão na cozinha. Foi segunda e foi terça. Na terça ele estava particularmente insistente, sempre naquela pose de caçador, no canto da máquina. Eu olhei, olhei, não vi nada e não tive tempo mais de pensar no assunto. Na terça à noite ainda estava lá o Roux. Ele passou o dia na cozinha. Quando eu abri uma das portas da parte de baixo do armário da pia, entendi por que. Onde tenho guardado açúcares e farinhas, alguns itens em latas, outros soltos, vi um rastro de papel mastigado e logo em seguida um dos pacotes de farinha com um buraquinho.
TEM UMMM RAAAAAAATOOOOOOOOO NA COZINHAAAAAAAAAAAA!!!!
Foi somente então que o Roux finalmente saiu da cozinha e se aconchegou exausto numa das poltronas onde ele dorme, no andar de cima. O gato passou o dia inteiro na vigilância, nem dormir, o pobre coitado. Tudo porque um rato teve a audácia de adentrar uma casa onde vivem dois gatos. Um que deve estar perdendo os instintos e outro muito consciente das suas obrigações, felizmente! O rato entrou, de fato, mas mal conseguiu mastigar um buraquinho no saco de farinha, pois o gato não deu sossego. O estrago foi bem pequeno, graças ao Roux! Telefonei para o serviço de controle de pestes que temos e o Uriel inspecionou todas as possíveis entradas do rato. Fechamos algumas possibilidades com panos e pela manhã inspecionei tudo novamente. Parece que o rato não voltou, mas também pudera, a coisa mais difícil do mundo é driblar o guardião da farinha, o eficientíssimo gato Roux!