a falta que a magrela faz

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Na capital americana das bicicletas encontra-se de tudo, desde as magrelas mais sofisticadas feitas com material levíssimo, altas tecnologias aerodinâmicas, passando pela multidão de bikes comuns, outras inusitadas, daquelas com apenas uma roda ou um banco altíssimo, onde o ciclista pedala deitado ou totalmente em pé. Davis é realmente uma democracia de bikes com espaço para as caríssimas e brilhantemente novas, as não tão novas, as velhas, e velhíssimas, chegando até aos cacarecos caindo as pedaços. A minha magrela é antiga, da marca Schwinn e cor azul, com duas cestas dobráveis de metal atrás. É uma cruiser, isto é, uma bike pra se andar na boa, sem se esbaforir, sem correr. Ela não é bicicleta com marcha, pra dar velocidade, ela é bicicleta pra passear, cruzar o parque tranquila. Eu escolhi essa bike por acaso, porque ela simplesmente apareceu na minha frente e eu achei que ela era perfeita pra mim. Ela é uma bicicleta alta, com banco alto, guidão alto, carregava um estudante gigante pra lá e pra cá e quando ele terminou o curso e foi embora eu fiz uma doação e fiquei com a magrela. Que bicicleta boa, minha gente! Já viu gente alta pedalando bicicleta comum? É de dar pena. É uma corcundice tórpida, uma abertura de pernas patética, gente alta precisa de bicicleta alta, por isso eu me encantei com essa magrela azul. Ela me deixa ereta, não me faz dobrar, me deixa elegante mesmo na tarefa inglória que é pedalar contra o vento ou sobre a chuva. Minha magrela é uma cruiser com breque de pé, que no começo me pareceu uma coisa da era das cavernas, mas com o tempo se acostuma a usar e hoje eu nem sinto a diferença. Estou sentindo é a falta dela nesses dias, quando tive que caminhar pro trabalho. Nem vou dizer que caminhar não deu certo, na minha atual condição. No final acabei tendo que dirigir, o que pra mim é quase um crime. Gastando gasolina pra ir daqui até ali. Mas tudo bem, enquanto não posso pedalar, vou fazer uma reforma na minha magrela, trocar o banco, os apoios do guidão e finalmente instalar um pára-lama, que faz uma falta danada todo inverno.

*na foto o meu irmão Paulo, um moço muito altão, pedala alegremente a minha bike azul com minha sobrinha Paula de carona, num lindo dia de inverno no Arboretum.

uma receita sem foto

Meu cansaço era tão grande que não tive forças pra clicar foto nenhuma, mas a receita merece ser publicada, pois é uma das mais deliciosas e simples sopa de tomate que já fiz. Usei os tomates orgânicos que ficaram na bancada durante a semana em que fiquei de molho e estavam muito maduros e vermelhos pra virarem salada. Então viraram sopa.

A receita original está na edição de junho/08 da revista Bon Appétit.

sopa fria de tomate com estragão
4 tomates orgânicos grandes e bem maduros
1 colher de sopa de estragão fresco picadinho
1/2 cebola roxa pequena cortada em cubinhos
Azeite
Sal e pimenta a gosto
1 pitada de açúcar mascavo

Cozinhe os tomates em bastante água. Bata tudo no liquidificador e passe por uma peneira. Numa panela refogue a cebola em cubinhos no azeite, até ficar macia. Junte a polpa do tomate, o estragão, sal e pimenta e uma pitada de açúcar, pra quebrar a acidez—se você achar necessário. Deixe ferver até dar uma engrossada. Desligue o fogo e deixe esfriar.

Numa frigideira toste fatias de pão regadas com um fio de azeite. Sirva a sopa fria, acompanhada das torradas. Pode salpicar estragão fresco nas torradas, mas eu não fiz.

salada de batata e ovo

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Foi a minha amiga carioca-norueguesa Eli quem colocou a batata sob uma nova perspectiva, quando me contou anos atrás sobre a importância, as mil e uma variedades e maneiras de prepará-las. As batatas que eu recebo na cesta orgânica são como as batatas dos noruegueses—não se pode desperdiçar um naco, uma casca, nada! São preciosas, deliciosas e chegam em diferentes variedades e cores. Eu sempre cozinho com casca, às vezes preparo também com casca, que são bem lavadas e, se precisar, levemente escovadas. Nessas batatas não é necessário usar muitos ingredientes ou temperos, pois elas já são saborosas o suficiente. Para essa salada foi só cozinhar as batatinhas em água, depois remover a casca que sai facilmente, picar e juntar uns ovos cozidos, depois um punhado de chives, essas colhidas no meu quintal. Temperei com um vinagrete feito com vinagre de champagne e laranja, azeite, sal marinho, pimenta do reino moída e mostarda amarela preparada. Bati tudo muito bem com um batedor de arame, derramei e envolvi nas batatas.

salada de pepino

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Salada tirada do capítulo do verão do The Taste of Country Cooking da Edna Lewis. Bem fácil de fazer, refrescante e diferente apesar de não ter nada de especial. Use pepinos orgânicos para poder fatiar com a casca.
Rale dois pepinos médios com casca e tudo no mandoline. Salpique com 1 colher de chá de sal marinho grosso e revolva bem com as mãos. Coloque uma vasilha pesada em cima dos pepinos e coloque na geladeira por uma hora, para soltar bastante água. Remova da geladeira depois de uma hora, coe bem todo o líquido que o pepino vai soltar. Reserve. Numa saladeira bata com o batedor de arame 1/3 xícara de vinagre de vinho branco [eu usei de maçã] com 1/4 de xícara de açúcar, até o açúcar dissolver. Junte o pepino escorrido, misture bem para incorporar e salpique com bastante chives/ciboulette picadinha. Sirva imediatamente ou leve à geladeira até a hora de servir.

vamos tentar, então?

Eu subestimei um bocado essa operação-procedimento-tratamento que fiz. Achei que a recuperação iria ser muito fácil, assim num estalar de dedos, mas não está sendo. Pelo menos já estou fora da caverna, i.e., quarto. Não aguento mais ficar sem fazer nada, vendo e pensando em tanta coisa pra fazer. Resolvi que, conforme anteriomente planejado, amanhã estarei de volta ao trabalho. O único porém é que não posso pedalar a bicicleta e estou caminhando como uma anciã, então vou ter que planejar muito bem o meu dia e certamente almoçar no trabalho. Essa é a parte mais chata de tudo, pois gosto de vir almoçar em casa, de quebrar a rotina, sair da frente do computador, ver os gatos, às vezes até tomar um banho nos dias quentes. E dias quentes serão. Gastei algumas das minhas horas inertes fazendo planos—será que levo uma toalha pra estender na grama mais próxima, fazer da minha hora de amoço um picnic time e ainda poder deitar e relaxar? Mas isso involve carregar a toalha e todos os cacarecos na minha caminhada pela manhã. E se estiver muito quente, não vou querer lagartixar na grama. Levo um chapéu? Levo minha sombrinha portátil? E a parte de higiene, escova de dente, fio dental, preciso levar também. Não quero fazer como os meus colegas, que comem sopa de lata, bolinhos microondáveis ou gororobas compradas prontas em frente ao computador. Mas não quero ficar na toca nem mais um dia. Ainda estou pensando como vou fazer, mas já decidi que vou fazer. E pronto!

sabão feito em casa

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O sabão feito em casa pela Osmarina chegou na semana passada na mala do Gabriel. Ela me mandou um tablete, porque sabe como eu sou atrapalhada, mancho todas as minhas roupas com respingos de comida e esse sabão é famoso por ser tiro e queda na eliminação de manchas. E a Osmarina é expert nessas tarefas de desencardir. Eu aqui, com todos os produtos sofisticados pra espirrar, nem sempre consigo os resultados que ela consegue com uma simples barra de sabão em pedra. Além de tudo esse sabão é feito com sobras de óleo usado de cozinha, aquelas que você não deve jogar no ralo da pia nunca.

Para quem quiser experimentar fazer esse poderoso sabão em casa, aqui vai a receita, enviada pela minha mãe:
5 litros de óleo de cozinha usado e coado, 1 copo de sabão em pó, 1 copo de pinho sol, 1 copo de detergente, 1 quilo de soda cáustica Yara, 1 litro de água fervendo, bem fervendo. Colocar a soda no balde com a água fervente, tomar cuidado porque borbulha*, colocar o sabão, o pinho sol, o detergente e por último o óleo. Bater por 40 minutos com o cabo de uma vassoura—só que a Osmarina bateu com as colheres da batedeira por 20 minutos e ela achou que ficou melhor. Colocar numa vasilha retangular e deixar até o dia seguinte. Cortar em pedaços.

* Minha sugestão é que você use luvas e, se possível, também óculos de proteção para fazer o sabão, afinal estará mexendo com soda cáustica e o seguro morreu de velho, num é?

A paciente orgânica

Enfermeira—você pode ficar para o jantar, se quiser. servimos às 6pm.
Fer—eu realmente não quero desperdiçar a sua comida…
Enfermeira—ha ha ha! mas se quiser, fique à vontade!
Fer—acho que prefiro beber um copo de leite em casa [e sonhar com um curau de milho que deixei na geladeira]

Eu entendo que hospitais em geral aceitam requisição para dietas especiais, kosher, vegetariana, mas nunca ouvi falar que houvesse opção para os naturebas como eu. Portanto já fui consciente de que qualquer rango que me servissem lá iria ser abominável. Felizmente casquei fora a tempo, antes que eles viessem me empurrar o jantar sem sólidos, que prometia ser monstruoso. Não comi realmente nada lá. No dia seguinte o Uriel me serviu de colher um potinho de suco de cranberry e uva e outro com uma gelatina cor de xixi de alienígena. Algumas horas depois já estava tudo devolvido, já que as náuseas me atacaram ferozmente no primeiro dia. No segundo dia me trouxeram um chá preto com açúcar, outro suco de cranberry, outra gelatina fluorescente [passa, passa!], água com gelo, soda limonada horrivelmente doce, um caldo de carne e crackers salgadas. Nada entrou, nada desceu, simplesmente não deu. Pior é que quando me vejo assim frágil, como no caso de uma estadia num hospital, eu fico extremamente franca e portanto não escondi o meu desprezo por aquela comida sem criatividade, sem nada especial.

Se eu fosse a Alice Waters, delirei, teria um grupo de chefs na cozinha do hospital, cozinhando só pra mim—a paciente orgânica. Mas como sou uma simples ninguém, não posso exigir na bandeja um copo de suco de cenoura fresquinho ou gelatina feita com frutas sazonais, ou mesmo umas bolachinhas de farinha de centeio. Isso eu só posso ter em casa. Por isso não via a hora de ser liberada daquelas quatro paredes verdes, onde eu só dormi, dormi, dormi e dormi, alem de apertar o botão dos narcóticos que me faziam vomitar, e dormir mais e mais.

No segundo dia, quando acordei totalmente desgastada e descabelada, depois de uma noite de náuseas e vômitos constantes entre as dormidas impostas pelos narcóticos que me fizeram sonhar sonhos muitos estranhos, a enfermeira veio fazer o exame dos sinais vitais, que são feitos a cada hora, eu presumo. Eram sempre duas, a enfermeira registrada e a assistente. Sempre extremamente gentis, essa em particular olhou o bracelete com meu nome e idade e exclamou—nossa, mas você não aparenta ter quarenta e seis anos! Eu e o Uriel nos entreolhamos com um sorriso sem graça e eu com aquela cara amarfanhada e torturada respondi—nas atuais circunstâncias, ouvir isso é muito lisonjeiro. Acho que essa é uma das profissões mais honoráveis que existem, porque essas mulheres e homens lidam com a miséria humana, histórias tristes passam pelas mãos desses profissionais todos os dias. E muitas vezes eles vão até o final, até a morte do paciente, cuidando, sorrindo, sendo gentis e falando coisas pra te animar e te colocar mais alegre. No meu caso não foi nada dramático, mas ser tratada com carinho e atenção ajudou bastante no processo.

Ainda estou tendo muitas dores e ontem tive uma febre que só baixou de madrugada e que me assustou um pouco. Estou descansando bastante, vendo muitos filmes na tevê e comendo os ranguinhos brejeiros que o Uriel tem trazido dos meus restaurantes favoritos. Estou alimentando esperanças de que meu corpo vai colaborar e ficar bom logo, e fazendo planos de voltar à minha rotina na segunda-feira. Bicicleta, porém, só no final de agosto. Muito, muito, muitíssimo obrigada à todos que deixaram uma palavrinha aqui, desejando boa sorte e boa recuperação. Senti ondas confortantes de extremely good vibrations, que vieram em ótima hora!