Eu tinha uns dezessete anos quando peguei o ônibus noturno da Viação Cometa com minha amiga de infância e fomos juntas para a nossa cidade natal, que eu desejava ardentemente rever desde a minha partida aos doze. Lá fiz uma completa peregrinação, visitei as casas onde morei, fui ao rio onde costumava nadar, às pracinhas e escolas que frequentei, revi duas amigas, minha babá e fui também visitar uma antiga vizinha, que idolatrava a minha mãe. Dona Antonieta era uma mulher muito séria e me recebeu com café e bolo de fubá na sua simpática e singela casa de madeira acinzentada—daquelas com acabamento rendado no telhado, com certeza uma herança da imigração polonesa que fazia, com as imponentes araucárias, uma linda paisagem de cartão postal do norte paranaense.
Sentei na namoradeira de assento de palhinha trançada que era o centro da sala da casa simples da Dona Antonieta, e ela me serviu o café passado na hora e uma fatia do bolo quentinho, enquanto me fazia perguntas sobre a nossa vida em Campinas, e principalmente sobre a minha mãe. Eu dava garfadas no bolo e falava, apesar de estar também ouvindo as coisinhas que ela contava, quando mordi uma coisa dura e áspera. O bolo fez crec-crec-crec e eu tremi. Tentando não dar bandeira do meu susto e continuar ouvindo a história da gentil senhora, fui tomada por uma sensação paralisante e de completo horror—meusantoantônio, o que foi que eu mordi, o que tem dentro desse bolo?! Segurei firme os regurgitamentos nauseabundos já precipitantes pela minha garganta e consegui identificar que o que eu tinha na boca, misturado à massaroca mastigada do bolo, eram pedaços de casca de ovo!
Foram minutos de pânico mental e desespero. O que eu iria fazer? Cuspir a gosmeira toda sobre o prato, bem ali na frente da minha delicada anfitriã, que tinha feito o bolo ela mesma? Eu não podia fazer essa indelicadeza, iria ser muita brucutuzice, uma intolerável tosquice, uma atitude vergonhosa que a filha da minha mãe nunca faria. A única saída para aquela abalante situação seria superar todo o meu asco e pavor, mastigar as cascas de ovo e engolir o bendito bolo. Me vendo comer com tanta avidez, a gentil senhora já foi oferecendo—mais um pedacinho? Muito obrigada, mas não vou querer mais—respondi com os olhos lacrimejantes—apesar de que o seu bolo está realmente uma delicia!

