Eu entrei na livraria e dei de cara com ela. Como é natural reagir quando se é pego de surpresa frente a frente com uma celebridade, cumprimentei-a efusivamente, como se tivesse acabado de reencontrar uma velha amiga. Ela respondeu, como deve estar acostumada a fazer. Quantos dos seus fãs e leitores não a devem cumprimentar da mesma maneira? Uma dúvida me tomou de imediato: não, não pode de jeito nenhum ser ela, assim vagando pela pequena livraria, olhando os livros em promoção e conversando com umas pessoas na maior naturalidade do mundo. É ela sim! É ela, sim, só pode ser ela! Impossível não reconhecer a Deborah Madison das fotos que estampam as capas dos seus livros. A singeleza, o sorriso, a simplicidade.
Fui logo pegando uma cadeira bem na frente do lugar de onde ela iria falar com o público. E tinha bastante gente se acomodando, duas poltronas reservadas, uma delas para a mãe da autora, uma senhorazinha tão fofa quanto a filha. Já fui aproveitando para tirar fotos, enquanto me re-idratava com um copo dágua. Eu sou um bocado tímida e fico com meus suores nervosos quando dou uma de tonta alegre falando com alguém que não me conhece como se fossemos intimas. E também fico toda inibida de ficar tirando fotos das pessoas.
Ao meu lado sentou-se um casal e logo o senhorzinho virou-se na minha direção, me cutucou e disse—você sabia que muitos anos atrás a Debby foi babá dos nossos filhos? Uau, que bacana, eu respondi. Trocamos algumas idéias sobre os livros dela e ele me contou que apesar de cozinhar para dois, só usava uma receita: a de minestrone. Com um pouco de queijo parmesão, um belo pedaço de pão, temos comida para vários dias, ele reinterou. E que comida boa, eu retruquei. Um minestrone tem tudo, não precisa de mais nada!
Enquanto os convidados se ajeitavam nas cadeiras, pessoas se reencontravam e papinhos informais brotavam aqui e ali, a Deborah conversava com muitos conhecidos e já dava alguns autógrafos. O sinal gritante da minha falta de familiaridade com a autora mostrava-se no fato de eu chamá-la de Deborah. Todos a chamavam de Debby, porque muita gente ali a conhecia de muitos anos, não só como autora de livros bacanas e pela sua história com o famoso restaurante Greens em San Francisco. Deborah Madison, ou melhor Debby, cresceu em Davis, quando teve a oportunidade de ser babá dos filhos do simpático casal e estudar na UC Davis. Estar em Davis é, como a própria Debby afirmou, estar em casa.
Eu, além de não ter conhecido a Debby de Davis, mas apenas a autora Deborah Madison, ainda estava intrometidamente sorrindo e tirando uma foto atrás da outra. Debby me olhava de vez em quando com o rabo do olho, com aquela cara de dúvida, talvez pensando que eu era uma conhecida de quem ela tinha esquecido o rosto, o nome e a história.
Bem diferente do meu encontro com a Alice Waters anos atrás em Berkeley, quando havia uma organização toda em função da tarde de autógrafo da famosa autora, com a Debby foi tudo muito casual. Sem muitos salamaleques, ela já foi começando a falar, com uma introdução breve feita pela dona da livraria. Todo mundo conhece a Debby, não precisa de enrolação. E ela então relatou toda a história do seu novo livro—What We Eat When We Eat Alone, uma colaboração entre ela e seu marido, o artista Patrick McFarlin.
Debby contou que ela e Patrick passaram uma época viajando por diversos países experimentando azeite de oliva, e nessas visitas eles encontravam muita gente famosa, chefs e culinaristas, artistas, escritores e poetas. Enquanto rolava as degustações, Patrick ficava meio entediado, então começou a entrevistar as pessoas, mas ao invés de sair distribuindo a famosa pergunta—o que você faz—resolveu perguntar outra coisa—o que você come quando come sozinho? O resultado das respostas acabou virando esse livro, com texto e receitas da Debby [e de muitos dos entrevistados] e ilustrações divertidíssimas do Patrick.
Debby leu vários trechos do livro, que incluí algumas poesias e é completamente fofo! Ainda vou falar mais sobre ele por aqui, quando acabar de ler. Comprei dois exemplares, um pra mim e outro para a minha amiga Leila, que como eu, come sozinha eventualmente. A Debby ainda respondeu perguntas do público e depois sentou-se casualmente na cadeirinha e sem organização nenhuma de assistente nenhum, começou a dar autógrafos. Eu me posicionei rapidamente na fila que se formou e um casal atrás de mim perguntou se eu era do jornal e se as fotos iriam sair em algum lugar que eles pudessem ver. Não, são só pra uso pessoal, respondi envergonhada e fui logo puxando o assunto pros livros da autora.
Tremi como vara-verde por uns segundos quando chegou a minha vez de falar com ela. Pensei em me ajoelhar no chão, mas no final resolvi ficar curvada e disse, assim que ela me olhou e sorriu mais uma vez—estou tão contente por tê-la conhecido, eu uso muito os seus livros! Enquanto ela autografava o meu livro e o da Leila, batemos um ligeiro papinho, ela dizendo que meu nome era lindo e que esse livro novo era bem diferente dos outros e eu respondendo e tentando não falar nenhuma bobeira. No final comentei que tinha adorado o colar que ela estava usando, feito com sementes de açaí. Ela respondeu que tinha comprado o colar numa loja sem saber do que era feito. São sementes de uma fruta brasileira muito comum no Amazonas, fui explicando. Agradeci, disse outra vez o quanto estava feliz em conhecê-la e sai carregando os livros, a câmera, a bolsa, e meu corpo cambaleante com uma cabeça atrapalhada, que por uns segundos perdeu a noção de localização e zanzou pela livraria sem saber pra que lado estava a saída. Mas antes de me localizar e sair da livraria em direção à minha casa, ainda bati mais algumas fotos daquela moça tão simpática e tão querida, a nossa Debby de Davis.