somos nozes, castanhas & amêndoas

Não é novidade, pois acontece todo ano. Ele mal chegou de uma viagem e já viajou de novo, desta vez pro sul do estado onde a colheita dos pistaches e das azeitonas está a todo vapor. São duas fazendas, com uma hora e meia de distância entre elas, e ele tem que estar nos dois lugares ao mesmo tempo, dirigindo os testes com duas máquinas diferentes. Não é bolinho meus camaradas!

Então ele chegou no domingo de madrugada e passamos o dia juntos, antes dele voltar pra colheita nas fazendas. Ele sugeriu que fossemos almoçar em Winters, naquele café simpático que gostamos muito. Depois ficamos rodando pelas estradas vicinais ao redor, percorrendo o circuito agrícola. São quilômetros e quilômetros de fazendas de nozes, pistaches, castanhas, ameixas, tomates, pêssegos, nectarinas.

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somos NOZES

Me encantei com as árvores de nozes—as nogueiras, que estavam carregadas de frutos, muitos ainda verdes, outros já rachados e expondo as nozes com suas cascas rugosas. Eu moro no centro da maior produção de nozes e amêndoas do mundo. A Califórnia é responsável por 80% da produção mundial de amêndoas. Mas eu raramente penso nas árvores ou nos frutos. Já conhecia o pistache, que como as outras castanhas, também crescem dentro de um fruto com polpa verde, que quando se abre mostra a casquinha que protege a noz. Então são três camadas—a polpa externa, a casca e o centro, que é o que interessa e o que comemos.

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somos CASTANHAS

As nozes e amêndoas têm uma colheita bem interessante. A máquina chacoalha a árvore, os frutos caem no chão e daí outra máquina passa pegando tudo, os frutos e terra misturados. Depois se faz a peneiragem e espera-se uns dias até as casquinhas secarem. Quando as nozes e amêndoas estão maduras, a casca externa racha e abre. É bacana de ver.

E as castanhas portuguesas, conhecidas aqui por chestnuts, são mais lindas ainda, uma bolota espinhosa, perigosa, que fura seus dedos mesmo com luvas. E lá dentro a castanha tão linda, lustrosa, macia e doce! Foi irresistível pegar algumas, a maioria caída e espalhada pelo chão do pomar.

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somos AMÊNDOAS

Rodamos os pomares de nozes, amêndoas e castanhas até o final da tarde. Terminamos o passeio visitando uma das estações experimentais da UC Davis, a que tem muitas das oliveiras centenárias que produzem uma das três variedades de azeite, que fazem a festa todo ano na universidade.

Wine tasting no Copia

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No COPIA—The American Center for Wine, Food and the Arts, fiz um wine tasting bem diferente, usando um cartão e um monte de máquinas. Tive que testar essa inovação. Você compra a quantia que quiser, mínimo de dez dólares, depois passeia pelas diversas máquinas, cada uma contendo três tipos de vinho. Os tastings custam de um a cinco dólares, dependendo da qualidade do vinho. Eu testei três Cabernet Sauvignon da Califórnia e um Pinot Noir da Nova Zelândia. Bem legal!

Duarte’s Tavern

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Depois de colher os morangos na Swanton Berry Farm o GPS nos levou até Pescadero para um almoço na Duarte’s Tavern. Chegamos na minúscula cidade e fomos direto para o restaurante, que estava lotado, com muita gente esperando na porta. Colocamos o nosso nome na lista de espera e recebemos o aviso de que teríamos que esperar por 45 minutos. Achei que valeria a pena e para passar o tempo fomos visitar as lojinhas de antiguidades e de artes da rua principal da cidade. A história do restaurante é interessante e começou em 1894 quando o patriarca Frank Duarte trouxe um barril de whiskey de Santa Cruz até Pescadero e vendia as doses em cima do balcão do bar, que ainda é o mesmo. A família Duarte tem tocado o local desde então. Hoje eles têm muitos funcionários, mas os membros da família continuam trabalhando lá. Vimos alguns deles, apressados, servindo pratos, conversando com os comensais.

Nós sentamos no balcão, o que nos poupou alguns minutos de espera. Eu confesso que adoro sentar nos balcões de restaurante! Acho o atendimento mais cuidadoso, não sei o que é. No Duarte’s não foi diferente. Eu levei um tempão pra decidir o que pedir, pois as opções eram imensas, com muito peixe e frutos do mar. Acabei optando por uma sopa de chili verde, que pedi com um pouco de medo, pois as pimentas ainda me assustam. A sopa acabou sendo a melhor escolha, um creme suave e delicado, com uma deliciosa surpresa picante no final. Também pedi um sanduíche de caranguejo, que estava recheadão de carne macia e bem temperada. O Uriel pediu um ravioli de alcachofra. Os pratos com alcachofra são a assinatura do restaurante. Muita gente pedia a sopa de alcachofra, que é bem famosa. Eu bebi um vinho espumante da Mumm Napa, que veio na garrafinha super charmosa. Até o pão estava especial, vindo semi-assado da padaria da outra esquina e terminado de assar nos fornos do restaurante, chegou à mesa quentinho e crocante. De sobremesa dividimos uma torta de morango com ruibarbo que chegou quentinha e derretia na boca. O restaurante é bem simples, mas a comida é de primeira, como também o atendimento extremamente simpático. Saímos de Pescadero felizes da vida e rumamos para Half Moon Bay pela Highway 1, que tem uma das mais belas paisagens daqui do norte da Califórnia.

swanton berry farm

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Em junho de 2004 nós dirigíamos pela Highway 1 na costa do norte da Califórnia, procurando pela casa do Neil Young, quando passamos em frente dessa fazenda de morangos orgânicos. Na época, ficamos encantados com os produtos que consumimos lá e com a filosofia do lugar, que além das técnicas de produção sem agrotóxicos, ainda não usa mão de obra ilegal, todos os trabalhadores têm benefícios e salários justos. Eles também usam o sistema da confiança [honor till] na lojinha, que vem funcionando muito bem por anos e anos. Você pega o que quer e paga, pega o troco, ninguém confere nada. Fomos lá desta vez para fazer o u-pick, isto é, colher os morangos nós mesmos. O preço é três dólares por cestinha, pegamos três cestinhas, jogamos uma nota de vinte na caixa, pegamos onze em notas de um de volta.

Putah Creek Cafe

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Desde que chegamos em Davis que o café da manhã do Putah* Creek Cafe na cidade de Winters** nos tinha sido recomendado. Mas em todos esses anos nós nunca fomos lá. Frequentamos muitas vezes o restaurante em frente, uma steak house chamada Buckhorn, de onde víamos o pequeno café da esquina com fachada cor-de-rosa. Na semana passada eu estava folheando um número da Sacramento Magazine quando vi uma reportagem intitulada restaurants worth the drive—um deles, o Putah Creek Cafe. Decidi que tinha finalmente chegado a hora de irmos checar se o lugar era bom mesmo.

O que eu tinha ouvido falar é que o café era um lugar bem simples, com comida também simples, tipo cardápio de diner, só que feito pela família, com ingredientes fresquinhos e locais. A descrição bateu perfeitamente com a realidade. O restaurante é bem simples, serve café da manhã e almoço. Tem também um cardápio de tortas e biscoitos. Eu poderia descrevê-lo como a versão caseira e ultra-melhorada de um Denny’s ou um Baker’s Square. Chegamos um pouco depois da uma da tarde e eles não estavam mais servindo o café da manhã. Pedimos o almoço. Para beber, limonadas feitas de limão fresco espremido—coisa rara em diners de hoje em dia. O Gabriel pediu chá e veio uma variedade enorme do Tazo, realmente bem diferente do menu de chás de um diner comum. Pedimos nosso rango, que chegou prontamente. De onde estávamos podíamos ver o cozinheiro, muito compenetrado. Pedimos sanduíches, que vieram com sopa ou salada. O Uriel elogiou a sopa, onde se via os legumes e pedaços de carne. Nada a ver com as sopas enlatadas que são servidas abundantemente por aí. Eu pedi uma torta de milho feito com roasted chiles, milho fresco e cornmeal, servido com sour cream que estava simplesmente perfeita—úmida, macia e ultra-saborosa. Pedimos batatas fritas e eu mal pude acreditar naquilo: elas vieram super pelando, do jeito que eu adoro, crocantes por fora, macias por dentro e sequinhas! Batatas fritas simplesmente perfeitas. Tudo que saia da janela da pequena cozinha tinha uma cara simples, mas parecia delicioso. Quando chegou a hora da sobremesa estávamos tão cheios, mas eu quis pedir uma torta pra experimentar. Elas são todas feitas com frutas da estação, dos pomares da região. O Uriel escolheu a torta de damasco, que estava muito interessante, diferente e deliciosa. Vou querer voltar lá outras vezes para provar as outras tortas. E pra compensar todos esses anos que deixei de ir—vale mesmo a pena pegar a estrada!

*Putah pronuncia-se pheutá, caso alguém tenha ficado confuso.
** Winters fica a dez minutos de Davis é uma cidadezinha rodeada por todos os lados de pomares de amêndoas e pêssegos.

o dia da virada

No dia 24 de maio de 1976 o inglês Steven Spurrier, um distribuidor internacional de vinhos, organizou uma degustação com olhos vendados de vinhos franceses e californianos. Ele estava muito interessado em conhecer mais os vinhos que estavam sendo produzidos na América e descobrir se eles tinham a mesma qualidade que os melhores do mundo. Os vinhos franceses servidos nesse evento foram os red Bordeaux e os white Burgundies que competiam contra os Cabernet Sauvignons e Chardonnays da Califórnia. Os juizes convocados para esse dia, todos franceses com credenciais profissionais impecáveis, estavam absolutamente certos da superioridade do vinho francês. Enquanto degustavam, faziam comentários jocosos como—esse só pode ser californiano, pois não tem buquê. E faziam elogios rasgados aos vinhos que pensavam ser franceses. Para a surpresa geral, quando o resultado foi revelado, os vinhos criticados como californianos eram franceses e os elogiados como sendo franceses eram californianos. Não só isso, mas os melhores vinhos escolhidos pelos juízes eram os da Califórnia. O resultado provou que os vinhos da Califórnia eram tão bons quanto os da França. Armou-se um forrobodó! Conta-se que os juizes tiveram peripaques histéricos. Mas tarde, um dos vinicultores californianos recebeu cartas iradas de produtores franceses dizendo que o resultado da degustação foi apenas um acaso de sorte, pois “todo mundo sabe que os vinhos franceses são e sempre serão melhores que os californianos”. Os jornais Le Figaro e Le Monde publicaram pequenas notas sobre o evento meses depois, declarando que o resultado não poderia ser levado à sério. Defensores dos franceses argumentaram que seus vinhos envelheceriam melhor que os concorrentes e outras degustações com olhos vendados foram feitas ao longo dos anos, sempre com os mesmos resultados, os californianos na frente. O episódio de maio de setenta e seis ficou conhecido como o Julgamento de Paris e mudou a mentalidade da comunidade enóloga, derrubando o grande mito de que o único vinho realmente bom era o produzido em território francês. A Califórnia fez bonito e brilhou, nessa mais que incrível virada, totalmente luxo, poder e cobiça. Essa foi sem dúvida a melhor história que eu li nos últimos tempos.

Quintessa

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O Marcelo Freitas estava procurando a tradução para o português de um ingrediente em inglês, quando aportou aqui no Chucrute com Salsicha. Ninguém precisa ler todos os meus arquivos para concluir que tenho essa preferência pelos produtos naturais e integrais. Foi por isso que ele decidiu me convidar para fazer uma visita à vinícola onde ele trabalha no Napa Valley. Antes preciso dizer que o Marcelo é brasileiro e trabalha com food & wine na Bay Area desde que chegou aqui nos EUA, há quase vinte anos. Ele sabe das coisas, e não somente de qualquer coisa, mas do que é realmente bom e de qualidade.

Combinei tudo com o Marcelo, convidei um casal de amigos, ela brasileira e ele chileno, e o professor espanhol. Gente que gosta e entende um pouco de vinho e que iriam ser excelentes companhia num passeio assim. No sábado saímos cedinho em direção à Rutherford, no coração do Napa Valley, onde iríamos fazer uma private tour na Quintessa Winery.

Vinícolas abundam aqui na Califórnia. Só no Napa Valley são duzentos e cinquenta. E nós já visitamos um bocado delas, mas nenhuma como a Quintessa. A vinícola não tem aqueles chamativos todos que as outras têm. A sua estrutura física é discretíssima, mas de uma elegância ímpar. Fomos recebidos pelo nosso simpático guia, que nos levou para um dos passeios mais fantásticos que eu já fiz pela terra do vinho. As duas horas e meia que se seguiram foram cheias de surpresas e eu aprendi muita coisa sobre vinho e sobre as maneiras de produzi-lo.

Primeiro o Marcelo nos contou toda a história da vinícola e dos seus proprietários, os chilenos Agustin e Valeria Huneeus. A história da paixão deles pela cultura do vinho, ele um homem de negócios e ela uma artista e visionária cheia de idéias inovadoras, nos cativou. Ouvimos com atenção, curiosidade e admiração o relato da compra das terras, do plantio das primeiras videiras. A Quintessa pratica agricultura sustentável e biodinâmica para produzir uvas Merlot, Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon. Ficamos especialmente impressionados com a utilização prática e eficiente dos princípios da Biodinâmica, onde tudo está em harmonia, planeta, céu, terra, estrelas, lua. Eles usam um preparado homeopático feito de silica, camomila, casca de carvalho e outras ervas como pulverização contra pragas e insetos. Valeria Huneeus além de tudo pratica o Zen Budismo, então não permite que nenhum animal seja morto na vinícola, nem mesmo os peixes do lago podem ser pescados.

Nosso grupo praticamente dominado por cientistas—dois professores de engenharia agrícola e um estudante de PhD de agronomia, teve reações de incredulidade e abismamento com relação à eficiência dessas práticas naturais e não tão disseminadas. Mas a qualidade das uvas e consequentemente do vinho provou que esse tipo de agricultura é possível. Conhecemos toda a vinícola, desde os campos de vinhas, até os cellars e depois fomos conduzidos à sala de degustação, onde pudemos bebericar safras de dois anos, 2003 e 2004, acompanhados de queijos e crackers e da explicação minuciosa e erudita do nosso guia. Segundo o nosso amigo chileno, esse foi o melhor vinho que ele bebeu na vida! Realmente, o sabor era delicioso, acentuado e suave. Me senti bebendo o resultado de todo esse processo harmônico, onde levou-se em conta todos os fatores da natureza sem pensar em maximizar safras nem lucro. Baco iria aprovar.

A segunda coisa que mais me impressionou, além da vinícola em si, foi o vasto conhecimento e cultura do nosso guia, Marcelo Freitas. Foi um grande prazer ter a companhia de alguém tão versado na arte de comer e beber. Recomendo aos visitantes do Napa Valley que façam uma parada obrigatória na Quintessa. Depois dessa visita, nenhuma outra tour ou degustação de vinho será tão gratificante.

Os vinhos da Quintessa são feitos com uma mistura primorosa de variedades de uvas. Como descreveu perfeitamente o nosso guia “o vinho feito com apenas uma variedade é como um concerto solo de violoncelo. a música é suave e linda. mas o vinho feito de diversas variedades é como o mesmo concerto tocado por uma afinadíssima orquestra. é uma experiência simplesmente indescritível.”

indo ao mercado

No verão eu vou muito ao Farmers Market da minha cidade. Adoro andar pela feirinha e comprar coisas fresquinhas e diferentes. Neste último verão eu bati ponto lá duas quartas-feiras por mês, quando junto com o mercado acontece um picnic público, sempre com uma banda tocando. Como eu moro próximo do parque onde o mercado é montado, caminhava três quarteirões carregando a minha cesta com uma garrafa de vinho, salada e pão, e fazia um picinic com um grupo de amigos. E aos sábados ia comprar cogumelos, pães, tomates secos, frutas e alguma outra coisa que me chamasse a atenção, como os milhos amarelos. O Farmers Market de Davis só vende produtos orgâncos e locais, como quase todos os Farmer Markets da Califórnia. O mercado funciona o ano todo, primavera, verão, outono e inverno, mas é no verão que ele fica mais animado.