Eat your view!

“Eat your view!”—Atualmente lê-se isso por toda a Europa em adesivos colados por todos os cantos. Como está implícito na expressão, a decisão de consumir produtos locais não é somente um ato de conservação, mas é também uma ação provavelmente muito mais efetiva [e sustentável] que mandar cheques para organizações ambientais.

Mas “Eat your view!” envolve um bocado de trabalho. Participar da economia local requer um esforço consideravelmente maior do que fazer compras no Whole Foods. Não iremos encontrar produtos para o microondas nos Farmer’s Markets ou na nossa cesta orgânica dos CSA [Community Supported Agriculture], e certamente não poderemos comprar tomates em dezembro. O consumidor de produtos locais vai precisar correr atras da fonte para a sua comida. Vai ter que descobrir quem tem a melhor carne de carneiro ou os melhores milhos. Depois disso, ele ainda vai precisar se reconectar com a sua cozinha. O maior atrativo da comida industrializada é a conveniência, pois ela oferece a oportunidade para que as pessoas muito ocupadas deleguem para outros o ato de preparar [e preservar] o seu alimento. No lado oposto da cadeia alimentar industrializada, que se inicia numa fazenda com plantação de milho em Iowa, um consumidor de alimentos industrializados senta-se a mesa [ou, cada vez mais freqüente, no banco do carro]. O maior mérito do sistema industrial de alimentos foi ter nos transformado nessa criatura.

Tudo isso para dizer que o sucesso de uma economia local implica não somente num novo tipo de produtor, mas também num novo tipo de consumidor. O tipo que encara as tarefas de procurar, comprar, preparar e preservar o alimento não como um fardo, mas como um prazer. O tipo cujo paladar não lhe permite comer num MacDonald’s e cujo senso de comunidade não lhe deixa fazer compras num Wal-Mart. Esse é o consumidor que entende a frase memorável de Wendell Berry—comer é um ato agrícola, onde poderíamos acrescentar que é também um ato politico.
Michael Pollan em O Dilema do Onívoro

crumble de pêra e calvados

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Me inspirei em duas receitas diferentes—uma para a farofa outra para o recheio, e fiz esse crumble, que ficou bem suave.

Para o recheio:
5 pêras Bosc
2 maças verdes – Granny Smith
Raspas de uma laranja e de um limão
Sumo de um limão
2 colheres de sopa de Calvados
Descasque e pique as frutas, misture com as raspas, suco e bebida.
Para a farofa:
1/3 de xícara de farinha de trigo
2 xícaras de aveia
1/2 xícara de açúcar
1 xícara de nozes
5 colheres de sopa de manteiga gelada
1/8 colher chá de sal

No processador, coloque a farinha, 1 xícara da aveia, o açúcar, as nozes e o sal. Pulse até ficar bem misturado. Acrescente a manteiga cortada em cubinhos e pulse ate obter uma farofa. Acrescente a outra xícara de aveia e pulse até ficar bem integrado.
Monte o crumble num refratário, colocando a mistura de frutas e por cima a farofa. Coloque em forno pré-aquecido em 350ºF/ 176ºC por mais ou menos 40 minutos, ou até que a farofa fique dourada. Sirva morno.

you better come on in my kitchen

“oh, can’t you hear that wind howl?
oh-y’, can’t you hear that wind would howl?
you better come on in my kitchen
babe, it’s goin’ to be rainin’ outdoors”

Eu adoro essa música do Robert Johnson [neste vídeo numa interpretação do John Hammond], que sempre que escuto imagino o blues man sentado numa cadeira, numa cozinha simples, numa casa no sul dos EUA, dedilhando seu violão e convidando a mulher que passa para entrar, pois logo vai começar a chover. Ficar na cozinha bebericando chá, lendo ou batendo papo enquanto chove lá fora é certamente uma cena idílica.

Está chovendo e ventando de uma forma absurda aqui. Tentei sair de casa para ir trabalhar, mas depois de dar alguns passos na rua o guarda-chuva empinou e me molhei toda. Voltei correndo pra casa e liguei pro meu trabalho avisando. Não tem condições de enfrentar ventos de quase cem quilômetros por hora. Estou na minha cozinha, bebendo chá, mas o cenário não é nada cândido.

E nesse tempo inclemente ele está voando para Los Angeles e depois dirigindo para Santa Barbara. Eu nem sei o que dizer. Lord have mercy….

Pra completar o panorama nada bucólico, o gato Roux estava excitado, miando e dando patadas na porta de vidro que dá para o quintal. Fui ver o que estava pegando e meu coração se partiu ao meio quando vi um pequeno passarinho, todo enrolado como se fosse uma bolinha, tentando se proteger do aguaceiro no cantinho do batente. A letra da música do Robert Johnson de repente se transfigurou num recado apocalíptico—you better come on in my kitchen, ‘cause it’s goin’ to be rainin’ outdoors…

26 no Tucos

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Não me lembro exatamente porque casamos no dia dois de janeiro. Acredito que era o único dia vago, pudera. E não queríamos esperar porque eu já estava no quinto mês de gravidez. Então até hoje, enquanto o povo em geral sossega o facho das comemorações no segundo dia do ano, nós ainda temos mais um regabofe pela frente. E a cada ano que passa, a necessidade de comemorar se intensifica, afinal tantos anos juntos não é pra qualquer um.
Escolhi o Tucos Cafe para celebramos o nosso ano vinte e seis. Foi uma escolha inteligente. Já estivemos lá outras vezes, para almoçar ou apenas beber sucos de frutas brasileiras. O proprietário Pru Mendez* é casado com uma portuguesa e já morou no Brasil. Além dos sucos naturais, o Tucos também oferece feijoada e uma deliciosa adaptação da receita de pão de queijo da minha cunhada Pat, que segundo o Pru é um sucesso entre os americanos. Ele conseguiu transformar um salgadinho super simples e popular numa verdadeira delicacy, fezendo uma adaptação dos queijos, adicionando pasta de trufas, com um resultado extremamente delicado. Feito na hora, o pão de queijo chega quentíssimo à mesa, derretendo na boca.
Desta vez pegamos o cardápio do jantar e tudo o que pedimos estava perfeito. O Tucos oferece uma carta de vinhos bem incomum, com opções de vinhos de vários cantos do mundo, todos exclusivos. Eu pedi um Sousao feito aqui na Califórnia, com um sabor bem apimentado. Provamos um prato de queijo da serra português, que veio com pães, amêndoas torradas, passas brancas e um azeite bem denso e perfumado. Depois eu pedi uma salada simples, com fatias de maçã e uma torrada com queijo de cabra temperado e morno. O prato do Uriel, de carpaccio de prosciutto com alcaparras e queijo grana, estava sublime. Eu acabei comendo umas boas fatias, pois a quantidade era suficiente para duas pessoas. De prato principal o Uriel foi de ravioli com molho de lagosta e eu comi um steak com purê de raizes e legumes refogados. A sobremesa nos frustou um pouco, mas deu pra perceber que era tudo feito a mão, até o sorvete, que a garçonete nos comunicou era feito por eles.
O Tucos está instalado numa casinha pequena e aconchegante em downtown, atrás da estação de trem. A comida é de excelente qualidade, orgânica, local, e o atendimento é um primor de atenção e delicadeza. Enquanto o Uriel pagava a conta, fui conversar com o Pru, quando ele me contou do sucesso do pão de queijo e da feijoada e me falou que procura sempre pelos melhores ingredientes. Apesar de fazer parte do movimento Slow Food e de apoiar ao máximo os produtores e negócios locais, ele disse não ser um radical nem um fanático, e não se importa de trazer um produto de outro lugar, se concluir que aquele é o melhor. A carne que eu comi, por exemplo, é grass fed importada do Uruguai. Ele disse que o Uruguai tem a melhor carne de gado alimentado da maneira tradicional, com grama. Não tive como discordar, pois o meu prato estava uma delícia.
* posando descontraídamente na última foto em companhia da notável e altamente colunável dona do chucrute.

panna cotta com creme de manga

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Fiz a panna cotta publicada no The Art of Simple Food da Alice Waters. Achei que o creme ficou perfeito. Resolvi arriscar incrementando a receita com a adição de um creme de manga e algumas frutas silvestres no fundo dos potinhos. Ficou excelente e ganhou elogios do critico residente da minha cozinha!

Panna Cotta
Dissolva um pacotinho de 0.25 ounces / 7 gr de gelatina em pó sem sabor em 3 colheres de sopa de água. Reserve. Numa panela, coloque 3 xícaras de creme de leite [heavy cream], 1 xícara de leite, 1/4 de xícara de açúcar, raspas de limão [eu usei de laranja] e 1/2 fava de baunilha. Remova as sementes e coloque no creme, junto com a fava. Leve ao fogo médio e esquente a mistura, mas não deixe ferver. Remova do fogo, adicione 1 xícara desse creme à mistura de gelatina, mexa bem, retorne o creme mais a gelatina para a panela, com o resto do creme. Mexa bem, deixe esfriar um pouco, remova a fava da baunilha e coloque nos ramequins. Cubra e ponha na geladeira por pelo menos 6 horas. Pode untar os ramequins bem de leve com um óleo vegetal sem sabor, se quiser desenformá-los. Como eu fiz com o creme de manga* no fundo, não desenformei. Você pode desenformar e servir com o creme de manga, ou de outra fruta, por cima.

*o creme de manga eu compro em lata, vem da India. é apenas a polpa da fruta com açúcar. essa parte da manga em lata me faz candidata a receber chicotadas da Alice Waters. mas eu não cometo esses pecados sempre. e aqui ninguém sabe de nada, ninguém viu nada, né? pisc!

tudo lindo para o primeiro almoço

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Para o almoço do primeiro dia do ano, fiz uma costela de carneiro, batatas assadas e uma salada de alface, rúcula e cubinhos de laranja temperada com um vinagrete de limão. De sobremesa uma panna cotta. Gostei das cores da mesa. O Gabriel e a Marianne nos acompanharam nesse almoço simples, do qual não houve sobras.

Foreign Cinema – San Francisco

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Uriel me convenceu a sair da toca na noite de Ano Novo. Fomos para San Francisco, onde nos contaram que a festa é sempre bonita. A cidade tem milhares de opções para todos os bolsos e gostos. Escolhi um restaurante que eu já estava querendo conhecer há tempos—o Foreign Cinema. Fiz reservas e fomos para a cidade mais linda do mundo na noite do dia trinta e um de dezembro.
O restaurante é bem bacana, tem duas áreas internas e uma externa, com um muro alto onde eles passam filmes estrangeiros. Na noite do reveillon havia também filmes nas paredes da parte interna do restaurante. Enquanto lá fora o filme projetado era o italiano cabeça O Jardim dos Finzi-Continis, lá dentro, onde ficamos, a diversão foi garantida com o over the top Beyond The Valley of The Dolls, um cult soft porn exageradérrimo e cafonérrimo dos anos 70. Nós jantamos um menu de quatro pratos, que podíamos escolher de uma lista interessante, com um preço fixo. Estava tudo muito saboroso, mas devo confessar que fiquei um pouco irritada com a quantidade minúscula das porções, comparadas com o preço nada pequeno da conta. A sopa de entrada, um creme de lagosta, veio num potinho um pouco maior que um dedal, na quantidade equivalente a talvez uma colher de sobremesa. Mas tudo bem, isso foi o de menos. O lugar era legal, a comida estava deliciosa e nós nos divertimos.
Saímos do restaurante às 11:38pm e com a ajuda inestimável do GPS conseguimos chegar ao Embarcadero uns minutos antes da meia-noite. Trocamos de sapato e nos agasalhamos melhor no carro e corremos para ver os fogos, embaixo da Bay Bridge. Foi um espetáculo muito bonito. Depois caminhamos pela orla, que estava apinhada de gente. Eu sou desacostumada com multidões, então fiquei um pouco atordoada. Todo mundo festejando sob a vigilância e ostensiva patrulha da gentil polícia de San Francisco. Havia muitos bêbados, drogados e a cidade estava uma muvuca total, mas tudo acontecendo naquela incrível civilidade e jeitão nonchalant típico da cidade. Voltamos logo em seguida para Davis, afinal eu queria dormir a primeira noite do ano na minha caminha!