folga na cozinha e outros papos

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Todo final de agosto, início de setembro, meu marido some na fazenda de pistacho ou em congressos pelo mundo afora. Então eu fico meio desorganizada na cozinha, porque não tenho muito ânimo de cozinhar só pra mim. Improviso muito, também porque não gosto de comer em restaurantes sozinha. Faço coisas simples e práticas. Sandubas e saladas são a base do menu. Ontem fiz uma coisa horrêver… Jantei uma salada Caprese – tomate, mussarella fresca e basilicão – com uma fatia de pão preto, em pé na cozinha, enquanto telefonava para as minhas amigas e combinava um cinema.

Fomos ao Varsity Theater, o cinema independente da minha cidade, ver o documentário Who Killed the Electric Car. Logo na entrada, notei uma janelinha que eu não tinha visto antes, no lado esquerdo do hall principal e fui lá xeretar. O teatro tem o seu balcãozinho estilo anos 50 vendendo pipoca, refrigerante, mas aquela janelinha vendia café e sorvete – gelatto e regular. Me encantei por um sabor de berries com cabernet. Achei uma ótima idéia, só que senti um pouco de dificuldade para terminar o sorvete quando a sala ficou escura.

a trilha sonora do capítulo de hoje é Dylan

Ele está na fazenda de pistacho no sul da Califórnia. Não fui nadar, porque estava ansiosa para ir até a Borders com um cupom comprar o novo cd do Bob Dylan. Comprei também mais um livro de culinária francesa, desses com fotos bonitas, e postais pro meu amigo Guto. Na volta passei ao lado da inquilina da minha guest house e seu cachorro de três pernas conversando com o meu vizinho cinqüentão tri-atleta na calçada. Essa foi uma história traumatizante que felizmente acaba depois de amanhã.

Comida, comida! Nao quis comer no restaurante italiano, nem no bistrô das saladas. Peguei o carro e fui até o Co-op, nosso supermercado cooperativa. Enchi o carrinho de coisas tolas – sorvete de frutas, wrappings com hummus e falafel, marmelada, pão preto, duas bananas, polenta corn chips, hamburger vegetal. Ouvi pela terceira vez neste dia um elogio à minha roupa – your top is awesome! Sim, é mesmo!

Uma taça de vinho branco de Cadiz na Andaluzia, salsa de vidro com coentro e azeitonas, figos verdes e roxos, iogurte grego com mel. Bob Dylan tocando no cd player me leva quase às lágrimas. Meu vizinho recebe uma visita, um cabeludo hipongo. Será o George da esquina? Eu achava que o George era desempregado e até sentia pena da mulher sorridente dele, quando fiquei sabendo que ele é um professor do departamento de Artes. Quanta diferença do departamento de Engenharia agrícola, onde ninguém tem tempo pra nada e ainda viaja. Todos os meus vizinhos são acadêmicos.

Vou ler A Little Taste of France, vou escrever postais, de óculos que eu odeio, vou terminar de mastigar os figos, que eu adoro, e sentir as sementes estourando entre os meus dentes, vou terminar de ouvir Dylan e seu Modern Times, tentando não sair dançando pela cozinha, evitando que o meu vizinho me veja pelas janelas e me pegue no flagra comendo, bebendo, cantando.

pança cheia

* post reciclado de agosto de 2005, do The Chatterbox.
Uma amiga mencionou um prato típico do norte ou nordeste chamado baião de dois e eu fiquei com as bichas. Então hoje resolvi fazer o tal prato, mas num esquema muito do improvisado. Procurei a receita no cybercook e ia tanto ingrediente regional – manteiga de garrafa, feijão não sei das quantas, farinha de não sei o que. Pensei, vixe maria, acho que vou ficar só na vontade. Mas a capacidade de improvisação do ser humano é uma coisa impressionante. Fiz o tal baião com um bacon americano que eu descongelei no microondas, um feijão italiano e um arroz basmati indiano que eram sobras de outro dia, adicionei pimentão e tomate, salpiquei com queijo ralado e servi acompanhado de um refogado de quiabo. Nem sei se combina, nem se esse baião fajuto pode ser chamado de baião. Mas que ficou muito bom e eu enchi a pança é a mais pura verdade!

arroz amarillo

Fiquei encantada com muitas das receitas do livro Recipe of Memory, do americano, descendente de mexicanos Victor M. Valle. Muitas receitas são trabalhosas ou levam ingredientes típicos, como nepales [cacto], tomatillos, queijo cotija ou panela, lingüiça longaniza e muitas, mas muitas mesmo, variedades de pimentas. Escolhi uma receita simples e doce, com ingredientes que podem ser comprados em qualquer lugar do mundo. Sem falar na beleza do prato, com sua cor amarelada.

1/3 xícara de arroz jasmine tailandês ou qualquer outra variedade de grão longo
1 xícara de açúcar
6 xícaras de leite integral
3 gemas de ovos grandes
2 paus de canela
4 folhas frescas de laranja ou 1 colher de chá de essência de laranja
1 laranja descascada e cortada em fatias para decorar

Bata o arroz no liquidificador e moa bem fininho.

Misture o arroz moído com o leite, açúcar e as gemas numa panela grande.

Misture bem com um batedor de ovos. Adicione os paus de canela e as folhas de laranja e cozinhe em fogo baixo, mexendo sempre com um batedor por 25 a 30 minutos, para prevenir que o arroz grude. Retire a canela e as folhas de laranja. Coloque numa vasilha ou em taças individuais e deixe esfriar. Polvilhe com canela em pó e decore com as fatias de laranja.

»esta receita de arroz doce mexicano também está na minha coluna desta semana na Revista Paradoxo.

toda quarta e sábado

Eu sou bem puxa-saco da minha cidade, porque adoro morar aqui, acho Davis um lugar especial. Uma das coisas que gosto muito aqui é o nosso Farmers Market. Toda quarta e sábado, faça chuva ou faça sol, o mercado está lá no parque central da cidade, vendendo as coisas mais gostosas e fresquinhas possíveis, tudo orgânico e de produtores locais. Durante o verão o mercado fica pululando de coisas deliciosas e sempre lotado de gente comprando. Eu procuro ir todos os sábados. Vou à pé, pois moro bem perto. Nas quartas, durante o verão, eles promovem um picnic ao lado do mercado, com música ao vivo. Nós também aproveitamos esses dias. Ontem fui ao mercado com a minha sacolona de pano, e fiquei até emocionada com a quantidade e variedade de tomates que eu vi nas banquinhas. Lá tem de tudo, e os produtos vão variando conforme a estação e a produção. No mês retrasado os damascos abundavam, agora são os pêssegos e ameixas. O mercado é comprido e eu caminho por ele duas vezes, ida e volta. Vou comprando o que me interessa. Adoro os cogumelos que são vendidos lá, e as frutas. Além das frutas, verduras, legumes e ervas, tem também pão, azeite, azeitonas, batatas, pistachos, amendoas – essas, peloamordedeus, são maravilhosas, tostadas com uma cobertura de caramelo, ou laranja. Tem comidas étnicas, pretzels alemães, tortillas e salsas mexicanas, pães do oriente médio, doces europeus, queijos, peixes, carnes, linguiças, ovos, suco de maçã ou de limão, as flores maravilhosas e as pipocas! No meio do caminho da volta eu sempre paro num carrinho de sorvete, onde duas meninas vendem os melhores picolés que eu já provei, os Aisu Pops feitos à mão, com os ingredientes mais frescos e as misturas mais interessantes. O de limão kaffir com abacate foi o melhor que já comi, com um sabor que me lembrou os cremes de abacate que eu comia na minha infância. Ontem peguei um de baunilha, berries e iogurte. Volto do mercado sempre carregada de coisas, e devorando as delícias pelo caminho. Uma das melhores coisas da vida!

a pêra crocante

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O produtor de quem eu compro pêras no Farmers Market me disse que ele cultiva dez tipos diferentes dessa fruta. Eu gosto dessa variedade asiática, por causa da textura. Acho também que elas são menos doces que as outras mais moles. Sempre que compro essas pêras lembro da minha querida amiga Alessandra. Eu comprava a pêra asiática no mercadão de Piracicaba, quando morei lá nos no final dos anos oitenta, e quando eu falava pra Alessandra que essas frutas eram crocantes, ela se acabava de rir e dizia—só na casa da Fer que se come pêras crocantes!!!

uma boa e honesta salada

Eu gosto de ir à um restaurante grego aqui em Davis, o Symposium quase que somente por causa das saladas que eles servem. Não é nada especial, não tem ingredientes sofisticados, são saladas super simples, mas com um tempero honesto, que eu valorizo muito.

Pra mim o que estraga as saladas servidas na maioria dos restaurantes aqui nos EUA é o molho. Eu DETESTO molho pronto, molho de vidro, desses cheios de coisas dentro e preservativos. Sou adepta da simples e eficiente mistura de azeite, vinagre e sal. Gosto de usar vinagres diferentes, ervas, detalhes interessantes para deixar o molho mais caprichado. Uso muito mostarda em pó ou preparada nos meus molhos. Ou iogurte. Ou sour cream. Mas eu gosto de misturar, não gosto de usar molhos preparados.

Então você vai a um restaurante mediano e pede uma salada. Ela vem encharcada, inundada, afogada num molho pronto. Eles listam pra você – italian, ranch, balsamic, honey mustard, thousand island, vinagrete… Muito raro um desses molhos enriquecerem a salada. Normalmente eles destroem tudo… Eu aprendi a pedir sem molho ou com o molho separado, assim uso só um pouquinho.

Mas no Symposium, não tenho problemas com salada. Geralmente peço uma com alface picadinha, batata cozida, ovos cozidos, tomates, azeitonas kalamata, alcaparras, cebolinha verde. E o molho – só pode ser vinagre de vinho, azeite, sal e pimenta. Tudo na medida certa – 1/3 de vinagre ou suco de limão, ou os dois misturados e 2/3 de azeite.

Meus molhos são os mais variados. Mas aprendi a fazer um molho coringa com uma amiga suíça – uma perfeccionista, que também me ensinou um truque que eu uso até hoje para levar saladas em potluck parties: colocar os ingredientes para o molho no fundo de uma saladeira. Bater bem com o batedor manual. Colocar os ingredientes da salada por cima do molho. Não misturar. Cobrir com filme plástico e guardar. Na hora de servir, misturar bem o molho com a salada. É uma técnica perfeita, especialmente se você quiser levar uma salada de folhas, que certamente vai murchar se for misturada com o molho com antecedência. Isso evita que você tenha que levar o molho numa vasilha separada e que faça sujeirada na hora de misturar.

Este é o molho clássico para saladas da Annemarie:
Misture bem:
Vinagre de maçã
Azeite de oliva extra-virgem
sal/pimenta moída na hora
mostarda preparada
ervas frescas ou desidratadas [* eu uso muito o dill e as chives]
Esse molho dura muitos dias guardado na geladeira.

salada de tomatillos

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Toda semana eu tenho recebido um saco de tomatillos na cesta orgânica. Esses tomates estranhos não são exatamente tomates, mas parentes próximos. São muito comuns no México e usados para salsa e outras receitas típicas. Eu não sou muito de fazer salsa, então estou num horrível dilema, pois não sei o que fazer com esses tomatillos. Muitos já foram para o lixo, pois se eles amarelam [amadurecem], não prestam mais para serem usados. Tem que retirar a casquinha, lavar bem, pois eles são meio oleosos por fora. Um dia eu resolvi fazer uma salada com eles e não ficou mal. O negócio é que os tomatillos são bem ácidos e precisam de um molhinho suave para contrabalançar. Qualquer vinagre com fruta -laranja, o mais comum, dá conta do recado. O azeite também ajuda a suavizar. Adicionei coentro fresco, que é uma erva bastante usada na cozinha mexicana e que combina muito bem com os tomatillos.

o primeiro encontro com a sopa em lata

Na introdução de The Art of Eating, Anna Parrish, a filha mais velha da autora M. F. K. Fisher, escreve um pequeno parágrafo sobre a sua mão. Ela conta que seus amigos ficavam embasbacados quando jantavam com ela, pois a mãe servia coisas simples e boas, como uma prato de salame, prosciutto e melão, uma salada de alface, pão e vinho. De sobremesa uvas ou sorvete.

Lendo isso me lembrei de muitas histórias da minha inocência culinária, fazendo coisas simples e boas – como sempre fiz, mas pra audiência errada. Nos nossos primeiros meses no Canadá, a filha de um casal de amigos se encantou com o meu filho. Ela devia ter uns sete anos e o Gabriel tinha dez. Um dia ela se convidou para dormir em casa e passar o sábado lá. Nem lembro se o Gabriel curtiu aquilo, mas ele sempre foi extremamente gentil.

Fui logo perguntar o que a menina gostava de comer e quando ela disse que a comida preferida dela – ever – era sopa de cogumelos, fui correndo ao supermercado, comprei os cogumelos mais frescos que encontrei e fiz aquela sopa simples, saborosa e linda. Na hora no almoço a menina veio toda pirilampa, sentou-se para comer e quando olhou para o prato fez uma careta de nojo e desapontamento, enquanto mexia a sopa com a colher como se estivesse revirando uma lavagem de porco. Saiu da mesa abruptamente dizendo que tinha mudado de idéia, não estava com fome. Eu depois fui perguntar, mas como, você não quer comer nada, não esta com fome, como pode, brincou a manhã toda, e a educadinha canadense disse sem papas na língua – eu não gostei dessa sopa que você fez, eu gosto da sopa de cogumelos DE LATA!

Bom, a partir daí vi que não podia mesmo fazer nada. Eu não podia ousar competir com uma lata de sopa Campbell.