na onda verde

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Eu e a Leila fomos bater pernas nos shoppings finos da bossa de Roseville e paramos no supermercado Whole Foods para um ranguinho rápido. Esse é o supermercado verde que foi criticado pelo Michael Pollan no O Dilema do Onívoro, por corromper a filosofia dos orgânicos, dobrando-se aos moldes das grandes corporações. Eu não faço compras no Whole Food, pois o mais próximo de mim ainda fica muito longe. Sem falar que tenho a sorte de ter o melhor Co-op do planeta a poucos blocos da minha casa, além do Nugget, um supermercado local bacanérrimo de propriedade de uma família de Woodland. Não sinto nenhuma falta de ter um Whole Foods por perto, mas tenho que admitir que a estrutura deles é bem bacana. Para o nosso almoço nos servimos das comidas dos buffets, que você escolhe dentro uma variedade quase infinita de estilos. Fiquei um pouco confusa na hora de escolher, pois escolher não é uma atividade que eu faço com leveza e precisão. Mas no meio da muvuca que estava a área de comida pronta daquele supermercado, tentamos decidir entre sanduíches feitos na hora, fatias de pizza saidas do forno, pães, queijos, saladas de todos os tipos com inúmeros molhos e toppings, comida indiana, mexicana, soul e comfort food, rangos tipicos de thanksgiving, cozinha libanesa, chinesa, japonesa, italiana, tailandesa, muitos tipos de sopas, eteceterá. Escolhi falafel com humus picante e mini pita breads com uma salada de pepino. A Leila comeu um rango indiano. Ainda tivemos que nos concentrar noutro esforço de decisão para escolher uma bebida, entre milhares de opções interessantes.
O Co-op e o Nugget de Davis também oferecem tudo isso, apenas numa escala menor. Eu adoro o olive bar do Co-op e no Nugget piro o cabeção com os pães da padaria deles e os queijos maravilhosos que eles oferecem. Todos esses supermercados têm outro detalhe em comum, além de servir comida pronta numa variedade incrível e com opcões para todos os gostos, culturas e dietas. Eles são supermercados verdes, as embalagens e pratos são feitos com papel reciclado e recicláveis, e há a opção de usar seu próprio container ou vasilhas de cerâmica, eles não oferecem copos de plástico e os talheres são biodegradáveis. Todos surfando macio na onda verde, que é sem dúvida uma onda muito auspiciosa.

o cheiro dos brownies

Fui fazer xixi e me deparei com uma comoção de crianças descabeladas e gritonas comandadas por um adulto, que parecia ser a professora tentando com todas as suas palavras disciplinadoras manter a ordem. Entrei no banheiro e de lá ouvia o burburinho no corredor do prédio, que abriga vários departamentos de biologia e ciências das plantas invasivas e até o de agricultura sustentável. O evento fanfarrento era um vernissage, um opening da exposição que eu vejo todo ano, com obras de arte feitas com lápis de cor. As crianças desenham uma certa planta—não tive a chance de chegar perto pra ver qual. A professora enquadra desenho por desenho, pendura todos na parede e promove um evento. Pelo que eu entendi, eles iriam dali visitar um laboratório no segundo andar. E ouvi a professora gritando—no eating at all in the lab, no brownies, no brownies in the lab! Quando saí do banheiro, empurrando a porta com cuidado e movimentando alguns pais que estavam ali encostados com câmeras penduradas no pescoço, vi uma mesa longa repleta de pratinhos com diversos tipos de gostosuras. E a criançada na maior excitação, mastigando e engolindo rapidamente o que quer que fosse e correndo em direção às escadas na expectativa do que as esperava no tal laboratório. O alvoroço era grande e não consegui ver exatamente o que eles estavam comendo, mas percebi pelo cheiro adocicado que infestava o ar do corredor que a gostosura mais popular era brownies de chocolate.
*uma receita ótima de brownie é esta do meu amigo Lau, que colaborou brevemente aqui no Chucrute anos atrás com algumas receitas infalíveis!

esse vai-e-vem que nunca enjoa

Todo ano eu faço uma caminhada pelo Arboretum para fotografar a beleza do outono. Todo ano eu publico essas fotos do outono nos meus blogs. Quem me acompanha há um certo tempo já notou, e eu fico pensando em dúvida se alguém ainda quer ver fotos de folhas? Folhas de outono de novo? Mas não parece que foi ontem que publiquei fotos idênticas? Será o benedito que todo ano vou fazer sempre igual?
Com toda sinceridade, me agrada muito esses ciclos que regulam as nossas vidas, mesmo que isso signifique que vou escrever sobre os mesmos assuntos e registrar as mesmas imagens, entra ano, sai ano. Quantas fotos de tomates, flores, pêssegos, abóboras e folhas de outono já publiquei nesses últimos anos? Quantos verões, quantos outonos, invernos e primaveras? Algumas viagens, novos amigos, mudanças de hábitos ou de rotina. Felizmente está tudo documentado, para se lembrar e relembrar. Como se estivessemos folheando um álbum de fotos de família, com as mesmas caras habituais, um pouco mais velhas, com cortes de cabelo e roupas diferentes, alguns acréscimos, outras subtrações, mas todos sempre presentes nas mesmas celebrações, os aniversários, as viagens de férias, os natais.
Por aqui todo ano começa a esfriar e as folhas das árvores ficam amarelas, vermelhas, douradas e caem, coloco meias nos pés, acendemos a lareira, um gato quase queima os bigodes, alguém assa um peru que dividimos com a família no dia de agradecer, ficamos com dor no lombo varrendo e empilhando folhas no quintal, começa a chover, tiro fotos dos enfeites de Natal que ajeito pela casa de véspera, publico um cartão e desejo tudo de bom para todos, depois de tantas celebrações fico aliviada quando o ano se inicia, como nove sementes de romã, reclamo que não pára de chover, reciclo, recrio, me animo com a chegada da primavera, encho o saco da humanidade com as minhas fotos de flores e, principalmente, das rosas. O jasmim abre e o cheiro das suas flores perfumadas impregna o ar, capino a horta, planto tomates, as pestes chegam devagarzinho. O Gabe faz aniversário, faço o meu próprio breakfast no dia das mães, reclamo que está ficando muito quente, ando descalça, arranco mais mato da horta, detono algumas pestes e colho tomates, o Uriel viaja, viaja, viaja e eu reclamo mais um pouco de estar sozinha e do calor, as aulas e o ano recomeçam na UC Davis, eu aguardo ansiosamente uma brisa de outono, faço compras, combino uma social com os amigos, vou dançar o Blues, reflito sobre o envelhecimento quando meu aniversário aponta na esquina, comemoro mais um ano de vida, e mais um ano de blogagens, compro doces pras crianças, começa a esfriar, troco as roupas leves pelas quentes no armário, coloco meias nos pés, fecho as janelas, vejo as folhas amarelas entupindo as calhas da casa, lembro que preciso ir fotografar o outono no Arboretum, vou caminhar e encontro os limões cravo, publico as fotos das folhas, mais uma vez, mais um ano, mais um outono.

multitasking
[i’m only human]

menos_bagunca

Cheguei em casa com o pacote do Adobe Creative Suite e queria pular da tarefa de fazer o jantar e ir direto para a tarefa de fazer a instalação dos programas no meu computador. Eu me dei de presente de aniversário um iMac novo, já que o velho estava quase aposentado e fazia uns três anos que eu praticamente só usava o laptop. Mas o computador novo veio praticamente pelado de programas úteis e os que eu tenho em versões mais antigas não rodam bem no sistema novo. Então aproveitei o meu desconto educacional e comprei na livraria da universidade esse pacotão por um preço bem razoável.

Mas jantar era preciso, então me apressei. No interim chegou revistas, DVD e livros, tinha uns tapetes de molho na máquina de lavar, umas toalhas de banho e lençóis esperando um segundo ciclo na máquina de secar e tive que enfrentar a desorganização básica de sempre na cozinha. Mas dessa vez me surpreendi, pois nunca estive tão afinada numa coreografia de fazer o jantar coordenado com outras atividades domésticas. Fiz uma sopa de lentilha vermelha, que era a que eu tinha na despensa.

Numa panela refoguei alho picadinho num fio de azeite. Adicionei a lentilha lavada e maçãzinhas lady cortadas em pequenos cubinhos. Refoguei, refoguei, juntei água suficiente para cobrir tudo, cozinhei, cozinhei até a lentilha quase derreter. Usei o mixer de mão para transformar tudo num creme espesso, adicionei sal a gosto e umas pitadas bem cautelosas de curry. Deixei ferver e desliguei o fogo.

Corri abrir dois peitos de frango caipira com a faca, deixando-os bem largos e finos. Fiz a mesma receita do frango recheado com espinafre e queijo brie, só que dessa vez usei folhas frescas de espinafre. Coloquei os dois peitos recheados para assar em forno médio e subi correndo para fazer o que tinha que fazer no meu novo iMac.

Demorou a beça pra instalar o Suite e durante a espera tive tempo de arrumar o meu semi-abandonado e hiper-bagunçado escritório, que agora está frequentável novamente.
Foi uma noite proveitosa. A sopa ficou uma delicia, o frango ficou super saboroso e macio, os programas foram instalados com sucesso, e ainda consegui dobrar e guardar as toalhas e lençóis lavados, folhear os livros novos e terminar de ver um filme!

dias de ventania
[descabelante]

Perdi hora pela manhã, o alarme não tocou. Isso acontece raramente, mas quando acontece desestrutura todo o meu dia. Acordar devagar, abrir os olhos com calma, espreguiçar, pensar na morte da bezerra antes de colocar os pés no chão, me desejar um bom dia, tudo isso faz parte da minha rotina matinal, que foi interrompida porque o alarme não tocou ou tocou e eu não ouvi. Me virei ainda semi-imersa num sonho para olhar o relógio e os números que vi me fizeram pular da cama num sobressalto assustado—sete e cinco!

Felizmente deu pra beber minha xícara de café, remoendo a perda dos preciosos minutos. Cara amarrada. Já saindo para a fazenda ele me perguntou—dormiu bem? A resposta era sim, dormi, mas não pude dizer que sim, já que estava amargurada pelo atraso. Mais ou menos, foi a minha resposta mal humorada.

O menu do jantar foi sopa de lentilha verde com alho e ervas. Colocar a receita aqui é chover no molhado, mas eu queria registrar. Começou a ventar horrivelmente. Uma pessoa que conheço, nascida em Upstate New York, sempre bradava num tom apocalíptico que na Califórnia quando chovia, chovia, chovia, chovia, e quando ventava, ventava, ventava, ventava. Eu nunca entendi muito bem essa reclamação exacerbada, mas é verdade que quando venta, realmente venta e venta enlouquecidamente e descabelantemente por vários dias.

Dormi com o barulho dos galhos da árvore chicoteando o telhado da casa. O cachorro do vizinho latia sem parar, chorando. Vento, vento, vento, vento. A manhã chegou gelada e eu perdi hora, perdida no sonho, sonhando com algo que nem mais lembro.

vinte e quatro horas

Jantei um cachorro-quente e meio, algumas batatas chips naturebas e meia taça de um Sauvignon Blanc neozelandês. Li feliz a cartinha da Jean e o e-mail do Moa, arrumei a cozinha, coloquei meus keds fedorentos de molho na máquina de lavar, coloquei a roupa lavada para secar. Subi, liguei a tevê e chorei muito vendo o filme da Lassie enquanto dobrava roupas de cama lavadas. Tomei banho, terminei de ver Mata Hari com a Greta Garbo, revi Meet John Doe do Frank Capra pela enésima vez enquanto comprava meu novo IMac na loja da Apple da UC Davis. Comecei a ler Simca’s Cuisine, o Uriel ligou e disse que terminaram os testes na fazenda. Tomei remédio para dor de cabeça, comecei a ver Shall We Dance e enquanto Fred Astaire sapateava e cantava sorrindo, virei de costas e dormi.
Acordei, tomei café com leite com bolo de milho, li feliz muitos e-mails, tomei banho, vesti uma blusa que eu adoro e uma saia longa jeans que me dá sorte, arrumei a lancheira e fui pedalando devagar com medo da saia enroscar na corrente da bike. Cheguei no trabalho, disse bom-dia para a jornalista, meu chefe veio conversar comigo e falamos sobre envelhecer e sobre politica. Li feliz mais e-mails, trabalhei, bebi água, ouvi música, comi sementes de romã, fui ao banheiro com o celular no bolso da saia. Trabalhei mais um pouco, meus pais ligaram no celular, falamos sobre envelhecer e sobre politica. Trabalhei ainda mais um pouco, deixei o computador ligado para a técnica instalar o Panther e fui pra casa pedalando devagar com medo da saia enroscar na corrente da bike. Liguei pro Mustard Seed e fiz reserva para uma party of four, fui a pé até o Fuzio onde pedi um sanduíche com salada sem molho para levar para casa, enquanto esperei olhei as roupas na loja da GAP ao lado. Voltei pra casa, o Gabriel ligou. Não gostei muito do sanduíche, mas comi toda a salada. Fiz cortes em cruz e coloquei as castanhas portuguesas para cozinhar numa panela com água, fiz uma receita da panna cotta clássica da Alice Waters. Arrumei a cozinha, subi para ler e ver filmes. Vi dois filmes da década de 30 com a Anne Harding. Tomei comprimidos pra dor de cabeça. Li feliz mais um tanto de e-mails e comi castanhas. O Misty veio me fazer companhia. Minha amiga ligou. Meu irmão ligou, dai desligou e religou no Skype. Minha irmã ligou e ficamos, eu, meu irmão no Skype e minha irmã no telefone. Meu irmão quase dormiu de tédio com o nosso papo. Me despedi, tomei banho, coloquei meu colar super funky, liguei pro Uriel e ouvi o telefone tocando na cozinha—ele já estava em casa. Ele tomou banho. O Gabriel e a Marianne chegaram, fomos à pé ao Mustard Seed. Bebemos vinho, água com gás e suco de uva Pinot Noir. Eu e o Gabriel comemos um hallibut com crosta de macadâmia, o Uriel pediu steak e a Marianne comeu pato. Pedimos entradas, mas não pedimos sobremesa. Comemos e conversamos muito. Voltamos para casa, onde devoramos as panna cottas, conversamos mais um tanto, nos despedimos. Subi, desliguei o laptop que estava em cima da cama, tomei outro banho, liguei a tevê, deitei, começou a passar King Kong de 1933 com a Fay Wray, um clássico que já vi muitas vezes. Pisquei, pisquei, virei de costas e dormi.

o hóspede & o peixe

Aquele ditado popular um bocado rude que diz que “visita é como peixe: depois de três dias começa a feder”, sempre me intrigou, porque nunca tive a experiência de um peixe ou de um hóspede chegando nesses termos. Pois no sábado passado, mesmo estando sozinha, fiz o favor de comprar dois filezões de peixe no peixeiro do Farmers Market. Como naquele dia eu já tinha um almoço engatilhado, coloquei os filés num canto da geladeira e me comprometi mentalmente a prepará-los no domingo. Separei até uma receita. Mas no domingo fiquei pra lá e pra cá por causa da torta de figos e não o fiz peixe nenhum. Aliás, nem lembro o que comi no domingo. Dificuldade com a memória está se tornando um problema. Segunda chegou e com ela chegou também o Uriel. Depois veio a terça quando corri comprar uns bifões no Co-op que fiz de maneira simples na churrasqueira. A definição do jantar da quarta-feira permanecia em estado nebuloso, envolvida na escuridão da falta de idéias, quando fui ler o post da Neide sobre a moqueca caiçara feita com postas pequenas de peixe e temperada com ervas. PEIXE?? PEIXE!! Pois então lembrei que os filés de peixe do sábado ainda estavam no cantinho da geladeira. Não deu outra, foi tudo pro lixo. Chicotadas imaginárias na alma! Felizmente nunca tive o desprazer de sentir o fedor provocado por um hóspede, mas agora sei que o do peixe é deveras incômodo. O menu do jantar foi polenta.

jantamos bem tarde

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Foi realmente bom ter novamente companhia para o jantar, depois de tantos dias sozinha. Voltar foi uma maratona pra ele, que ficou praticamente dois dias em trânsito, contando com o as dificuldades normais de voar nos dias de hoje, e ainda fazer isso num final de semana, completando com a passagem de um furacão e terminando com essa lonjura onde vivemos. Mas finalmente ele colocou as malas no corredor e fomos jantar juntos no quintal, num entardecer agradável de final de verão. Ficamos conversando, comendo sobremesa e olhando fotos até a noite escura chegar e o frio nos empurrar pra dentro de casa. No menu do jantar uma substanciosa sopa de lentilhas [espanholas, por pura coincidência], salada de tomates cereja com manjericão fresco, azeitonas verdes temperadas com um molho picante de laranja vermelha e torradinhas de pão francês que comemos com manteiga. Pra beber, água.

sopa de lentilhas com abóbora
Numa panela, refogue tiras de um bom bacon* cortadas em cubinhos [*eu uso os produtos de super qualidade do Niman Ranch, onde os animais são criados e abatidos com humanidade] Quando o bacon estiver fritinho, junte dois dentes de alho picados e refogue por uns minutos. Junte a lentilha lavada e escorrida. Eu usei a variedade Spanish Pardina, que cozinha rapidinho, ótima para fazer sopa. Refogue a lentilha um minutinho e junte cubinhos de abóbora assados. Eu asso a abóbora com antecedência e guardo na geladeira. Junte um litro de caldo de legumes, baixe o fogo e com a panela semi-tampada, cozinhe até a lentilha ficar molinha. Adicione sal e pimenta do reino moída a gosto, junte um punhado de orégano fresco ou outra ervinha fresca disponível e sirva.

the olive trip

Ainda estava no trabalho quando recebi um telefonema do meu marido, que tinha acabado de jantar um bacalhau com batatas em Évora. Hoje ele já deve ter saido bem cedinho em direção à Sevilha, onde vai encontrar um professor espanhol que trabalhou com ele aqui em Davis e que vai levá-lo para um tour das oliveiras. Depois eles vão para Córdoba, para mais encontros e mais eventos com azeitonas. Em seguida ele volta para Évora, onde professores de vários cantos do mundo estarão atendendo uma conferência sobre colheita de azeitonas e participando de um teste de campo com uma máquina argentina que está inovando. Ele me pergunta o que eu quero que ele me traga de lá. Azeite, é a minha resposta ligeira. E se der, azeitonas também, é claro!