Chegamos na fazenda orgânica Yamaguishi em Jaguariúna às 8:30 da manhã de um dia que prometia ser esbaforento e quente. Mas naquela hora o frescor ainda imperava e assim que desci do carro respirei um ar que me pareceu imensamente familiar. Não sei explicar exatamente o que era aquele cheiro conhecido, de coisa fresca, de infância, de tempos bons, de riacho transparente, de mangueira carregada de fruta, de terra molhada e grama pisada. Avistamos uma casa grande rodeada de um varandão que me pareceu a sede administrativa e lá batemos para perguntar pelo moço que iria nos ciceronear naquela visita.
Eu, minha mãe e meu irmão fomos recepcionados por uma senhora, que nos ofereceu um café. Foi o tempo de brincar com o gato e olhar um pouco ao redor e já chegou o Romeu, com quem eu tinha trocado breves mensagens de e-mail. Não teve muitos salamaleques para agendar uma visita. Fui ao website da fazenda, cliquei no e-mail de contato e escrevi dizendo que queria visitar a Yamaguishi e que uns amigos, professores da Unicamp, tinham me recomendado que eu falasse com o Romeu. Dias depois estávamos lá, muito bem recebidos logo pela manhã para um convercê e depois uma extensa caminhada, com direito a explicações detalhadas sobre tudo e respostas para todas as minhas perguntas.
A fazenda Yamaguishi tem 60 hectares de mata replantada e 37 de mata original. Eles fazem entregas de cestas de produtos orgânicos à domicílio e participam também de várias feiras em Campinas e região. Oferecem 66 variedades de legumes e verduras, que podem ser escolhidos ao gosto dos clientes. O Romeu explicou que as estações não muito rigorosas do Brasil possibilitam a produção ininterrupta de muitos produtos, que são oferecidos quase que durante todo o ano. A sazonalidade é muito mais flexível, devido ao clima mais ameno. Nada é produzido em estufas, tudo saí dos imensos canteiros espalhados pela extensão da fazenda. E dali também saem o ano todo frutas como laranja, banana e maracujá. A fazenda Yamaguishi dispõe seus produtos com os de mais 17 agricultores orgânicos da região, que formam o Grupo Mogiana. Eles promovem cursos, e treinamentos, dividem experiências e técnicas, que são praticadas por todos. A variedade dos produtos oferecidos pela Yamaguishi é também graças à essa organização de produtores. O grupo também participa de um planejamento de produção com os agricultores convencionais, para ajudar com controle de pestes, preservação do meio ambiente e divulgação de técnicas de agricultura orgânica e sustentável.
Nossa caminhada pela fazenda nos deixou de língua de fora e com o queixo caído. São apenas 27 pessoas cuidando da produção de legumes, verduras, frutas e de um montão de galinhas. Todos vivem em casinhas dentro da fazenda e todos administram o negócio conjuntamente. Na Yamaguishi não tem chefe, não tem dono, todos são iguais pela filosofia que é aplicada no dia-a-dia. O Romeu nos explicou como eles controlam as pestes sem químicos, como re-usam o excedente, reaproveitam tudo, fazem rotação da lavoura, preservam o rio e a mata, e os animais silvestres que vivem por lá. Eu deveria ter levado um gravador, pois foi muita informação pra memorizar. Uma das coisas que me chamou a atenção foi a lindeza dos canteiros, folhas enormes, brilhantes, quase sem nenhum ataque de bichos e o Romeu contou que isso é resultado de anos das práticas orgânicas. A fazenda já tem 22 anos e serve 800 clientes das cestas entregues semanalmente, mais as feiras e o suprimento de lojinhas, como a Macróbios de Campinas. A fazenda recebe visitantes comuns, grupos de escolas e tem também umas atividades abertas ao público nos finais de semana. É só escrever ou ligar pra eles e perguntar.
Mas a parte da fazenda que mais me impressionou foi a dos galinheiros. De longe avistamos o imenso gramado todo cercado com arame, onde as galinhas ciscam livremente das 10 da manhã até às 5 da tarde. É um espaço cercado por razões óbvias—não dá pra deixar centenas de galinhas soltas pela fazenda, expostas à predadores e depois ficar catando os ovos botados ali, aqui e acolá. Eles têm um esquema super bem organizado, com galinheiros espaçosos onde os franguinhos moços e as franguinhas moças crescem primeiro em espaços separados. Na fase adulta eles finalmente se juntam, um bando de galinhas e um seleto número de vigorosos galos. Os ovos são fertilizados, fruto do ciclo natural da vida. Mas o Romeu contou que apesar das galinhas estarem em maior número, quem escolhe o galo são elas, portanto são elas que realmente mandam no galinheiro. Entramos em alguns deles onde naquela hora matinal as penosetes ainda estavam botando ovos. Cada galinheiro tem um compartimento onde as galinhas entram e ficam lá, quentinhas e fechadinhas, colocando os ovinhos em total privacidade. O Romeu quis nos mostrar um deles e para nossa surpresa, antes de abrir bateu na porta do compartimento explicando que todos os outros funcionários também faziam o mesmo, em sinal de respeito, para avisar as galinhas de que elas iriam ter a privacidade invadida. Como adentrar um quarto de moçoilas enquanto elas estão fazendo a toilete, com um toc toc toc e um discreto com licença para mostrar respeito.
O Romeu foi nos mostrando tudo, pegou o solo do galinheiro com as mãos, explicando que aquilo iria adubar os canteiros da fazenda. Nunca vi terra tão limpa. Naquela hora um dos funcionários estava deixando os sacos de ração nas portas dos galinheiros. A ração é feita lá mesmo na fazenda, vimos a lista dos produtos—nada de porcariadas, nada de artificial, nem de químico, só ingredientes naturais. As galinhas comem até casca de ostra, que ajuda a deixar a casca do ovo mais durinha. Vimos também o pessoal pegando os ovos [e batendo na porta e pedindo licença antes], a limpeza e armazenamento, depois o empacotamento dos ovos fresquinhos que vão para as cestas domésticas ou para os mercadinhos. Os ovos da Yamaguishi são realmente de galinhas saudáveis e felizes—eu posso dizer isso, pois fui lá e vi!
Saí da fazenda Yamaguishi um bocado entusiasmada, porque pude ver com meus próprios olhos, e caminhando e sujando o meu calcanhar de terrão vermelho, o trabalho bacanérrimo que tem sido feito ali com os orgânicos. Muita gente me diz que onde mora não tem orgânicos, que é difícil, eteceterá e tals. Mas eu tenho certeza que tem muito agricultor, pequeno ou grande, fazendo coisas muito bacanas, como o pessoal da Yamaguishi já está fazendo ali nas imediações de Campinas há várias décadas. O truque é começar a procurar. Olhar em volta, fazer muitas perguntas, se informar, se conectar, montar uma rede e ajudar a divulgar—quem vende os legumes, o leite que entrega em casa, o queijo, os ovos, aquele sitiante que aceita encomenda de galinha ou de um porquinho. E assim vamos devagarzinho saindo daquela imposição dos grandes produtores e distribuidores, e vamos mudando um bocado da nossa alimentação e da nossa vida, pra melhor!