lah-dih-dah

Assim que abri a porta do meu pequeno armário de despensa, uma lata de atum tombou do alto da terceira prateleira e precipitou-se em queda livre, colidindo com outras latas e pacotes, para logo em seguida dar um duplo mortal—primeiro soqueando com força o topo da minha cabeça e depois aterrando na bancada da pia, justamente em cima de um pires antigo que fazia dupla com uma linda redoma de vidro que eu usava como manteigueira. Usava. O pratinho quebrou-se ao meio e entre a dor do recém-adquirido galo na cachola e a tristeza de perder uma peça de porcelana tão linda, constatei mais uma vez que a cozinha é, para mim, o lugar mais perigoso da casa.
São tantas e tão variadas histórias, que eu já nem impressiono mais os ouvintes, que se limitam a me olhar com aquela cara de bocejo espremido: ah é, você se machucou na cozinha [outra vez]? Posso afirmar que me corto com a faca pelo menos uma vez por semana. E se você sentiu aquele cheiro característico de galinha sendo depenada, pode apostar que era eu tentando pegar alguma coisa entre as panelas no fogão e queimei os pêlos do braço. Fritar, cortar, ralar, escaldar, furar, bater, amassar, espremer, são verbos que eu conjugo muito bem e que não estão nem um pouco relacionados com nenhuma instrução de preparo de receitas.
Minha mão direita é frankensteiniana, exibindo um dedo costurado que não tem mais sentimentos. O corte, que fiz quando lavava um prato de cerâmica que se quebrou, pegou um nervo e transformou para sempre o polegar num sujeito insensível. Mais para o lado vê-se uma mancha notável, que nem o óleo da roseira milagrosa que esfreguei lá por anos ajudou a dissimular. Ela é a lembrança estampada daquela minha tropeçada no tapete, numa noite em que resolvi fazer um pudim de leite, daqueles que precisam ter a forma caramelizada.
Meu marido, que é professor e muitas vezes convoca alguns dos seus alunos para ajudá-lo com peças de maquinaria pesada na sua oficina, tem uma palavra de ordem, reiterada inúmeras vezes para assegurar a integridade física de seus pupilos—concentração! Você precisa se concentrar no que está fazendo, ele diz. Mas comigo esse negocio não funciona. A cozinha é o lugar onde eu relaxo, ouço música, checo e-mails, leio livros, converso com os gatos, descasco batatas dando risada de alguma coisa engraçada que me aconteceu, mexo a sopa no fogo refletindo sobre as notícias do mundo, às vezes até choro ou danço, e mesmo assim não entendo por que estou sempre protagonizando mais um acidente.

18 comentários em “lah-dih-dah”

  1. Li alguns comentários no Twitter sobre esse post, mas só consegui ler agora!! Hahaha! XD..Ainda bem q estou em casa e não precisei segurar a risada =)
    Tb vivo me machucando..minhas pernas e canelas vivem com manchas roxas. Sempre estou esbarrando em alguma coisa: quina de mesa, gaveteiro do escritório…=(
    Bjs!

  2. olá!
    tenho que me solidarizar com a Mariangela, rs,rs!
    no primeiro ano da facul, ha uns vinte anos atrás, nos laboratorios que a gente treinava, ainda subsistiam aqueles antigos e horripilantes motores odontológicos de cordinha! e não é que eu prendi a franjinha na cordinha!! que mico!!!
    legal, pois vc me fez lembrar o que eu já tinha até esquecido!!
    ah! já ia esquecendo! no meu caso foi a latinha de cerveja(cheia)uuiii!!que caiu bem naquela parte mais ossuda da frente da perna!!
    abraço

  3. Por favor, me inclua nesse clube das desastradas.
    Ontem fiz arroz de um jeito diferente – comecando no fogao, terminando na panela fechadinha, em forno a 350F.
    Abro o forno e uso um pegador de panelas para segurar no cabo de metal.
    Coloco a panela sobre o fogao para o descanso obrigatorio de 5 minutos.
    Obvio, na hora de levar para servir a mesa, foi com a maozona nua e crua que peguei a panela. Meu amado esta’ acostumado aos meus uivos de dor semanais. 🙂
    Mas o episodio da furadeira me deixa na fumaca. Impagavel.

  4. Fer, nao querendo fazer o tipo “veja o meu caso”, mas ja’ fazendo, hoje estava enfiada no meio das azaleas arrancando mato, uma vespa picou justo minha boca e acabei com uma boc a siliconada gratis! Estou morrendo de vergonha de sair na rua. beijos, Maria

  5. Fer, também adorei este post!! Também sofro de ‘lack of concentration’ e pior, ‘lack of patience’, o que é um dom necessário para quem gosta de cozinhar… mas é assim mesmo, cada uma do seu jeito e vamo que vamo 🙂

  6. Eu sei que não era para rir, mas foi inevitável! E para complementar, o comentário da Mariângela (furadeira? como? como?) e o seu reply coroam a cereja!
    Se serve de consolo, eu consigo me cortar com objetos totalmente inofensivos, para as outras pessoas, claro :~ (e nem estou falando de papel). hahahahahah

  7. Meninas, isso não se faaaaz!!!
    Acabei de voltar do almoço, vim aqui dar uma espiadinha discreta antes de entrar de com força no batente escritoriano e me pego dando uma gargalhada, seguida de ppppfff com a boca, que não contente em falhar ao tentar camuflar o cacarejo, ainda por cima espremeu as bochechas de um jeito que lágrimas pularam pro teclado, não sem antes borrar a maquiagem ahhahahahha
    Só pra adicionar um causo na ótima lista… eu já caí de bicicleta ergométrica. E foi feio ahhahah
    Sou estabanadíssima também, mas, como falou a Ana, às vezes calha de a gente conseguir evitar. Beeeem às vezes, no meu caso.
    Ler o post da Fer e os comentários de vocês me alegrou o dia.
    Um beijo grande (sem desastre)

  8. ai ai rsrsrs
    Só essa semana quase quebrei os dedos tentando abrir uma porta emperrada e fiquei com uma unha levemente roxinha porque prendi numa gaveta. Na cozinha! ehehe
    beijos

  9. Não sou dada a mazelas físicas na cozinha – geralmente me machuco na bicicleta; por algum motivo vivo me machucando no pedal da bicicleta. Nem pergunte como mas a parte do meu corpo mais machucada são minhas canelas e batata da perna.
    Mas a minha mãe SEMPRE se corta, queima, arranha, quebra coisas na cozinha…

  10. Fer esse post eh otimo! Adorei! Dei risada e me identifiquei pois eu sou muito estababnada – alias sempre fui, quando eu era pequena minha mae sempre falava que eu nunca poderia ser “miss” por conta das varias marcas roxas e raladas q eu sempre tinha nas pernas.
    Sou das suas no quesito de me cortar uma vez por semana e queimar os pelos do braco entre as panelas… eu tenho pelos muito longo nos bracos, alem de ser meio bizarro ainda contribui p/ meus acidentes culinarios.
    Mas as vezes rir faz parte, e sao essas e outras caracteristicas q nos fazem quem realmente somos, o legal eh aprender com a gente mesmo e quando a gente evita um acidente (por antecipacao da baboseira q viriamos a fazer) eh uma alegria enorme!
    Ah, e nao podia deixar de comentar, a sua resposta para a Mariangela foi a melhor, dei muuuita risada aqui!!
    Beijos!
    Ana

  11. Que seria da vida sem esses “pequenos” desastres? Pelo menos podes ir rindo deles no futuro, é sinal que tens lembranças 🙂 Não é que eu seja feliz com a desgraça dos outros mas estas histórias são bem divertidas!

  12. Fer,
    Já morri de rir com seu post e os comentários.
    Não pense que é privilégio seu conjugar esses verbos…
    Seu sujeito insensível vive trazendo-nos pratos e histórias ótimas.
    Bjs.

  13. Estes posts são os melhores…me identifico com a estabanação que comigo pode acontecer em qualquer canto da casa. Já queimei o bumbum enquanto eu passava roupa da minha mais velha. Que dor! Não sei como eu consegui…
    =)

  14. Fer, eu já tinha gostado do texto, mas o comentário da MariÂngelo e a sua respota mereciam um post solo!!
    Ah, ah, ah!
    Eu vivo a minha cozinha da mesma forma que tu: é o meu espaço de lazer. 🙂
    Mas apesar de tb ser bem distraída e trapalhona, não sou tão dada a mazelas físicas!

  15. Fer, tenho certeza q se a lata de atum tivesse se precipitado sobre o seu dedinho do pé (o q certamente teria acontecido comigo) sua dor teria sido muito maior! Meu dedinho do pé é sempre o alvo preferencial de coisas q caem, especialmente na cozinha.
    1 beijo e melhoras para o galo

  16. Fer,minhas façanhas não são na cozinha,são no atelier,e a última delas foi horripilante,enfiei a mini-furadeira nos cabelos arrancando um belo chumaço, até crescer de novo faço como aqueles calvos com poucos fios que ficam penteando os míseros de um lugar para o outro,para disfarçar(exagero!!) rsrsrsrs.beijos!
    R: Mariângela, com essa você foi para o trono! 🙂 o que você foi fazer pra furadeira enroscar no cabelo? Estou rindo muito, tambem porque me lembrei que uma vez eu fiz um corte na bunda quando raspava o suvaco no chuveiro. Nem vou descrever o movimento que precisei fazer pra alcançar esse nivel de sofisticacao na arte de se auto-flagelar. 🙂 beijo, Fer

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