esse bolinho vai dar história

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No final de tarde tórrido me plantei em frente da geladeira, determinada a dar cabo das sobras—especialmente uma, de um salmão selvagem que eu tinha assado na churrasqueira. Assei um pedaço maior com o fortuito propósito de ter algumas sobras e por consequência poder fazer alguma coisa com elas. Sobras de salmão sempre resultam em pratos novos interessantes.

Vejam bem, eu não compro salmão sempre. Só compro quando acho o selvagem, pescado no Pacífico, que não come ração com antibiótico nem com adição de tinta. O salmão selvagem não desbota depois de assado, como salmão de fazenda. É lindo de ver, delícia de comer e, esse sim, saudável. Custa maia caro e não aparece sempre, porque ele tem a pesca controlada. Mas vale a pena esperar pela oportunidade de ter um filé para assar e as sobras para inventar.
Por todos os motivos relatados no parágrafo acima, essas sobras de salmão eram preciosas!

Resolvi fazer uns bolinhos e assá-los na churrasqueira. Coloquei as sobras do peixe assado numa vasilha, juntei alcaparras, ciboulettes picadinhas, umas fatias finas de abobrinha picadinhas, um dente de alho micro-picado, colheradas de creme fraiche e farinha de pão [rosca] até dar o ponto de fazer os bolinhos. Coloquei tudo na minha nova frigideira, acendi a churrasqueira e lá ficaram os bolinhos, assando.

Fui fazer uma salada, dar snack pros gatos, ligar pro Uriel, arrumar a mesa, eteceterá e quando voltei pra checar os bolinhos, surpresa: aparentemente o gás da churrasqueira tinha acabado. Liguei pro Uriel por favor vir trocar o botijão e me estiquei no sofá me sentindo exausta, também porque até ele chegar, o troço iria demorar. E a fome já estava incomodando. Fome me dá um baita mau humor e paciência de esperar não é realmente o meu forte, apesar das minhas eventuais práticas zen.

Deitada no sofá fiquei relembrando que enquanto fazia os bolinhos refletindo sobre a qualidade do salmão e dos outros ingredientes, um diabinho sussurrava no meu ouvido—e se essa invencionice der errada? Já tinha começado mal, com a churrasqueira me deixando na mão, mas o que mais poderia acontecer? O que mais poderia dar errado, além do risco natural de usar uma receita inventada, sem medidas e tals? Quando você pensa que algo tem tudo para dar errado, com certeza vai dar.

O Uriel chegou, trocou o botijão, acendeu novamente a churrasqueira no fogo alto e fomos conversar. Não deu nem dez minutos, saí para checar o andamento do cozimento da comida e voltei chorando—não temos mais jantar, esturricou tudo! Lagrimotas de frustração, tristeza, e cansaço quase pingavam na salada de tomate. O Uriel correu para analisar a catástrofe e veio com o prognóstico de que nem tudo estava perdido. Trouxe os bolinhos, meio esturricados apenas de um lado, ajeitados cuidadosamente numa travessa.

Olha—ele mostrou a travessa tentando me animar—não está tão ruim, queimou só um pouco na parte de baixo!
Comemos então somente a parte de cima, carvucando a massa saborosa e removendo a casca preta. Apesar dos maus agouros e dos pequenos tropicões e sustos durante os procedimentos, o salmão virou bolinho, o bolinho virou jantar, e depois tudo virou história.

5 comentários em “esse bolinho vai dar história”

  1. Oi Fernanda
    Queria saber mais sobre o salmão selvagem. Será que dá pra encontrar aqui no Brasil ou é uma coisa só daí mesmo? E que história é essa de alimentar salmão em cativeiro com ração com antibiótico e tinta!? nossa, é de dar arrepio…
    Abraço…
    R: Oi Gustavo, eu acho que no Brasil nao tem salmao e na minha opiniao os brasileiros deveriam consumir os zilhoes de peixes que existem por ai e deixar esse salmao de fazenda pra la. esse salmao vendido ai vem do Chile e eh criado com racao, adicionado de mil coisas que nao fazem bem pra saude. eu, se fosse voce, comeria outros peixes. abs, Fer

  2. Não chora não amiga!
    Teu bolinho devia estar uma delícia..
    Voce escreve tão bem que parecia que eu estava vendo a cena…hehehe
    Me diz uma coisa…como eu faço para comprar salmão selvagem no Brasil?Áinda mais no RS?
    Como faço pra saber que é selvagem?
    Grande abraço
    Kaká
    R: Kaká, ai no BR voces tem que comer outros peixes–e ha muitos! nao tem salmao, eh isso. o salmao que tem ai vem do Chile e eh todo de fazenda. nao compre. bjo, Fer

  3. Bom, eu prefiro bem passado do que mal passado. Acho que se estivesse aí comeria sorrindo e nunca chorando. Aliás, eu conheço-me bem e acho que iria comer a gargalhar com essa história 😉

  4. Fer, eu geralmente gosto destas partes meio esturricadas,quando ainda um lado está bom.Dá um gostinho amargo no bolinho,que não é ruim.Devia estar muito bom,beijo!

  5. capítulo 1 – Bolinhos de Salmão esturricados
    capítulo 2 – Tomates temperados com lágrimas
    Epílogo – O suspense ! Seria comestível ou não?
    Happy end – Estômago saciado e história mais do que guardada.
    Nome do filme – As grandes histórias acontecem nos pretensos grandes erros
    Abs
    R: é verdade, Edu! 🙂 abs, Fer

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