Passe-me uma das coxas do brontossauro, por favor?

No alvorecer da década de oitenta, vivenciei por uns meses algumas situações desconcertantes geradas pela minha participação no processo Fisher-Hoffman. Eu era uma adolescente natureba e fazia a minha comida separada, sem carne, em casa. Essa trabalheira extra e estresse com a minha família não era motivada por nenhuma convicção filosófica, somente pela minha reação natural à uma ojeriza que sempre senti pelos produtos animais, que naquela época incluía também leite e ovos. Eu não entendia muito bem o que era ser vegetariano, porque eu não me considerava oficialmente uma. Mas algumas das pessoas no meu grupo do Fisher-Hoffman—que comigo somavam oito almas a procura de suas ilusões perdidas, eram vegetarianas declaradas. Um casal era bem radical, daqueles que moíam o próprio trigo e faziam aquele pão sólido como uma pedra, que só eles mesmos conseguiam comer. O cara era um agrônomo, ganhou até um prêmio para jovens cientistas por um projeto inovador que ele desenvolveu. E patrulhava com relação às carnes, às farinhas brancas, ao açúcar. Eu concordava com tudo, porque concordava mesmo. Naquela altura do campeonato eu já tinha feito minha passagem pela Raposa Vermelha e tinha lido o Sugar Blues do William Dufty, os livros de macrobiótica do George Ohsawa e já tinha adquirido o meu livro de cozinha favorito, que era a tradução para o português do livro do Ed Brown, The Tassajara Cooking.

Um tempo depois do final do processo eu fui com o Uriel, que ainda era meu namorado, a uma festa de casamento de uma das pessoas do meu grupo do F-H. Nunca vou me esquecer de uma cena que vi durante o almoço que foi oferecido aos convidados. Lá estava o casal que não comia carne de jeito nenhum, que fazia o próprio pão e advogava a vida ultra-super natureba devorando avidamente coxas imensas de peru assado, que era um dos pratos servidos no almoço. Aquela visão dos vegetarianos totalmente possuídos pelo espírito de Fred e Wilma Flintstone ficou cravada para sempre nos arquivos da minha memória.

13 comentários em “Passe-me uma das coxas do brontossauro, por favor?”

  1. Fer, olha a dica que a Jancis Robinson dá no prazeres da Mesa:
    E os Cabernet concentrados de Delia Viader na Califórnia?
    Aproveite!
    Um abraco

  2. Fernanda vc é ótima!
    Já escreveu algum livro?
    Se não vc poderia escrever um contando suas recordações, suas histórias, eu como leitora assidua do teu blog seria uma das primeiras a adquirir um exemplar, com direito a pegar um avião(sem saber uma virgula de inglês) e te pedir uma dedicatória.
    Tenho uma amiga que as vezes nos pegamos em momentos como estes, falando do passado e recordando o que foi bom, ruim, e que realmente deixou uma mensagem ótima para o nosso crescimento. As gargalhadas rolam soltas,e ela sempre solta uma frase assim” Ah Cumadre, estas vicissitudes da vida!” (ela é madrinha da minha filha)
    Acho que todas nós temos uma “Raposa vermelha” fazendo parte de nossa caminhada.
    Eu também tive a minha!
    Bjos,
    Monica

  3. Tinhamos um grupo em FLorpia onde um fulano era ávido-vege-ótco (mistura de vegetariano com macrobiótico e sei lá mais o quê). Nas festas de final de ano as filhas dele não podiam comer chocolate e ficavam sofrendo pelos cantos etc…Um dia, num jantar faltou luz por um longo tempo e quando subitamente as luzes voltarm estava o tal com um pernil gigante entre os beiços.
    Pode?
    Histórias à parte, eles devem ser o que o Peter Barley chama de FLexitarians. Você conhece esse livro “the flexitarian table”? Acho que vais gostar.

  4. Olá, conheci a página no saite da Dadivosa. Indentificação de primeira, pois fui naturalista e macrobiótica. George Oshawa, Márcio Bontempo, banho frio no inverno do sul! Marmita de arroz integral no restaurante universitário…
    bjs

  5. pois é! Minha cunhada tinha vizinhos budistas vegetarianos e certa feita chegou lá de surpresa, entrou pelos fundos e descobriu a família churrasqueando um monte de salsichão na cozinha, foi literalmente uma barbaridade e o pseudo-vegetariano não sabia onde enfiar a fuça..beijo!

  6. Que bom te ter conhecido melhor!
    Fico a imaginar esses dois a devorar as pernas de peru, e a sua cara.
    Beijocas
    P.S. Sou fã de Genesis daqueles da época de Peter Gabriel, e conheço o album do “raposa vermelha”

  7. Oi Fer,
    Ri muito com seu post….também tive minha fase vegetarianoca na vida. Adorei os devoradores de peru…..
    Grande abraço para ti…..
    Fá.
    PS: desculpa a curiosodade mas qual é o modelo da sua máquina fotográfica?

  8. ótimo!!! Tô imaginando a cara que vc não deve ter feito ao vislumbrar essa cena!!! rssss
    Nunca tive fase natureba, não é muito meu estilo! Mas eu ia adorar trabalhar por uns tempos numa lojinha assim, meio alternativa! rsss
    bjs

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