um toque de classe

Era uma segunda-feira, quando eu vou buscar minha cesta orgânica, lavo, guardo e tento usar os legumes e verduras que encalharam ou sobraram da outra semana. Geralmente é um dia bom para deixar um caldo preparando na panela elétrica, e para fazer pratos simples, nada que necessite mais que três etapas—lavar, picar, cozinhar rapidamente ou temperar em salada.

Pra acompanhar a refeição simples que eu fiz naquele dia, eu resolvi usar um pacote de noodles cozido que eu tinha na geladeira. Esses pacotes são muito práticos, pois o macarrão feito com ovos vem prontinho, você só precisa despejar no stir fry ou sopa. Pois nesse dia fritei na wok umas fatias finas de alho no azeite, joguei os noodles, sal, pimenta, cobri com muita salsinha fresca picada e servi com bastante queijo pecorino ralado. Um alho & óleo oriental.

Pois o que foi que ouvi quando servi o jantar?
Ah, você fez miojo hoje?
Á? Á? Á?
MIOJOOOOO???!!!
Nem preciso dizer que fiquei chocadíssima e ofendidíssima…

de perto ninguém é normal

Eu tenho um livro de receitas bem bonito chamado I AM ALMOST ALWAYS HUNGRY, que comprei só por causa do título. Me identifiquei, pois sou exatamente assim – estou quase sempre com fome, e não sei explicar por que. Talvez seja o meu metabolismo. Eu não preciso me entupir de comida, ou fazer uma refeição completa, mas preciso de uma fruta, um suco, um biscoito, uma barra de granola, uma fatia de queijo, de duas em duas horas. Trago uma lancheira pro trabalho. Meus colegas devem pensar – what the flock? Mas eu preciso das coisinhas da minha lancheirinha, principalmente no período da manhã, pois meu café às 6:30 am é paupérrimo. Além do que fico com fome ao ver alguém comer, ou ver foto de comida, ou se vejo uma cena de filme com gente comendo. Imagine o meu suplício assistindo ao Food Network. Mas acho que metade da humanidade é assim, e felizmente eu tenho condições de satisfazer essa fomezinha neurótica e mimada.

Meu café da manhã não é nada sofisticado, mas precisa ter um item que é completamente imprescindível pra mim: uma xícara de café bem forte, com uma pitada de açúcar e um pingo de leite assim que eu acordo. Sem esse líquido eu não funciono, não saio do lugar, as células cerebrais não re-conectam e eu não me livro do mau humor que acorda comigo todo santo dia. Como resolver isso quando eu viajo e saio da minha rotina? O coitado do meu amigo MOA que bem sabe! Ele acordou todo pirilampo e sorridente quando eu estava hospedada na casa dele, e foi fazer panquecas de cranberry, laralás e tals, e eu sentada num banquinho da cozinha, vestindo minha camisetona do Super-man, com a cara tri-amassada e esperando uma caneca de café aparecer a qualquer momento para me ajudar a iniciar decentemente o dia . Como o papo rolava, mas o café não aparecia, deixei de lado meus melindres de visitante e pedi encarecidamente – será que eu podia ter uma xícara de café, PELOAMORDEDEUS?? No dia seguinte o xícrão de Nescafé foi providenciado rapidamente!

Todo mundo tem suas maniazinhas, não gosta de cebola crua, gosta de comer feijão com macarrão, descasca a maçã, põe açúcar no mamão, come arroz com colher, não mistura a salada com a comida quente, enche o suco de gelo – you name it! Eu tenho inúmeras, uma delas é que eu DETESTO ficar com as mãos sujas de comida enquanto estou comendo. Então já protagonizei algumas cenas Seinfeldianas, quando comi com garfo alimentos que não são comuns de se comer com garfo. Uma mania quase inconfessável é a minha adoração por Cheetos, aquele salgadinho de milho cor de abobrão, que quando me dá vontade de comer, eu compro na seção dos orgânicos pra aliviar um pouco a culpa. Eu como os Cheetos com um garfo, é claro. Anos atrás, quando eu trabalhava como professora, virava e mexia eu aparecia na escola comendo os tais com um garfo de plástico. As outras professoras viam aquilo e não se conformavam. Já as crianças nunca viram exatamente o que eu estava comendo, pois eu escondia o saco de Cheetos dentro de um saco de papel marrom. Eu sou meio boba da côrte, mas nunca dei moleza pra criançada rir da minha cara!

quem quer bacalhau?

A Páscoa é um feriado muito mal comemorado aqui, onde não se destacam as celebrações religiosas. Falei de bacalhau no meu trabalho tantas vezes—hoje é dia de bacalhau, hoje é dia de bacalhau, que até me dei um beliscão. Até parece… Eu não como bacalhau na Sexta-feira Santa há quase duas décadas. Mas por que ainda falo nisso? Porque passei uma boa parte da minha vida ouvindo—bacalhau, bacalhau, bacalhau, e comendo o peixe, é claro. Aqui tem bacalhau pra vender, mas eu raramente me animo a comprar. No Co-op ou no Nugget se encontra uma pequeníssima caixinha de madeira, com bacalhau canadense suficiente para duas pessoas. Mas como a Sexta-feira Santa nem é feriado nem nada, quem se importa.

O diretor do programa para o qual eu trabalho falou, quase como que me dando uma rasteira, que os portugueses simplesmente dizimaram com os bacalhaus da costa de New Foundland séculos atrás, por isso agora a opção virou a Noruega. Eu não sei de nada, só sei que comer bacalhau na Sexta-feira Santa é parte da minha cultura, como a daqueles índios lá de Washington é de comer baleia.

Como o dia do bacalhau foi um dia normal de trabalho por aqui, almoçei um “já-te-vi” de espagueti que preparei na noite anterior, com essas lingüiças finas recheadas que estão na moda. À noite fomos à um restaurante tailandês, onde pedimos o trivial—sopa vegetariana com leite de coco, won-ton fritos recheados de camarão e porco, salada e pepino, arroz e camarões com cogumelos exóticos ao molho de gengibre.

Macarrão com lingüiça
Cozinhe uma porção de espagueti em bastante água com sal. Cozinhe a lingüiça na água – eu usei uma recheada de queijo asiago e cogumelos. Corte em rodelas e refogue no azeite e alho. Acrescente bastante tomate seco picado e aspargos cortados ao meio. Refogue tudo por um minutinho, coloque sal e pimenta do reino à gosto. Misture o macarrão cozido e sirva com bastante queijo parmesão fresco, ralado na hora.

um engenheiro na cozinha

Meu marido não sabe fritar um ovo. É uma situação frustrante, e irritante às vezes. Eu sinto muito a falta de domínio dele na cozinha quando fico doente. Já houve episódios memoráveis, que até hoje são contados em minha defesa. Como aquela vez no Canadá, quando peguei uma desgraceira de um stomach flu e fiquei totalmente dismilingüida na cama, coisa pesada mesmo, incapaz de me levantar e ele cheio de trabalho no PhD dele, saiu e me deixou lá tremendo e suando, com remédios na cabeceira da cama e UMA LATA DE SOPA CAMPBELL’S com o ABRIDOR DE LATA ao lado, na bancada da cozinha. Hoje ele não ousa mais fazer isso, porque pegou SUPER mal…. Ele perdeu muitos pontos comigo, minha família e amigos. Mas mesmo ele se esforçando não tem jeito. Caí de cama no sábado e à noite ele comprou uma pizza congelada de caixa e deixou torrar. Não dava nem pra cortar com a faca, comi uma fatia como se fosse uma bolacha e voltei pra cama. No domingo, hora do almoço, um frio da cacilda, eu doente e desejando uma sopa quente e o que ele traz? Uma caixa com SALADA. Comi a salada tremendo e praguejando. Carvalho! Será o benê que a pessoa não se toca que doente quer conforto, quentura? Quando ele ficou doente duas semanas atrás, eu fiz uma sopa substanciosa. Mas no meu caso, tô ferrada.

Quem sabe se eu sugerir o cooking for engineers… Sei lá. Acho que quando o homem sai assim, com certeza deve ser culpa da mãe que não ensinou requisitos super básicos para a sobrevivência. Como saber cozinhar, por exemplo.

Queijo Duro com Vinho & Pão

Li na revista…

“Camponeses suíços criaram o fondue séculos atrás e transformaram numa refeição o queijo que ficou duro, misturado com o vinho de mesa. Já o fondue de chocolate foi uma invenção americana, que ficou muito popular nos anos sessenta.”

Essa é a prova de que nem todo prato servido hoje em restaurante caro ou que a plebe pensa que é chique teve suas origem em sofisticados salões das cortês reais. Muita coisa era comida de camponês, de gente pobre, pra aproveitar restos, usar os ingredientes da estação ou da ocasião – que nem sempre era de fartura.

Eu quase não faço fondue porque o Uriel detesta, mas de vez em quando no inverno até que me dá vontade. Nunca me esqueço de um fondue que fiz uma vez pra um casal de amigos, quando aconteceu um forrobodó inexplicável na hora de sentarmos, acho que alguém esbarrou na fonduzeira sem querer e ficamos olhando petrificados a toalha de mesa [novinha!!] PEGAR FOGO!! Eu acordei do transe letárgico de incredulidade à tempo de correr pra cozinha, encher uma vasilha com água e CHUÁÁÁ! Não consegui salvar a toalha, que foi pro lixo.

Eu acho fondue uma comida meio cafonona, apesar de ser inegavelmente gostosa. Acho que é porque aqui, onde ele virou moda nos anos sessenta, vemos e revemos ad nauseam os resquícios dessa moda em centenas de fonduzeiras cor de abóbora e verde oliva à venda nas garage sales e thrift stores. Parece que todo mundo quer se livrar dessas aberrações, mas ninguém consegue, então elas permanecem firmes e onipresentes na sua feiura e insistência. Eu já tive uma dessas quando éramos estudantes e pobres no reino canadense. Mas hoje tenho uma normal – preta, com cumbuquinhas de cerâmica. Mesmo assim continuo achando o business do fondue uma coisa um pouco over the top, quando todo mundo come demais, se lambuza, queima os beiços e põe fogo na toalha.

Eu tinha uma receita de salada que eu servia com o fondue, pra contrabalançar as zil calorias do queijo e todo aquele pão. Não tenho mais a receita, mas acho que consigo lembrar…..

Salada Alice
Um pé de Alface cortado em pedaços
Um bulbo de erva doce picadinho em fatias
Uma laranja em gomos cortados em quatro
Cenoura ralada em fitas
Fatias finas de maçã
Misture tudo e tempere com o seguinte molho:
Sal/pimenta do reino
Azeite
Suco de limão/suco de laranja
semente de erva doce
iogurte natural
Bater bem e temperar a salada.

Friday Night Fever

Em Orleans ficamos num Holiday Inn de beira de estrada, o que foi um tremendo alívio, pois não precisamos nos perder pela cidade para achar o hotel. Saímos do pedágio — dele não escapávamos nunca — e já entramos no estacionamento do hotel. Com essa economia de tempo tivemos a chance de sair caminhando calmamente depois de um banho e procurar um restaurante para jantarmos sossegados.

Logo na outra esquina encontramos uma brasserie—Le Bouche à Oreille. Era um local simpático e logo que entramos escutamos a música. Nas sextas-feiras havia a animation musicale, transformando o local num restaurante dançante. Não sei onde vi isso antes, se na minha infância de interior ou em algum filme, mas eu não conseguia parar de sorrir com a familiaridade daquela situação. As mesas do restaurante se posicionavam ao redor de uma pista de dança, onde os comensais se requebravam antes, durante e depois da sobremesa e do licor digestivo. No pequeno palco, que se elevava em um degrau, uma duplinha super animada botava pra quebrar. Um tocando keyboard, que fazia o som de uma banda completa, e o outro cantando com muita animação.

Nós pedimos a comida à la carte, depois de perguntarmos em francês se alguém ali falava inglês, ou português, ou espanhol. Nada. Com gestos, apontando, sorrindo amarelo, suando, conseguimos pedir uma água Perrier, uma cerveja Stella Artois sem álcool, um frango com arroz e um bife com batata frita. Ufa. Estava muito divertido ver o pessoal dançar e a comida estava muito gostosa. A garçonete até que se esforçou muito para não nos deixar passar fome, nem acabar comendo carne crua ou tripa.

A ironia desse nosso jantar na brasserie de Orleans foi que enquanto nos descabelávamos para decifrar o menu em francês e nos comunicarmos com a garçonete, a duplinha musical cantava hits EM INGLÊS e os dançantes faziam conjuntamente passinhos de square dance, imitando os bailes country norte-americanos, enquanto cantavam acompanhando a música. E cantaram especialmente alto e excitados quando a duplinha interpretou um sucesso da Shania Twain – Man! I Feel Like A Woman!

potluck

Eu gosto dessa palavra—potluck—cada um leva um prato e todos dividem. Às vezes a divisão não traz muita sorte pra uns ou outros, pois nunca se sabe que tipo de comida vai aparecer na mesa. Ainda mais quando o potluck envolve uma turma internacional. Eu já fui num potluck onde não consegui comer quase nada, pois tudo era estranho demais pra mim. Era uma confraternização entre os estudantes chineses do meu professor de inglês canadense. Eu sempre metida em tudo, me danei. Não lembro o que levei, mas tenho certeza que não fez o menor sucesso. Nosso gosto ocidental nem sempre agrada aos orientais. Mas eu lembro vivamente de um peixe com molho de feijão preto que me assustou pacas. E os ovos de pato esverdeados. Eu não como ovo nem normal, quem dera um que ficou “estragando” envolto em ervas e folhas. Bom, eu também já tive minha comida rejeitada em potlucks, como nos banquetes internacionais da U of S, no Canadá, quando eu preparava a minha maravilhosa feijoada brasileira e muita gente torcia o nariz e dizia no thanks! enquanto eu oferecia sorridente os brazilian black beans. Uma vez eu levei refresco de guaraná num potluck, desses de pacotinho da TANG, que misturei com água gasosa e acrescentei gelo e rodelas de limão. Quando eu falei que era guaraná, alguém me perguntou se a bebida era apropriada pra crianças. Nem todo mundo tem a obrigação de saber desses detalhes culturais, né? Mas essas situações são ótimas pra gente contar no blog e dar bastante risada. Pode ser que a minha cara de nojo e susto olhando pro peixe no molho de feijão tenha virado uma história divertidíssima, contada em cantonês ou em mandarin, entre gargalhadas de desprezo pelas babaconas ocidentais cheias de nojinho.

enquanto cozinho a sopa

Eu sempre fui encanada com comer direito e natural. Passei uns quinze anos da minha vida, entre a infância e a adolescência, lutando contra um nojo que tomava conta de mim e que não me deixava comer carne, frango, peixe, ovos ou leite….. Do jeito que eu comia, praticamente obrigada pela minha desesperada mãe, nem sei como cresci e fiquei alta. E de repente, durante os últimos anos da minha adolescência, me deu o cinco minutos e eu virei natureba. Era uma saída para a minha repugnância com relação à toda comida derivada de animais. Virei uma comedora de pão, cenoura, sopa de missô e macarrão alho e óleo. Só depois de muitos anos, já mãe do Gabriel, é que fui devagarzinho voltando a comer os bifes da vida. Hoje eu como de tudo, menos coisas muito exdrúxulas é claro, mas não perdi a mania de comer natural, orgânico, evitar óleos, açúcares, ler maníacamente rótulos de qualquer produto para ver o conteúdo.

Por causa disso, toda segunda-feira eu encosto a barriga na beira da pia e fico com dor nas costas lavando verduras e legumes. Isso é coisa que só os naturebas freaks fazem aqui neste país, onde tudo é industrializado e muito mais fácil e prático, pois ninguém tem tempo de nada, muito menos de ficar lavando folhas de salada. Mas eu arranjo um tempo e faço questão de comer o máximo que puder sem aditivos químicos.

Hoje tive que fazer um sopão e vou congelar brócolis e couve-flor cozidos, porque tava acumulando tanto desses legumes dentro da geladeira que já estava dando dó. E toda semana eu jogo fora umas verduras que nem tenho mais idéias de como cozinhá-las. Esse desperdício involuntário e cheio de sentimento de culpa é a consequência de querer ter uma vida além da minha capacidade. Sem falar que além da lavação ainda tem os sustos de achar bichos estranhissímos residindo nas alfaces e repolhos. Um dia eu desisto dessa história, mas até esse dia chegar, vamos comendo nossas saladinhas, refogados e sopas com verduras e legumes fresquinhos.

O duro é meus amigos me aturarem, pois toda vez que eu sirvo alguma coisa, lá vem a frasezinha – “é orgânico!” – como se alguém desse a mínima!