La Sorpresa de Bertha [18/07/99]

[* relato de uma festa mexicana que fui, num dia de verão no século passado.]
Tive um sábado diferente, porque o Uriel está viajando e fui convidada por uma amiga para uma festa hawaiiana de aniversário mexicano. Fui, porque recebi o convite feito com tanta alegria e entusiasmo que não pude dizer não. Além do mais minha outra opção de lazer era boiar na piscina, de novo, e então optei pela novidade.
Me arrumei rapidinho, sem requintes, com um vestido longo preto nesse meu jeitão minimalista, embora tenha colocado uns brincos antigos que tenho, e esperei pela minha amiga, que chegou toda colorida e sexy de sarongue curto e tamancos de Carmem Miranda.

Ela foi dirigindo até Winters—uma das cidades-gueto dos mexicanos, onde a festa iria acontecer. Lá nos encontramos com três irmãs dela, nos aboletamos numa van bacanosa e fomos, matracando e rindo, para ‘la fiesta’. Eu de preto e as irmãs Rosalba, San Joana, Irene e Mari todas coloridas, de colares, anéis, pulseiras de ouro, maquilagem caprichada e ‘tacones altos’ brancos.

Fomos os arrozes da festa. Chegamos e a anfitriã ainda estava passando aspirador no carpete azul turquesa dos cômodos da casa. Ajudamos um pouquinho, papeamos um pouquinho e ficamos encantadas com a decoração no quintal, com tendas e mesinhas ao lado da piscina, tudo super bonitinho, com enfeites hawaianescos por todos os cantos. Logo apareceu um D.J. de bigodinho, que colocou o som pra rolar na caixa—’suave, suave, besa me suave’—cantava a sensação latina do momento, um rapazola porto-riquenho chamado Elvis Crespo. Devoramos nachos com salsa ‘picantíssima’ e tomamos refrescos e margaritas geladíssimas!

Bem mais tarde chegou a aniversariante, Bertha, que fazia 40 anos. Todos se amarfanharam na garagem pra gritar ‘sorpresa!!’. Foi tudo muito bem planejado. A Bertha ficou chocada, chorou, abraçou todo mundo, emocionou-se. Até eu fiquei com lágrimas nos olhos, de tão comovente que foi a surpresa. E fiquei parada lá, sem saber nem mesmo o que dizer, porque não conhecia a Bertha, nem absolutamente ninguém, além das irmãs Muñoz. Eu era a mais perfeita ‘bicona’, além de ser a única não vestida em trajes hawaiianos.

Com a Bertha recuperada da emoção, fizemos a fila pra comida. Muita comida. Diversas saladas, vários tipos de arroz, uns frangões e carnonas assada. Pão pra acompanhar. E mais salsa picante. Comemos, comemos, bebemos, bebemos, conversamos muito e até recebi elogios ao meu portunhol. Eita gente simpática!

Os mexicanos são todos uma grande família. É meio assim como a gente. Todos se conhecem, são comadres, cunhados, primos, amigos de infância. Eles imigram e trazem o avoilo e a avoila, as tias e tios, os vizinhos, daí se agrupam e vivem felizes no estrangeiro sem sentirem-se estrangeiros. Uma façanha cultural.

Depois de muito comer e ‘chismear’, rimos com a farra da piñata, aplaudimos a Bertha abrir os ‘regalos’, cantamos ‘feliz cumpleaños’, comemos ‘pastel’ com flan, nos despedimos de todos com muitos abraços e dizeres de ‘muchas gracias!’ e fomos embora, comentando de tudo e todos. Eu ri muito, prestei muita atenção nas conversas e tive um dia muito bom, riquíssimo e suavissimo, gracias, gracias, besos, besos!

the walking tempura

Meu marido acha que eu exagero nas minhas criticas, mas eu detesto o Zen Toro. Ele é um restaurante japonês pseudo-modernex, que veio para Davis nesses esquemas massificantes de franchising. Está instalado num espaço minúsculo em downtown e quem vai almoçar ou jantar lá sai sempre fedendo a fritura da cabeça aos pés. Mas eu não desgosto de lá somente por isso. Também acho a comida pretensiosa e o serviço uma porcaria. Tá certo que numa cidade universitária, onde noventa e nove por cento dos atendentes dos restaurantes são estudantes, não se pode esperar o melhor serviço do mundo. Mas no Zen Toro eu tive um dos piores, com o agravante que de lá sempre se sai com cabelo, pele e roupa empesteados numa fedentina de óleo de fritura.

Meu chefe veio me ajudar num projeto que realmente eu não precisava de ajuda. Quando ele sentou-se ao meu lado, senti na hora que ele tinha almoçado em algum lugar catinguento, daqueles onde frituras abundam. Depois de me dar uma mão desnecessária ele entabulou num convercê e então confidenciou que ele e a esposa tinham ido almoçar num lugar diferente. E eu—ah é, onde? Nem fiquei surpresa quando ele respondeu—no Zen Toro.

casquei-me fora

Bem que eu vi o e-mail da secretária chegando, mas me fiz de sonsa e pensei alegremente—estou em férias, não preciso responder, não vou confirmar, portanto me livrei dessa! Bom se fosse. A danada querendo ser gentil e eficiente resolveu confirmar ela mesma a minha presença no fabuloso picnic anual dos funcionários da UC Davis, criativamente batizado de TGFS – Thank God For Staff.

E veio me trazer o ingresso, que eu aceitei com um sorriso amarelo. Conversei um pouco com ela sobre o evento, que na minha opinião é o mais completo acontecimento aborígene que a universidade organiza. Contei que fui ao picnic de 2006 e tinha jurado nunca mais cair nessa armadilha. Expliquei mais ou menos o esquema da coisa: camelar até o final do arboretum, ficar na fila pra pegar um sanduba e um garrafa de água, sentar no chão, pagar todos os micos possíveis com joguinhos infames, só porque você teve a sorte na vida de ser funcionário da grande Universidade da Califórnia. Eu, sinceramente, passo. Trocar meu tranquilo almoço em casa pra ficar lá na grama conversando amenidades sem importância com meus colegas, tentando comer sem ficar com fiapos de carne entre os dentes, ensovacando no sol do meio-dia, ouvindo o “agito” dos funcionários animados, que participam dos jogos com aquele entusiasmo irritante, não é a minha praia, não faz o meu estilo.

Segurei o ingresso imóvel por alguns minutos pensando na única vantagem de ir a esse picnic indigena—poder escrever sobre a famigerada experiência aqui. Sinto muito folks, mas optei por cascar-me fora dessa.

sofre, gourmerette, sofre

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Fui ao Corti Brothers fazer uma comprinha de gostosuras supérfluas. Note que o Corti Brothers não é nenhuma birosca, portanto a tendência natural é acreditar que tudo que se vende lá é no mínimo o máximo. Vi então umas latas de doces da Argentina—marmelo, batata-doce e doce de leite com chocolate. Eu que sou brasileira escolada e careca de saber que é pra fugir dos doces em latas [redondas], caí na armadilha. Não sei nem explicar por que decidi pagar pra ver o tal doce de leite. Quando abri a lata já pressenti o drama. Dinheiro jogado no lixo. Que porcaria! A lista de ingredientes denunciava o crime. Vou te contar, nem aquela famosa goiabada de xuxu da Cica conseguiu ser tão ruim….

excuse me

Tem coisa mais chata que ser pega com a boca na botija, comendo algo, com farofa no cantinho da boca, iogurte pingado na ponta do queixo, qualquer coisa colada no dente, não te deixando falar direito? Mas tem sempre aquela pessoa inconveniente que se aprochega bem na hora agá e não se toca que você está com um saco de bolachas numa mão e uma delas mordida na outra, sem falar nas migalhas espalhadas pelo seu suéter preto. Vai chegando e nem repara que você está segurando a colher suja de iogurte e que o copinho está pingando, já puxa um papo descontraído, pergunta como você vai, comenta do frio, conta do gato. E você ali com a colher suspensa, com a boca suja, sem saber o que fazer com as mãos, tendo que responder, tentando não espirrar o que está na boca, procurando manter a pose durante os minutos mais ridiculamente longos do seu dia.

tanto talento desperdiçado

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Um doce para quem adivinhar qual das três sou eu. Algumas dicas para ajudar no prognóstico: uma é minha prima, a outra é minha irmã; o tio da minha mãe apertava nossas bochechas e dizia pra minha irmã que ela era mais linda, pra minha prima que ela era a princesa, e pra mim, cof cof, que eu era a artista. Eu poderia ter virado um Jim Carrey de saias e poderia ter feito fama e fortuna caindo de cara no pudim nos filmes de Hollywood, mas invés disso acabei apenas dandos meus tropeços privativamente no tapete da minha cozinha e caindo com a cara no pudim sem público pagante aplaudindo.
**update revelador: a única com talento pra Jim Carrey nesse trio é a primeira, altona e careteira! e é claro que eu sou a primeira. a segunda charmosinha é minha prima. e terceira fofíssima é minha irmã.

quem ri por último…

Rir é com certeza a melhor maneira de expurgar idéias ou sentimentos negativos. Quem pensa que a comicidade das minhas histórias é depreciativa, está muito enganado. Rir é terapêutico e nos ajuda a ver uma determinada situação através de uma nova perspectiva. A visão do ridículo é purificadora e mostra que até os mais absurdos defeitos podem ser divertidos. É por isso que eu escrevo sobre as minhas patetadas com frequência. Se elas me fizerem rir, todo o efeito negativo de sentir-se um peixe fora d’ água, uma esquisita, uma atrapalhada, sempre metida numa gafe, se diluí.

Histórias não faltam. Tenho material para um livro. Não é pra não rir do episódio em que eu beijei a boca de uma mulher sem querer, enquanto tentava cumprimentá-la desengonçadamente numa festa? E até teve gente que se identificou com a talentosa Splashy e suas estripulias aquáticas. Quantas vezes eu revi na minha memória, como se fosse um filme pastelão, a cena que protagonizei quando visitei uns amigos no Brasil: estava sentada num sofá e fui descruzar a perna longa distraidamente, quando chutei uma bacia cheia de cascas e sementes de mexericas, que voou pelos ares e aterrisou do outro lado da sala, fazendo uma sujeirada tremenda no chão.

Depois que eu escrevo e dou muita risada, não me sinto mais tão esdrúxula, não acho que sou diferente, ou que estou sempre dando foras ou espetáculos patetescos, caindo das cadeiras, tropeçando, rolando pelas escadas, batendo com a cara no poste. Depois que eu choro litros de lágrimas de tanto rir, tenho certeza de que sou abençoada com essa capacidade de conseguir rir saudavelmente de mim mesma.

*texto reciclado do The Chatterbox

um dia na vida de…

Eu acordo e ele já está de plantão na porta do quarto, deitado ou sentado, dormindo ou acordado, ele está lá sempre, infalível, inevitável, exato. Eu desço as escadas e ele desce junto, correndo pra passar na minha frente, porque ele sempre faz isso e eu nunca entendi muito bem o motivo. Em alguns minutos eu vou estar enchendo o prato dele com comida e então terei um tempo sozinha, bebericando o meu café, lendo, pensando na vida e na morte da bezerra. Mas quando eu me levantar pra ir tomar o meu banho matinal, ele já vai estar novamente ao meu lado, correndo na minha frente, pra chegar primeiro, enquanto eu subo as escadas em direção ao quarto e depois ao banheiro. Quando eu chego no banheiro ele já está lá, no plantão número dois do dia, sempre em cima da pia, porque agora a obsessão dele é beber água ali. A bacia da pia do Uriel fica cheia de água pra ele, mas só deixar a água lá não basta, ele quer que você participe, interaja, atue. Eu abro a torneira e ele olha pra água. Entro no chuveiro e começa ali o processo de encaração. Ele fica como uma estátua gorda a altiva, às vezes olhando para o infinito—Marlon Brando tem muitos discípulos, ou simplesmente me encarando. E ele encara com firmeza, mesmo quando o vidro do chuveiro embaça e respinga e eu viro apenas uma confusa silhueta. Eu limpo o vidro com as mãos e me deparo com o carão. Saio do chuveiro e o carão continua ali, me olhando de uma forma desconfortavelmente fixa e blasé, como se estivesse tentando dizer—está precisando se depilar, hein querida?

E assim continuamos o nosso dia, eu desco, ele desce, eu subo, ele sobe. Na hora do almoço, quando eu chego esbaforida com a bicicleta, ele é a primeira visão que eu tenho, quando abro a porta. Ele vai primeiro bater um ranguinho rápido, depois vem se posicionar para o plantão número três do dia, que consiste em apenas ficar dando sopa por ali, olhando o movimento do meu almocinho improvisado ou requentado, sempre na esperança que algo aconteça. Acontecimento seria ele ganhar comida—fato que resume absolutamente TODO o sentido da vida. Eu subo para escovar os dentes e ele sobe também, correndo para passar na minha frente, quando eu chego lá no banheiro, ele já está à postos para o plantão número quatro do dia. Enquanto eu escovo os dentes, ele olha pra água que contínua na bacia da pia, olha pra mim, deita entre as bacias, onde estão algumas coisas que eu uso, então eu preciso mover um rabo peludo do lugar pra pegar algo e praticamente me dobrar em cima do ser balofo pra alcançar outra coisa. Eu faço xixi e ele me encara, eu desço e ele desce, correndo na minha frente, chegando primeiro. Quando eu fecho a porta da casa, a última cena que vejo é ele na beira da escada, ou na cozinha, pois a esperança é sempre a última que morre.

Chegando em casa à noite, abro a porta esbaforida e carregada de coisas—lancheira, cartas, pacotes, e a primeira coisa que vejo é ele no pé da escada. Ele vai bater um ranguinho preventivo e daí começa o plantão número cinco do dia, o mais importante. Enquanto eu faço as coisas na cozinha, guardo louça, preparo o jantar, ele não sai do perímetro que contém a largura dos meus passos. Ele fica como uma estátua, no tapete de cá, no tapete de lá, ou no meio dos tapetes, sentado ou deitado, sempre com um olhar pidão de morto de fome, a não ser que ele fique muito frustrado, daí ele vai pro canto da parede, onde normalmente colocamos os snacks pra ele comer e encara a parede, assim como quem está de castigo, resignado. Marlon Brando tem mesmo muitos discípulos. Assim ficamos, ele ali impassível e eu quase tropeçando no tapete e nele, me irritando com a insistência e com a inconveniência. Ele só dá sossego quando eu finalmente coloco os snacks no cantinho da cozinha. Mesmo assim ele ainda volta, desta vez só pra curtir a companhia, a música, o calorzinho do forno. Depois que jantamos, eu subo pro quarto e ele sobe na frente, fica em cima da pia enquanto eu tomo banho, o plantão que número mesmo?

Essa é a minha rotina com o meu gato Misty Gray, um soturno senhor de treze anos, cheio das manias, quase todas relacionadas à comida e bebida. Eu não passo um minuto sozinha. Não sei se isso é bom ou ruim, ainda não decidi. Sem falar que tem o outro gato. Ah, o outro gato vocês nem queiram saber. O outro gato fica pra outra hora.

foi uma explosão de sabores!!!

Depois de quase dois anos sem pôr os olhos nos programinhas do Food Network, resolvi mudar de canal e ver o que andava acontecendo por lá. Eu enchi do Food Network faz tempo. Peguei uma ojeriza de todos os chefes celebridades que têm programas naquele canal. Cheguei ao ponto de não suportar nem a voz dos cumpadres. Djezuis Craist, será que o pré-requisito pra ter um programa no FN é ter uma personalidade falsa e irritante? Por causa disso eu parei, há mais ou menos dois anos. Parei.

Então na minha clicada de retorno ao Food Network, eu esperava ver algo diferente. Mas que nada. Olha só que eu vejo—o temeroso e escabroso Iron Chef America, que é nada menos que a cópia avacalhada do fantástico Iron Chef , o original japonês, que era criativo e interessante. A versão americana é um festival de exageros e de egos. Eu nunca consegui assistir, porque me dava nos nervos, como quase absolutamente tudo naquele canal.

Podem jogar tomates e me chamar de chata de galochas.

O episódio do Iron Chef America que me recepcionou no FN era a batalha no kitchen stadium entre o chef Mario Batali—o responsável pela popularização e modismo horripilante dos sapatões Crocs pelo mundinho culinário; e o chef Jamie Oliver—o inglês queridinho de nove entre dez food blogs brasileiros. O lance, que eu pesquei rapidinho durante o primeiro comercial, é que os programas do Jamie vão estrear naquele canal. Já não bastava a Nigella lambendo os dedos, agora teremos o Jamie mordendo o pimentão e depois cortando em fatias e colocando na receita. Saliva deve ser um ótimo tempero—hmmm-hmm-hmmm!!

A batalha entre o Batali e o Oliver tinha como ingrediente secreto um peixe. Eles prepararam então vários pratos sofisticados e cheios de ingredientes com o tal peixe no período de uma hora. Daí serviram os pratos para os juizes—uma fulana de cabelão alisado, um cara de cabelo hipongo comprido ajeitado atrás da orelha e uma moça asiática com um batom cor-de-rosa que não perdeu o brilho nem mesmo quando ela comeu o macarrão saturado de molho grosso de tomate feito pelo Batali. O visual dos juizes era o de menos. Muda as caras, mas o esquema eh sempre o mesmo. Antes a bancada dos juizes tinha a presença do Jeffrey Steingarten, que desempenhava o papel de critico cri-cri. A função dele era basicamente detonar e amedrontar os chefs. Mas pelo jeito ele perdeu o emprego e agora todo mundo é bonzinho e só faz elogio. Essa é uma parte que me faz rir de nervoso, pois os juizes devem fazer um treinamento em adjetivologia para participar do programa. O palavreado que eles usam para descrever e elogiar as delicias não tem parâmetros. Nem de posse de um Thesaurus eu conseguiria tal façanha, e olha que eu acho que tenho a doença do bicho adjetivo.

A expressão que eu acho mais absurda e engraçada, nesse esforço descomunal que as pessoas fazem para descrever suas experiências com comida, é a tal de foi uma explosão de sabores! Como pode isso ser possiível? Quando eu leio e escuto essa pérola, logo penso naquela balinha em pó que foi bem popular nos anos 80 e que explodia na boca. Aquilo era uma explosão, de fato, mas era somente de um sabor. Essa tal de explosão de sabores eu ainda estou para experienciar.