o〔♥〕da casa

A cozinha, é claro! Ela foi um dos motivos que nos fez decidir comprar uma casa de sessenta e três anos com muitos probleminhas e estranhezas arquitetônicas, em detrimento de outras ultra modernas e funcionais que estavam disponível no mercado pela mesma faixa de preço.

Foi enquanto conversava com o nosso corretor e o Gabriel em pé no meio da cozinha, que tive certeza de que era ali mesmo o meu lugar. Uma cozinha perfeita para uma Julia Child wannabe como eu!

A cozinha foi modernizada, mas apenas em termos. Os armários são originais, feitos com madeira de verdade, coisas dos tempos antigos construidos para durar pra sempre. Os espaços são menores—o do fogão e da máquina de lavar louça, por exemplo e não há conexão pra água atrás da geladeira [e portanto adeus água filtrada e gelinho]. Os armários não são tão grandes como os da outra casa, em Davis. E tudo é bem mais baixo, incluindo a bancada e a altura dos armários. Por isso a batedeira teve que ficar sobre outro móvel. Mas todos esses detalhes foram completamente contornáveis.

O que eu mais gostei nessa cozinha foi a parede toda de janelas e a ausência de espaço pra colocar cacareco. Minha coleção de galinhas se aposentou pra dentro de um armário e não tenho mais jarras e sopeiras à vista. Não há parede pra pendurar enfeites e minha coleção de pratos antigos ainda está encaixotada. De uma certa maneira isso deixou o ambiente muito mais clean e agradável. E eu gostei. O lustre de mosaico que veio com a casa ia ser trocado, mas acabou ficando. A ilha de trabalho em frente da pia tem sido um salva-vidas, já que a bancada é um pouco baixa pra minha altura. Quis tirar o lixo do armário embaixo da pia e estou gostando de ter uma lata com tampa ao lado da bancada. E o tapete é de plástico!

Mudei algumas coisas no visual da minha cozinha e estou realmente contente. Ainda falta instalar a conexão de gás e trocar o fogão. Mas vamos aos pouquinhos. Umas coisas engraçadas nessa cozinha são um pequeno armário para colocar condimentos, que eu achei completamente estranho, pois fica do outro lado bem longe do fogão. E a despensa, que foi improvisada num espaço onde passa os encanamentos do aquecedor e ar condicionado da casa. E também tem o basement, que não é uma coisa muito comum nas casas aqui da Califórnia. Mas eu tenho um, onde está uma geladeira extra e muitas prateleiras lotadas com todas as coisas que não acharam espaço disponível dentro da cozinha.

No dia em que resolvi tirar as fotos da cozinha pra publicar aqui, não arrumei nada, nem fiz preparativos especiais. Depois fiquei com muita raiva de mim mesma e da minha displicência, pois pude ver que tinha louça suja na pia, um monte de coisas fora do lugar, incluindo a escadinha vermelha que o Uriel tinha acabado de usar pra trocar uma das lâmpadas do teto que estava piscando. Mas depois pensei, é isso mesmo! Minha cozinha é assim na vida real. Não é cenário, nem material pra revista de decoração, mas é o lugar onde eu passo um bocado de tempo e é certamente o coração da casa.

[*super obrigada a todos que deixaram comentários nas fotos da minha cozinha-caverna!]

um fogão elétrico

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O fogão veio com a casa e, ao contrário da máquina de lavar louça, está em ótimo estado. Pelas condições do forno dá pra concluir que ele é quase novo. Mas é um fogão elétrico. Desde os meus anos canadenses que eu não colocava uma panela sobre o queimador de um fogão elétrico. E digo mais, nunca senti saudades de fazer isso. E digo mais ainda, detesto fazer isso. Quando vi o fogão elétrico na cozinha da casa nova já fui avisando—vamos trocar por um a gás! Infelizmente não vai ser tão simples assim, pois não há conexão pro gás atrás do espaço do fogão e vamos ter primeiro que chamar um encanador, furar parede, puxar cano, eteceterá-eteceterá. Já vi até o tipo de fogão que quero comprar, mas ainda não comprei.

Enquanto isso, vou ter que ir me virando com esse fogão mesmo. E estou fazendo com muito cuidado, porque fogões elétricos são o instrumento perfeito para se queimar comida e encrustar panelas. Como tive muitas esperiências deprimentes no passado, estou praticamente pisando em ovos. No primeiro dia na casa tostei umas fatias de pão de azeitona numa frigideira vintage que tenho e que foi a única que achei no meio das 9854 caixas fechadas. Preciso dizer que tive que usar a esponja de aço pra limpá-la. E imediatamente acendeu a luz vermelha de alerta! Depois assei cenouras, fiz uma quinoa com camarão frito, preparei risoto e sopa de lentilhas, assei frango com gengibre e cebola e até cozinhei macarrão. Com o cuidado que estou tomando foi tudo bem até agora, só ainda não assei nenhum bolo e confesso que ainda estou um pouco receosa de fazê-lo. Espero que a conexão do gás seja uma das próximas da lista dos serviços por fazer na casa, porque neste quesito eu sou bastante conservadora—gosto de cozinhar com fogo. De outro jeito simplesmente não me parece natural.

I’m a Woodlander!

Im a Woodlander! Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander
Im a Woodlander Im a Woodlander

Choveu no dia da mudança e eu acho que isso significará muita sorte para nós. Mas mudar foi uma trabalheira. A empresa que contratamos chegou às 8:30 da manhã com quatro funcionários, que botaram pra quebrar. Não antes de soltarem uns palavrões quando viram a quantidade de coisas pra carregar e ainda para encaixotar. Os gatos ficaram estressadíssimos e passaram o dia dentro do quarto vazio na casa velha. Só vieram para a casa nova à noite, quando tivemos a grande surpresa de ver o Misty se ajustar em menos de uma hora e o Roux quase ter um treco de tanto medo. Levou um tempinho, mas agora ele já esta novamente se sentindo em casa.

A nossa adaptação foi ainda mais fácil. Eu estava muito dividida, achando que iria sentir muito a minha saída de Davis. Quando chegamos na casa nova eu fiquei direcionando os moços descarregando as caixas e móveis na calçada da frente, bem embaixo de uma árvore. Depois da chuvarada que caiu pela manhã, o sol apareceu e estava uma brisa fresca. Foi exatamente ali que eu caí na real de como essa minha nova casa é simplesmente deliciosa. Não sei se a vizinhança toda arborizada e tranquila também contribui, mas me senti imensamente tranquila. Me senti feliz.

No dia seguinte voltei pra Davis pra pegar algumas coisinhas que ficaram pra trás, me despedi da casa, agradeci os anos tão bacanas que vivi lá, enxuguei um borbulhão de lágrimas e rumei apressadamente de volta para Woodland, onde uma desordem fenomenal me aguardava. Na primeira manhã na casa nova, não se via nem o chão nem o teto da cozinha, que abrigava sei-lá-quantas mil caixas. Como vamos colocar madeira em dois cômodos da parte de baixo, todos os móveis e outras coisaradas estão empilhados num terceiro. A única parte da casa onde dava pra caminhar razoavelmente eram os quartos e banheiro no andar de cima.

Cinco dias de trabalho duro, levantamento de peso, subindo e descendo escadas, dor nas batatas das pernas e no lombo, posso dizer que tudo já está tomando uma cara mais normal. A cozinha já está usável, apesar do fogão elétrico ainda não ter sido substituído por um a gás—mas estou prestando atenção e tomando cuidado. Já preparei algumas boas refeições. Aliás, comemos em casa todos os dias, com exceção do dia da mudança, quando fomos forçados a comer fora. Não pedi pizza, não peguei take out. Minha primeira refeição na minha cozinha ainda lotada de caixas, foi uma salada de tomates com queijo e manjericão fresco e pão torrado na frigideira.

A casa é antiga e aos poucos vamos percebendo certos detalhes que antes nem pensávamos à respeito, como ter ou não ter fio terra nas tomadas. Aqui a maioria não tem. Tivemos que comprar uns adaptadores e vamos ter que chamar um eletricista pra fazer o serviço. A maioria das casas modernas tem espaços padrões pra geladeira, fogão, máquina de lavar e secar. Mas numa cozinha antiga reformada foi um suor instalar a máquina de lavar louça modernosa num espaço adaptado do tempo da onça. Mas tudo isso são detalhes que não interferem com a alegria de viver aqui—estou adorando os assoalhos rangendo quando caminhamos pela casa, a paisagem verde vista de todas as janelas, o cheiro de madeira antiga, o barulhinho do vento nas folhas das árvores, os passarinhos e o silêncio, ah, o silêncio!

»no primeiro dia bateram na porta e era a minha vizinha me recepcionando com um pratinho de cookies ainda quentinhos. ela me disse que mora aqui há 30 anos e que conheceu o dono original, que construiu a nossa casa, que morreu com 98 anos! »no sábado fui conhecer e fazer compras no Farmers Market de Woodland, que é bem modesto. mas lá comprei os morangos e as cerejas mais doces desse inicio de temporada. »nesses dias de folga nem pensei em trabalho, mas amanhã recomeço minha rotina, que não incluirá mais ir pro campus de bicicleta nem almoçar em casa.

»um super feliz e comovido obrigada à todos que deixaram comentários sobre a casa!

fa la la la la—la la la la

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E o ano voou, não voou? Já estamos à poucos dias do Natal, com todo aquele burburinho, o compra-compra enlouquecido, embrulhação de presentes, listagem infinita de possíveis receitas para a ceia, férias escolares, aeroportos congestionados, tempestades de neve no hemisfério norte, calorão e chuvarada de verão no hemisfério sul, realmente nada de novo no front. Nesta mesma época no ano passado eu estava enfrentando o frio miserável em Londres para passar o Natal com a parte da minha família que mora lá. Neste Natal não nos movimentaremos muito. Eu estou totalmente dominada por uma vibe de arrumação, mudança e limpeza. Acredito piamente que o acúmulo de coisas velhas e sem uso não faz muito bem para o fluxo natural das energias cósmicas. Então passei dias colocando ordem pelos armários, gavetas e cômodos da casa. Ainda estou surfando essa onda, pois prometi pra mim mesma que vou tentar ser mais organizada e que vou tentar ao máximo facilitar o meu trabalho dentro da cozinha. Começando por dar mais acessibilidade aos pratos, copos, talheres, panelas, travessas e outros zilhões de utilitários que se empilhavam caoticamente na minha cozinha..

Tirei meu baú de enfeites de Natal do armário e neste ano decidi fazer a decoração um pouco diferente. Enchi as meias penduradas na lareira com gostosuras, coloquei um enfeite minimalista ali, outro acolá e pronto. A grande mudança foi que resolvi montar a árvore de Natal na cozinha. Nossa árvore é clássica, artificial, bem pequena e simples e está agora posicionada em frente da janela, iluminando a entrada e facilitando a chegada do espírito das festividades, que por aqui sempre demora um pouco pra aparecer. Gostei imensamente dessa alteração da perspectiva da árvore e de tê-la presente no ambiente onde gasto mais tempo, adornando o espaço da cozinha com suas luzes, os micro papai-noelzinhos, as bolas feitas de chocolate e a guirlanda de guizos.

Não costumo prometer ou me comprometer com resoluções e decisões de final de ano. Sou mais o tipo de tomar decisões inesperadamente, de último minuto e fazer tudo como me der na telha. Mas tudo indica que terei que me organizar um pouco mais para não ser atropelada por 2011, que será um ano que promete!

2010 foi um ano bem devagar por aqui, tanto na vida quanto no blog. Penso muito sobre o futuro deste meu espaço virtual que é tão especial pra mim. Não gostaria de ver o Chucrute com Salsicha acabar indexado apenas como mais um blog de receitas. Gostaria mesmo era poder sempre oferecer uma experiência bacana, divertida e até inesperada para todos os que passam diariamente ou vez em quando por aqui. Mais ou menos como a experiência de passar pela rua e ver pela janela daquela casinha toda pintada de azul clarinho, uma árvore de natal toda piscante e iluminada na cozinha.

✴✳ Feliz Natal! ✳✴

as cozinhas de M.F.K. Fisher

MFKFisher kitchens
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Quem conhece a grande escritora gastronômica M.F.K. Fisher vai entender o meu entusiasmo por este livro. Quem não conhece, precisa sair correndo [agora!] e ler pelo menos um texto dessa mulher. How to Cook a Wolf, An Alphabet for Gourmets, The Gastronomical Me, entre muitos outros livros da autora, são leitura imprescindível para quem gosta de culinária e gastronomia.

Já li muita coisa dela, mas corri pegar o livro da Joan ReardonM.F.K. Fisher among the Pots and Pans [Celebrating her Kitchens] na biblioteca e depois de algumas páginas lidas, comprei o volume, pra ter na minha biblioteca. Neste livro, a historiadora de culinária faz um apanhado de todas as cozinhas onde Mary Frances cozinhou em toda a sua vida etinerária, entre a Califórnia e Provence. O livro começa com as casas da infância, onde Mary Frances começou suas aventuras na cozinha. No decorrer dos anos, ela muda de cidades e de países inúmeras vezes e em muitas ocasiões se viu cozinhando num fogareiro com apenas uma panela.
Reardon descreve, não somente as cozinhas, mas também as comidas que Mary Frances cozinhava e comia. O livro é uma delícia de ler, especialmente se você já estiver por dentro dos detalhes da vida da escritora, e não precisar entender muito bem os outros acontecimentos, fora da cozinha.

As ilustrações das casas e cozinhas de Mary Frances, feitas em aquarela, decoram o livro com detalhes de delicadeza.

Queria transcrever muitas partes do livro aqui—das toalhas de mesa de linóleo quadriculado, as porcelanas decoradas com flores cor de rosas e a comida que despertou os sentidos de Mary Frances ainda criança, até o diário que ela manteve na sua última casa, onde recebia hóspedes e visitas e anotava tudo o que ela servia e o que cada um comia.

Ela nunca fez aulas de culinária, cozinhava de maneira absolutamente simples, colocando os ingredientes frescos e sazonais em primeiro plano. Sempre recusou ser rotulada com jornalista ou autora de livros de culinária. E nunca se considerou uma criadora ou seguidora de receitas, uma professora ou interprete das escolas francesas. Mary Frances era uma sensualista. Ela acreditava apenas no prazer imenso proporcionado pelo ato de comer e beber.

»tudo sobre M.F.K. Fisher que já rolou por aqui.